OPINIÃO

Repressão aos estudantes pró-Palestina nos EUA e a articulação do lobby sionista

Protestos contra genocídio em Gaza se juntam a outros históricos, como os contra a guerra no Vietnã e os de maio de 68

São Paulo (SP) | |
Protestar por uma política externa melhor é tradição nas universidades dos EUA; acima, ato em Atlanta - Elijah Nouvelage / AFP

A liberdade de expressão e o direito de protesto são pilares fundamentais da democracia, especialmente nos espaços acadêmicos, onde a troca de ideias e o debate são incentivados como parte essencial do processo educativo. Contudo, o recente aumento da repressão aos estudantes pró-Palestina em universidades dos Estados Unidos levanta sérias questões sobre até que ponto esses princípios estão sendo respeitados.

Os protestos universitários se intensificaram, desencadeando uma onda de manifestações em campi por todo o país. Desde Los Angeles até Nova York, estudantes têm se reunido para expressar solidariedade com o povo palestino e exigir ações concretas de suas instituições de ensino.

Tudo começou quando a Universidade de Columbia tomou medidas para reprimir manifestantes pró-palestinos que ocupavam um gramado em seu campus em 18 de abril, a ocupação foi uma resposta à guerra em Gaza e ao apoio das instituições de ensino aos interesses de Israel. Desde então, protestos e acampamentos surgiram em diversas faculdades e universidades em todo o país, com intervenções policiais resultando em mais de 400 prisões até o momento.

As intervenções policiais foram registradas em várias universidades, incluindo a Universidade Columbia em Manhattan, onde 108 manifestantes foram presos, e a Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles, na  qual 93 pessoas foram detidas. No Emerson College, na cidade de Boston, 108 pessoas foram presas pela polícia e o acampamento foi esvaziado. Essas ações repercutiram em outras instituições, como a Universidade de Princeton em Nova Jersey, onde dois estudantes de pós-graduação foram presos.

No entanto, a resposta das administrações universitárias tem sido, em muitos casos, draconiana, variando desde o cancelamento de aulas até medidas disciplinares contra os manifestantes. Em algumas instituições, como a Universidade da Califórnia, Los Angeles, a polícia do campus obrigou os estudantes a desmontarem suas barracas, enquanto em outras, como a Universidade de Delaware em Newark, a presença de manifestantes e a possível montagem de acampamentos geraram controvérsia.

Esses protestos refletem a crescente polarização em torno da questão israelense nos Estados Unidos, especialmente entre os jovens universitários. À medida em que a violência em Gaza continua e as tensões se intensificam, é provável que mais protestos ocorram nos campi universitários, alimentando um debate cada vez mais acalorado sobre o papel das instituições de ensino na questão do conflito israelense-palestino.

O cerceamento do direito de protesto tem sido justificado sob o pretexto de garantir a segurança e a ordem nos campus universitários. No entanto, tal argumento levanta questionamentos sobre a liberdade de expressão e a autonomia dos estudantes para se engajarem em causas que consideram relevantes e urgentes. A repressão policial, em vez de promover o diálogo e a resolução pacífica de conflitos, tem exacerbado as tensões e criado um ambiente de hostilidade.

Além disso, a narrativa de que tais protestos são antissemitas, como alegado por alguns legisladores e líderes universitários, simplifica em demasia a complexidade da situação. O apoio aos palestinos não é equivalente a uma postura antissemita, e tentar rotular os estudantes dessa maneira é não apenas injusto, mas também prejudicial ao debate saudável e à compreensão mútua.

É importante reconhecer que os protestos pró-Palestina não surgem no vácuo, mas são resposta legítima às injustiças e violações de direitos humanos que ocorrem na região. Exigir o desinvestimento de empresas ligadas à campanha militar israelita em Gaza e defender o direito de protestar sem punição são demandas legítimas que refletem preocupações éticas e morais.

