Rápida, limpa e barata, a magrela é o meio de transporte mais eficaz para distâncias de até 5 km
Por Rogério Viduedo*
Em tempos de eleições municipais, o assunto da primeira coluna do Jornal Bicicleta para o Brasil de Fato não podia ser diferente: fui atrás do que as candidaturas à Prefeitura de São Paulo têm falado sobre uso da bicicleta na cidade. Será que elas têm propostas consistentes para melhorar o deslocamento de trabalhadores fazendo um perfeito mix da magrela com as caminhadas e uso de transporte coletivo?
Juntas, essas três modalidades respondem por 69% do transporte da população da capital de acordo com a última pesquisa Viver em São Paulo, de 2023. O uso de ônibus lidera, com 41%, a caminhada tem 12%, Metrô e Trem 15% e a bicicleta é lanterninha, com 1%.
Trazer o tema aqui é muito importante. Frente às mudanças climáticas, a bicicleta é o meio de transporte mais eficaz para distâncias de até cinco quilômetros. É rápida, limpa, barata e ainda contribui para as finanças do SUS, já que pedalar com frequência reduz doenças do coração e diabetes e ainda bota um sorriso na cara. Há farta evidência científica disponível, não é achismo. Só que uma minoria aqui a vê com esses olhos. Ela está mais para um empecilho do que para uma solução.
Nos últimos sete anos e meio das gestões Dória/Covas/Nunes, a expansão cicloviária paulistana sofreu um imenso revés. A bici ficou impopular tanto por ser sido uma bandeira petista quanto por ser vista como elitista. Defendê-la na cidade ainda carrega os tabus do tipo, "aqui não é Paris ou Amsterdã", "a topografia não é favorável" ou "não vejo ninguém usar a ciclovia", entre outros mitos paulistanos para ignorá-la. Assim, a bicicleta tem sido sistematicamente escanteada do debate da mobilidade na atual gestão.
Uma continuidade de governo, como acontece em Niterói (RJ) e Fortaleza (CE), cidades referências de sucesso em estímulo à bicicleta, faria com que o Plano de Mobilidade Urbana aprovado durante o governo Fernando Haddad (PT) em 2015, que fixava uma expansão de 400 quilômetros de ciclovias a cada quatro anos, não fosse deixado de lado e São Paulo poderia ter agora quase 1,2 mil quilômetros de ciclovias e uma estrutura de apoio ao ciclista com a qualidade de país europeu.
No entanto, temos oficialmente 740 quilômetros de uma infraestrutura ainda concentrada no centro expandido e ainda assim com trechos que sumiram ou não oferecem mais segurança para pedalar. Para ter uma ideia do retrocesso, a contagem de bicicletas em junho de 2024 na ciclovia da avenida Brigadeiro Faria Lima (104 mil) é menor do que na ciclofaixa da avenida Roberto Silveira de Niterói (124 mil).
Voltando às propostas dos prefeituráveis, busquei as três sabatinas com jornalistas do UOL, Rádio Bandeirantes e Band News. Dentre os cinco candidatos melhores colocados nas pesquisas, apenas Guilherme Boulos (Psol) e Tabata Amaral (PSB) abordaram a bicicleta como solução de transporte para o trabalhador ou trabalhadora da periferia. As propostas são semelhantes, pois ambos têm em suas campanhas pessoas especialistas em mobilidade com a mesma visão sobre o tema.
Enquanto Boulos tem Rafael Calabria, ex-coordenador do Idec, Tábata Amaral conta coma a ajuda da cicloativista Renata Falzoni. Com isso, ainda que jornalistas joguem cascas de banana para provocar candidatos perguntando se vão "manter ciclovias subutilizadas" (Marco Sabino, da Rádio Bandeirantes, para Tábata Amaral), tanto ela quanto Boulos revelaram estar na mesma sintonia. Vão aumentar as ciclovias fora do centro expandido e integrá-las ao transporte público, sem esquecer de oferecer local seguro para guardar a bicicleta até a volta. É um bom começo.
Já Ricardo Nunes (MDB), José Luiz Datena (PSDB) e Pablo Marçal (PRTB) não falaram de bicicleta e nem foram perguntados sobre ciclovias. No entanto, todos têm algo muito em comum com Tabata e Boulos. São todos a favor de manter a faixa de motociclistas implantada na atual gestão como solução para "ordenar o trânsito" e combater mortes e lesões viárias.
Ledo engano. Os números da violência do trânsito só aumentaram desde que se adotou tal medida. No primeiro semestre de 2024 foram 213 óbitos de motociclistas na Capital, 43% a mais do que no primeiro semestre de 2023. A cidade caminha para superar as mil mortes de trânsito em um ano, coisa que não acontecia desde 2014.
Esse alerta já chegou na Organização Mundial da Saúde, que criou um grupo técnico específico para acompanhar a tragédia dos óbitos em duas rodas, e que não ocorre só aqui, mas também em outros países de baixa renda, sobretudo na Ásia e África. E é uma lástima que nenhum candidato, mesmo os progressistas, tenha ao menos o cuidado de prometer condicionar a efetivação da faixa de motos a evidências.
Talvez não saibam, mas a faixa de motos não está prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e ainda está em fase avaliação pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) o que, contudo, não impede que venha sendo exportada para outros municípios do País como algo final. Fiquemos de olho.
* Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo e integrante do Programa de Jornalismo de Segurança Viária da Organização Mundial da Saúde. Cobre as áreas de segurança viária a mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo em 2021 com a reportagem, "Cultura da bicicleta se aprende na escola".
** As opiniões contidas neste artigo não representram necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Nicolau Soares