Coluna

Feiras Agroecológicas são alternativa à comercialização convencional

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Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca (CE) - Cacheado Braga/Arquivo CETRA
São espaços de rompimento com práticas capitalistas, bem como de luta contra a concentração de renda

O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, no entanto, atualmente, mais de 33 milhões de brasileiras e brasileiros passam fome, segundo dados do relatório Olhe para a fome, de 2022. Garantir o acesso a alimentos para a mesa de todas as pessoas é, portanto, uma necessidade e uma urgência.

Mas como fazer isso quando a produção e a distribuição de alimentos está concentrada nas mãos de grandes empresas que só visam o lucro? A saída é a agroecologia e os mercados territoriais.

Mercados territoriais são espaços de comercialização coletivos que seguem princípios da economia solidária. Neles, famílias agricultoras vendem sua produção com preços e condições justas. Exemplo desse tipo de mercado são as feiras, lugar importante não só pela possibilidade de comprar alimentos direto de quem produz, mas também pelas trocas de saberes e experiências. 

Maria de Fátima dos Santos, Fafá, é agricultora agroecológica na comunidade Jenipapo, em Itapipoca (CE). Para ela, as feiras são importantes para dar autonomia às mulheres que, antes, trabalhavam junto dos maridos e companheiros e não ficavam com nenhum dinheiro. “Teve uma liberdade que antes a gente não tinha, porque, antes, se eu quisesse comprar algo, tinha que pedir ao marido. Hoje, não. Hoje temos nosso dinheiro, ele está na nossa mão, compramos o que a gente quer”, explica Fafá.

Mas a liberdade não é só financeira. Ir para as feiras “mudou a vida das agricultoras em tudo. Tinha muita mulher que não saía de casa e, hoje, elas estão lá comercializando, estão nas palestras, nas feiras conversando com as outras. Tinham umas que nem queriam falar e hoje pegam o microfone”, completa.

Somente em 2020, a renda das famílias agricultoras aumentou 71% nos mercados territoriais. Além das feiras agroecológicas, a comercialização se dá em quitandas, na própria comunidade e em programas institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Os dados são de uma pesquisa realizada em seis estados do Nordeste pela Rede Ater Nordeste de Agroecologia e referem-se a informações de 2020.

“Elas [as feiras agroecológicas] aproximam o campo da cidade, aproximam os agricultores e agricultoras de quem consome alimentos agroecológicos. As feiras são uma oportunidade para os consumidores e as consumidoras que têm interesse em comprar produtos da agricultura familiar camponesa agroecológica diretamente da mão de quem produz”, afirma Neila Santos, coordenadora do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (CETRA).

Segundo Santos, a importância das feiras também se dá por serem espaços de rompimento com práticas machistas e capitalistas, bem como de luta contra a concentração de renda nas mãos de poucas e grandes empresas. A partir delas, podemos construir sistemas agroalimentares mais justos e fortes.

“São as feiras que estimulam outras economias, que não é a economia só do lucro: é uma economia circular, uma economia solidária, uma economia da ajuda mútua, onde outros valores e outros princípios estão envolvidos, como a troca de experiências entre agricultores e agricultoras e a troca de saberes entre quem produz e quem consome”, avalia a coordenadora do CETRA.

O contraste entre mercados convencionais e mercados territoriais vai além do modelo econômico e de gestão — enquanto esse tem suas práticas pautadas na coletividade e nos interesses coletivos, aquele segue normas e valores de grandes empresas. Tal disparidade perpassa por mudanças nas relações sociais e no grau de autonomia de cada pessoa; pela inclusão de mulheres e juventudes como sujeitos, além de transformações na produção e no consumo.

“As feiras e os mercados solidários têm uma característica bem distinta dos mercados convencionais. Os mercados convencionais são caracterizados pelo controle de agentes econômicos que, em geral, são extraterritoriais (empresas de supermercado, grandes varejistas) e que definem preços, padrões e regras de funcionamento”, explica Paulo Petersen, coordenador executivo da AS-PTA e integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Petersen reforça que um dos grandes desafios para as políticas públicas é encontrar maneiras de incentivar a construção de mercados territoriais, pois quando falamos em “mercado”, nem sempre nos referimos a estruturas físicas, mas às relações de poder intrínsecas a ele: “Mercado como relação de poder, de quem define, de quem controla, de quem regula as relações comerciais”.

Ele afirma ainda que a disputa pela construção e aplicação de políticas públicas é imprescindível, porque os mercados convencionais “são circuitos que oferecem alimentação barata, mas de péssima qualidade”. Portanto, o ambiente institucional (governos municipais, estaduais e federal) pode favorecer a construção e o fortalecimento de mercados territoriais.

