O Brasil continua a ter o segundo maior juro real do mundo após o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir manter a taxa básica de juros inalterada.
Isso porque o Banco Central do Brasil (BC) decidiu nesta quarta-feira (19) manter a Selic na faixa de 10,50% ao ano. Assim, os juros reais do país ficaram agora em 6,79%. O líder é a Rússia, com taxa real de 8,91%.
O juro real é formado, entre outros pontos, pela taxa de juros nominal do país subtraída a inflação prevista para os próximos 12 meses. Ou seja, a Taxa Selic é a que representa a taxa básica de juros da economia brasileira, referência para os demais bancos.
Debate fundamental
O economista do Dieese, Sandro Silva e o deputado federal Tadeu Veneri (PT), no Programa Quarta Sindical (CUT-PR/BDF-PR), debateram o tema e, de forma prática, exemplificaram porque a alta taxa de juros é tão prejudicial tanto para o desenvolvimento do país como para a vida do povo brasileiro.
Programa Quarta Sindical deste dia 26/06 tratou do tema "Juros no Brasil: a maior taxa real do mundo e o atraso no desenvolvimento." / Reprodução internet
Sandro Silva explicou por que a taxa Selic vem se mantendo tão alta no Brasil. “Toda a dívida pública que temos hoje tem muito a ver com a política de juros adotada lá no Plano Real. Naquele tempo, a Selic chegou a ficar acima de 40%, ante disso era em torno de 25%, o que fez com que o governo começasse a ter um custo muito elevado e desde lá é dívida sobre dívida e juros sobre juros,” disse.
Segundo dados da Auditoria Cidadã, em 1995 o estoque da dívida interna federal era de apenas R$ 86 bilhões e, hoje, é mais de 7 trilhões.
“Recentemente, em 2020, tivemos uma alta da inflação em parte decorrente da pandemia e isso fez com que o Banco Central aumentasse a taxa Selic significativamente chegando em 13,75% em junho de 2022. O principal objetivo era conter a inflação. Depois, tivemos queda de inflação, mas a taxa Selic continuou aumentando por decisão do Banco Central e essa alta acontece justamente quando a independência do Banco Central é aprovada. Ou seja, não tem nada de independência porque essa manutenção da taxa alta é para favorecer o mercado,” explica Sandro.
Gráfico apresentado no Programa Quarta Sindical pelo economista Sandro Silva, do Dieese. / Reprodução internet/Dieese
Falta de transparência do Banco Central
Já para o deputado federal Tadeu Veneri, o principal problema hoje é a falta de transparência e independência da política do Banco Central na política de taxação de juros.
“No Brasil temos uma concentração de bancos e de recursos nas mãos de poucos segmentos. E, o Banco Central, que apesar de dizer que é, não é independente, tem uma relação direta com os operadores do mercado que fazem o cálculo sobre a taxa de juros. Eles fazem uma previsão a partir de todo o processo econômico do país sobre o que poderá ser a inflação e como ela deve se comportar. A partir disso, o Banco Central estipula qual será o custo do dinheiro. Acontece que estamos lá no Congresso questionando o presidente do Banco Central sobre estas previsões que não são transparentes. E, com isso, o Banco Central faz uma transferência líquida de recursos do governo que seriam para investimento aos segmentos financeiros que ganham com uma taxa de juros muito alta,” explica.
Recentemente, o Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou uma denúncia alegando manipulação dos índices divulgados pelo Boletim Focus, uma publicação semanal do Banco Central do Brasil, que deve apresentar projeções de diversos indicadores econômicos, tais como a inflação, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de câmbio. As previsões contidas no Boletim Focus são baseadas em estimativas de instituições financeiras e outros agentes do mercado.
Segundo o TCU, essa manipulação teria como objetivo a manutenção de juros elevados, beneficiando certos setores do mercado financeiro. Esta denúncia lança uma sombra sobre a credibilidade da publicação e levanta sérias preocupações sobre a integridade dos processos de coleta e divulgação de dados econômicos no Brasil.
Movimento sindical volta a se mobilizar nesta terça-feira (12) em defesa da queda da taxa de juros no país / Fernando Frazão / Agência Brasil
Impacto na vida da população
O tema juros tão falado na imprensa e também no meio político não é de tão fácil entendimento por boa parte da população mesmo que impacte diretamente na subsistência dos brasileiros e brasileiras.
Como exemplo prático na vida de cada um, Veneri explicou, por exemplo, como se dá a composição dos preços dos produtos e onde os juros altos impactam. “Com o valor do dinheiro subindo definido pelo Banco Central, os recursos livres ficam escassos. Num exemplo prático, uma geladeira que o trabalhador vai querer comprar tem primeiro um custo de produção, e depois será embutido o valor do dinheiro definido pelo Banco Central, os juros. Isso impacta a vida de todo mundo porque primeiro diminui a capacidade de consumo, faz com que a gente mantenha uma taxa de juros sempre alta porque a procura pelo dinheiro é maior que a oferta. Tem mais gente buscando dinheiro do que dinheiro sendo ofertado, o que vai impactar também na produção e geração de emprego,” disse.
Já Sandro disse que a contradição de políticas entre governo federal e Banco Central é o que mais emperra o desenvolvimento do país. “A independência política do Banco Central foi votada em 2021 e hoje o que temos é uma contradição porque temos o governo federal com uma política que acredita que o Estado tem que atuar com indutor do crescimento econômico e, por outro lado, você tem um presidente do Banco Central que foi indicado pelo presidente anterior com uma política totalmente diferente favorecendo quem já tem a concentração de recursos,” cita.
Previsões questionáveis
Junto a este desencontro, com as previsões feitas pelo Banco Central que vem sendo questionadas, o setor financeiro e políticos ligados a ele começam a defender que o governo federal não invista em políticas públicas. “Como o Banco Central não é transparente, publicam previsões pessimistas, sem explicar estes dados, e que nada tem a ver como cenário atual que, por exemplo, não tem inflação alta. Com essa manipulação, setores financeiros fazem pressão no governo federal para que não gaste e, inclusive, para que se altere os limites de gastos com saúde e educação. Por outro lado, o governo federal também está amarrado à dívida pública, gastando mais de 600 bilhões, este ano, para o pagamento da mesma,” explica Silva.
Junto com a falta de transparência das previsões e da composição da taxa de juros, lembra Sandro, existe um movimento há anos que debate a necessidade da realização de auditoria sobre as dívidas publicas do Brasil. “Este, inclusive, é um debate que precisa ser feito na sociedade. Temos a associação da Auditoria Cidadã que, se realizada, é possível conhecer a natureza da dívida, sua origem, fatores que influenciaram em seu crescimento, quem se beneficiou do processo e onde foram aplicados os recursos, identificando dívidas ilegítimas ou ilegais,” diz.
Para assistir na íntegra o Programa Quarta Sindical, acesse às quartas feiras, sempre a partir das 11h30, o Facebook e Youtube do Brasil de Fato Paraná.