Assim como nos protestos estudantis durante a Guerra do Vietnã e o movimento estudantil de Maio de 1968, os atuais protestos nas universidades dos Estados Unidos refletem uma geração de estudantes engajados e politicamente ativos. Na década de 1960, intelectuais como Herbert Marcuse (1898-1979) inspiraram jovens a desafiar o status quo, questionando a autoridade e buscando mudanças sociais significativas. Da mesma forma, os estudantes de hoje estão se levantando contra a injustiça e a violência, buscando conscientizar e promover mudanças em questões como a guerra em Gaza e os laços de suas instituições com Israel. Esses paralelos históricos destacam a persistência do ativismo estudantil como uma força motriz na luta por um mundo mais justo e igualitário.

O papel das autoridades governamentais, como o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, também merece escrutínio. Sua ameaça de revogar o financiamento federal das universidades caso não consigam controlar os protestos é uma clara tentativa de coibir a liberdade de expressão e de impor uma narrativa unidimensional sobre o conflito israelo-palestino.

Os protestos pró-Palestina nos campus universitários representam não apenas uma expressão legítima de solidariedade, mas também um lembrete poderoso do papel vital que a juventude desempenha na luta por justiça e dignidade. É hora de ouvir suas vozes, em vez de silenciá-las, e de trabalhar juntos para construir um mundo onde todos os povos possam viver em paz e liberdade.

O lobby israelense

À medida em que os conflitos na região de Gaza se intensificam, e o risco de uma escalada para uma guerra regional aumenta, observa-se uma lealdade inabalável dos Estados Unidos e de seus aliados para com Israel. No entanto, esse apoio constante tem gerado consequências complexas e custos significativos. Israel se vê cada vez mais isolado na comunidade internacional, enfrentando oposição tanto da opinião pública global quanto da maioria dos governos ao redor do mundo.

O custo financeiro e o dano à reputação dos EUA são cada vez mais evidentes. A defesa americana em relação a Israel tem perdido centralidade como projeto de política externa, assim como a posição moral que já teve. Os ultrajes cometidos pelos israelenses, muitas vezes sem críticas dos representantes americanos, minam a credibilidade dos Estados Unidos no cenário internacional.

Então, por que os EUA e seus aliados continuam a oferecer um apoio acrítico a Israel? Uma visão comum é que esse apoio é resultado das atividades do lobby pró-Israel, grupos de pressão capazes de exercer considerável influência política e financeira. Essa teoria ganhou destaque a partir de um artigo escrito por John Mearsheimer e Stephen Walt, intitulado "The Israel Lobby", publicado em 2006. Neste ensaio, os autores expuseram sua visão sobre a influência dos grupos de pressão pró-Israel na política externa dos EUA, destacando o poder do American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) como um dos principais influenciadores.

No entanto, é importante contextualizar essa narrativa e considerar outras perspectivas. Primeiramente, Mearsheimer e Walt ressaltam que o lobby de Israel não representa necessariamente as opiniões de todos os judeus americanos, muitos dos quais não se identificam fortemente com Israel. Além disso, o lobby de Israel não é único; existem diversos grupos de pressão atuando nos Estados Unidos, e o lobby de Israel é apenas um deles. Sua eficácia também não é unânime, já que outros grupos de lobby superam o AIPAC em termos de influência financeira e política.

É fundamental reconhecer que o apoio a Israel vai além das atividades de lobby e está enraizado em questões estratégicas e econômicas. Historicamente, os interesses dos EUA na região do Oriente Médio são complexos e envolvem uma variedade de atores e fatores. A presença de Israel na região é vista como um ativo estratégico para os Estados Unidos, especialmente em um contexto de instabilidade e rivalidades regionais.