“Uma política de abastecimento alimentar que assegure alimentação saudável e de qualidade para toda a população precisa não só das compras institucionais, como PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] e outros mecanismos de compra institucional, mas, fundamentalmente, é preciso fomentar novos circuitos de comercialização que estejam sob controle dos atores dos territórios”.

Maria de Fátima dos Santos (Fafá) é agricultora agroecológica na comunidade Jenipapo, em Itapipoca (CE) - Mário Sabino/Feiras Agroecológicas e Solidárias

As feiras agroecológicas são espaços de luta, resistência e democratização de saberes e de alimentos saudáveis produzidos sem agrotóxicos ou sementes transgênicas. Mesmo com a alta dos preços nos supermercados, famílias agricultoras seguem resistindo e praticando preços justos. Nelas, encontramos “produtos feitos localmente, com baixo nível de processamento, sem necessidade de aditivos. Então, são produtos mais saudáveis. Você estimula produção, gera renda aos produtores e coloca produção de boa qualidade para o conjunto da população”, nos conta Petersen. Sem falar na variedade — que pode ser fruto da sazonalidade e da agrobiodiversidade local.

Combater a fome com alimentos saudáveis e acessíveis é uma das premissas do movimento agroecológico que ganha força não só no Nordeste, mas em todo o país. São incontáveis feiras em diversas cidades espalhadas pelas cinco regiões brasileiras.

Mas como tudo que fazemos, para realizar e manter uma feira é preciso investimento, como contou o coordenador da AS-PTA. E o apoio não deve ser restrito à feira. Famílias agricultoras precisam de acesso a políticas públicas para fortalecerem seus laços comunitários e sua produção.

A agricultora agroecológica Fafá conta que há pouco apoio para as agricultoras e agricultores que produzem alimentos agroecológicos. Mas ela ressalta que essa realidade precisa — e está mudando. De acordo com Fafá, as políticas públicas favorecem a continuidade do trabalho, porque, quando se tem incentivo financeiro, é possível qualificar o planejamento e produzir mais.

De mãos dadas com agricultores e agricultoras de todo o Brasil, ambientalistas, pesquisadoras e pesquisadores, pessoas interessadas e sensibilizadas para as pautas da agroecologia, organizações e movimentos sociais vêm construindo o movimento agroecológico e fortalecendo a agricultura familiar de base agroecológica através da reivindicação de políticas públicas, projetos, parcerias e apoios. Afinal, “somos nós, agricultores e agricultoras, que sustentamos o país com comida”, reforça Fafá.

Pensar políticas públicas de agroecologia

O caminho para a construção de um país mais justo e igualitário perpassa a construção de políticas públicas com participação ativa das organizações sociais e movimentos populares. Pensando nisso, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizou, entre setembro e dezembro de 2023, a iniciativa “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo”, com intuito de coletar propostas para a construção do III Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). O Planapo é um instrumento que estabelece diretrizes para que o governo federal construa e implemente políticas públicas de agroecologia e produção orgânica. Estão incluídos no Plano aspectos como acesso a crédito agrícola, apoio à produção, fomento, ciência e tecnologia.

A reunião de propostas, informações e análises sobre o Planapo não foi o único objetivo da ação, que buscou também incidir politicamente nos estados para a construção e promoção de políticas públicas estaduais já existentes ou em tramitação. Essa mobilização de organizações, redes e articulações do campo agroecológico fortaleceu, portanto, esses sujeitos na luta agroecológica, com objetivo de fomentar a construção coletiva de propostas para as Políticas e Planos Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica (Peapos).

Com esses grupos locais e territoriais mais fortalecidos, a agroecologia ganha corpo e robustez cada vez maiores em todo o país.

Fortaleça a agroecologia no seu estado! - Cacheado Braga/Arquivo CETRA

Para saber onde estão localizadas as feiras agroecológicas na sua cidade e estado, informe-se sobre organizações, movimentos sociais, associações, cooperativas e sindicatos de trabalhadoras/es da agricultura familiar que atuam na promoção da agroecologia.

No Ceará, por exemplo, o site do CETRA disponibiliza uma lista de feiras agroecológicas no estado, com horários e endereços. O site do Centro Sabiá faz o mesmo para o estado de Pernambuco e o site da Prefeitura do Recife (PE) lista feiras e espaços agroecológicos da cidade. No Rio de Janeiro, você pode encontrar informações sobre feiras agroecológicas no site da Associação de Agricultores Biológicos do Estado Rio Janeiro (Abio). Na região Sul, você pode conferir o site da Rede Ecovida.

Existe também a Plataforma Mapa de feiras orgânicas, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que mapeia e reúne estabelecimentos, feiras e pontos de comercialização orgânicos e agroecológicos.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Matheus Alves de Almeida