A análise da Guerra do Iraque de 2003 exemplifica essa complexidade. Enquanto alguns argumentam que o lobby de Israel desempenhou um papel significativo nesse conflito, é importante reconhecer os interesses geopolíticos e econômicos mais amplos em jogo. Os Estados Unidos buscavam reforçar sua influência no Oriente Médio e garantir acesso aos recursos naturais da região, como o petróleo. Nesse sentido, a guerra no Iraque não pode ser atribuída exclusivamente às pressões do lobby pró-Israel.

Além disso, é crucial evitar simplificações excessivas ao analisar as relações internacionais e o papel dos grupos de pressão. Enquanto o lobby pró-Israel desempenha um papel na promoção de políticas favoráveis a Israel, é apenas um componente de uma rede complexa de interesses e influências. É importante considerar as dinâmicas geopolíticas mais amplas e os objetivos estratégicos dos Estados Unidos ao avaliar o apoio a Israel.

American Israel Public Affairs Committee (AIPAC)

Nos corredores do poder em Washington, poucos grupos de lobby têm exercido tanto poder e influência quanto o American Israel Public Affairs Committee, mais conhecido como AIPAC. Por décadas, o AIPAC tem sido uma figura proeminente na política americana, trabalhando para promover os interesses de Israel nos Estados Unidos. No entanto, nos últimos anos, o grupo enfrentou desafios significativos à medida que a dinâmica política e os eventos internacionais moldam o debate em torno de Israel e da Palestina.

O AIPAC, durante muito tempo, foi um bastião de apoio bipartidário a Israel, contando com o respaldo de membros tanto do Partido Democrata quanto do Republicano. No entanto, à medida que as divisões internas sobre a questão israelense se intensificaram nos Estados Unidos, o AIPAC se viu cada vez mais envolvido em estratégias políticas agressivas que alienaram alguns setores dos Democratas. Este cenário se agravou com a recente escalada de conflitos na região.

A crise de identidade do AIPAC foi evidenciada pelos seus esforços para financiar desafiantes eleitorais a Democratas considerados insuficientemente favoráveis a Israel. Tradicionalmente, o grupo evitava enfrentar titulares, mas essa postura mudou nos últimos anos. A tensão se acirrou ainda mais devido às divergências internas no Partido Democrata sobre Israel, em um contexto de aumento das críticas à política israelense em relação aos civis em Gaza e às barreiras à ajuda humanitária.

Além disso, a complexa política de ajuda externa no Congresso tem apresentado desafios significativos para o AIPAC. A disputa sobre o financiamento para Israel, em meio aos debates sobre a assistência à Ucrânia, criou um impasse que o grupo ainda não conseguiu superar. A influência do ex-presidente Donald Trump na oposição aos fundos adicionais para a Ucrânia complicou ainda mais a situação, criando um dilema para o AIPAC no que diz respeito aos seus interesses.

A abordagem cada vez mais agressiva do AIPAC e os desafios que enfrenta não passaram despercebidos, especialmente durante a recente reunião com doadores e legisladores em Washington. O grupo reuniu apoio entre os membros de ambos os partidos, mas também enfrentou críticas por suas táticas políticas. A exibição de vídeos que destacavam Democratas criticando Israel gerou controvérsia e levantou questões sobre a direção que o AIPAC está tomando.

Os esforços da AIPAC para minar candidatos Democratas que não se alinham com sua agenda foram contestados por grupos progressistas, que lançaram iniciativas para contrariar o impacto financeiro do AIPAC nas eleições. Essas tensões refletem um cenário político em transformação nos Estados Unidos, onde a postura em relação a Israel se tornou uma questão divisiva.

Apesar dos desafios, o AIPAC continua sendo um dos grupos de lobby mais poderosos em Washington, com uma capacidade formidável de arrecadar dinheiro e influenciar a política externa dos Estados Unidos. No entanto, as crescentes críticas e as mudanças na dinâmica política representam desafios significativos para o futuro do grupo e para o debate sobre as relações entre os Estados Unidos e Israel.

* Bruno Fabricio Alcebino da Silva é bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho