Entrevista

'Consequência mais imediata deveria ser prisão preventiva de Bolsonaro', defende Ivan Valente após revelações da PF

Personagem da luta contra a ditadura, psolista diz que cenário mostra 'escandalização da identidade da extrema direita'

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ivan Valente foi perseguido, preso e torturado pelo regime militar por ser opor à ditadura - Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Após as investigações da Polícia Federal (PF) revelarem que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era figura central da trama golpista que chegou a planejar o assassinato de diferentes autoridades da República, o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) defendeu que o ex-capitão e aliados mais próximos sejam presos para pagar pelos crimes. Bolsonaro e mais 36 pessoas foram indiciadas pela PF na última semana por tentativa de golpe de Estado. O líder de extrema direita também é investigado por abolição do Estado democrático de Direito e organização criminosa.

Despacho dado na terça (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou o relatório da PF para a Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão administrativo do Ministério Público Federal (MPF), ao qual cabe arquivar o caso ou apresentar uma denúncia contra os personagens envolvidos na trama. “Acho que a consequência mais imediata que se deveria ter a partir desse conjunto de informações – não só sobre a tentativa de golpe, e foram várias, mas sobre o planejamento dos assassinatos – era decretar a prisão preventiva do Bolsonaro e pelo menos dos generais Braga Netto e Augusto Heleno, que formariam o gabinete de crise. Insisto para que o Paulo Gonet [procurador-geral da República] denuncie esses três e que o Moraes decrete a prisão preventiva”, defende o parlamentar.

Nome de resistência à ditadura civil-militar no Brasil, Ivan Valente foi perseguido, preso e torturado na época do regime por sua oposição à conduta autoritária dos generais. Anistiado político desde março do ano passado, o psolista se tornou, a partir da década de 1960, uma das principais vozes do campo da esquerda na defesa do sistema democrático. Agora, diante das investigações que miram Bolsonaro e aliados em sua jornada pela desestabilização da democracia, o parlamentar entende que as apurações da polícia mostram o caráter do grupo.


Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente, durante um dos atos em que atacou o STF e a democracia / Nelson Almeida/AFP

“O conjunto de provas é tão substantivo, tão lógico, tão objetivo, que a gente poderia até falar que o roteiro do golpe começa no primeiro dia do governo Bolsonaro. Aliás, começa até antes: começa com o Eduardo Bolsonaro [deputado federal e filho do ex-capitão] falando [em outubro de 2018] que, para fechar o STF, precisaria apenas ‘de um cabo e um soldado e não precisa de jipe’. Então, com o conjunto probatório, com 36 vídeos que agora estão expostos e 884 páginas de conspiração [do relatório], a gente chegou à cúpula militar”, destaca Valente, ao mencionar a gravidade do enredo envolvendo o planejamento do golpe.

“Do alto comando [militar], quase saiu um golpe. Cinco deles eram contrários e três eram radicalmente a favor e os outros estavam numa posição ‘cômoda’, como falou um general, dizendo que eles poderiam aderir. Isso mostra que eles estavam dispostos a tudo e que o Bolsonaro, nos três meses em que ele ficou esperando sair do país, conspirou dia e noite, todo dia, com hacker, com generais do Exército, com reunião da cúpula [envolvendo] Aeronáutica, Exército e Marinha. O da Marinha aderiu ao golpe imediatamente e os outros dois disseram que não dava”, resgata Valente, ao destacar trechos do relatório da PF, cujo siglo foi levantado pelo STF também na terça (26).

“O Bolsonaro manipulou pessoalmente a minuta do golpe, então, não dá pra não dizer que o Bolsonaro não seja o comandante disso tudo. Ele incentivou, insuflou durante os quatro anos do mandato – no dia 7 de Setembro, por exemplo, nos atentados do dia da diplomação do Lula [em 2022], etc. Ele está por trás de tudo. E agora os bolsonaristas estão desesperados e estão criando uma narrativa, culpando o STF, quando, na verdade, a investigação da PF é robusta. Tanto é assim que, mesmo os órgãos de comunicação neoliberais assumiram a versão da PF. Então, o que está faltando é se acelerar o processo. Acho que isso começaria com a prisão preventiva do Bolsonaro”, defende.


Ivan Valente na luta contra a ditadura civil-militar (1964-1985) / Arquivo pessoal

O psolista reforça também a defesa pelas prisões de Augusto Heleno e Braga Netto, que tiveram participação-chave no processo, segundo as apurações da PF. “É preciso tirar esses três de circulação para se começar a inibir isso. E os deputados que defendem o golpe aqui deveriam também ser acionados na Justiça porque quem defende fim do Estado democrático de direito, quem mente na tribuna do Congresso Nacional deveria ser imediatamente denunciado, inclusive preso. Isso não é liberdade de opinião.”

Terreno fértil

Ao olhar pelo retrovisor, Ivan Valente busca na história recente do Brasil e do mundo o que considera ser uma explicação para o cenário que levou Bolsonaro e outros atores a arquitetarem um golpe de Estado. “O que houve no Brasil desde 2013 é a escandalização da identidade da extrema direita, e o Bolsonaro foi o veículo deles. A Lava Jato foi o segundo. Eles se cruzaram quando o Bolsonaro foi candidato e o próprio Moro virou o ministro da Justiça dele”, resgata.

“Então, o que acontece? Houve um avanço da extrema direita, e não foi só aqui. Tivemos o Trump [Nos Estados Unidos] de 2016 a 2020, tivemos o Viktor Orbán, na Hungria, mas você tem também um crescimento da extrema direita na Itália, na França, na Suécia, na Áustria, na Holanda e agora na Argentina, nosso vizinho. O pensamento de direita que se aproxima do fascismo europeu ganhou asas pelo conservadorismo que estava amortecido, pelo ressentimento. Isso tudo gerou o caldo de cultura e o esgoto bolsonarista. Agora, nós não podemos de forma nenhuma aceitar isso. O bolsonarismo precisa voltar pro bueiro e precisamos recompor a sociedade em outros parâmetros de diálogo, como se fez no Uruguai agora”, equipara Valente.


Donald Trump [à esq.] e Bolsonaro viveram aproximação nos últimos anos e tendem a reeditar parceria com a volta do republicano ao poder em 2025 / Alan Santos/PR

Riscos

O psolista sublinha que o Brasil segue sob os riscos ligados à extrema direita. “Eles continuam na briga em 2026. Nós não nos livramos do perigo, por isso a impunidade e a anistia seriam o pior caminho a trilhar porque a extrema direita é insaciável. Então, temos que puni-los exemplarmente, defender a democracia no país e tentar expurgar aos poucos esse manancial de ideias da extrema direita. Isso só vai ser possível se a gente regular as redes sociais porque 40% da sociedade se informam somente pelas mentiras subterrâneas das redes.”

“Bolsonarização do centrão”

O contexto recente da Câmara dos Deputados também é substrato para as explicações que o psolista articula ao mencionar a trama golpista de Bolsonaro. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não se pronunciou publicamente nas últimas semanas diante do atentado provocado pelo homem-bomba Francisco Wanderley Luiz ao STF nem diante das revelações trazidas à tona pela PF a respeito do planejamento do golpe de Estado almejado por Bolsonaro e aliados.


Para Ivan Valente, centrão se remodelou e impõe riscos à democracia / Psol/Divulgação

“É uma vergonha para a nação brasileira que o Lira, chefe de um Poder, não tenha se pronunciado. Estamos falando do planejamento do assassinato de algumas das maiores autoridades do país. É uma vergonha o que Lira faz o Congresso Nacional passar. Mal ou bem, o Rodrigo Pacheco [presidente do Senado] deu alguma declaração, mas Lira faz questão de manter o silêncio. Não se silencia diante de tentativa de golpe de Estado e de assassinato. Ele não abriu a boca”, critica Valente. O psolista realça que a postura do pepista não pode ser dissociada do atual contexto que circunda o centrão, grupo da direita liberal que apoiou a gestão Bolsonaro.

“Lira é acompanhando pelos líderes partidários do centrão e pelos presidentes dos partidos do segmento. Ou seja, pra eles, o que interessa é eleger o próximo presidente. Eles não são capazes de soltarem uma nota condenando um planejamento de golpe de Estado, a violência, o planejamento de um assassinato. Isso fala alto sobre a bolsonarização que houve do centrão. Até dez anos atrás não era esse o perfil. Era um grupo associado à conduta de se apropriar do Estado, mamar nas tetas do Estado, buscar cargos, etc. Agora, não. Eles também se ideologizaram. Não é à toa que o Valdemar Costa Neto [presidente nacional do PL] foi indiciado pela PF. Ele é o típico político do centrão – apoiou o Lula em 2002, por exemplo –, mas hoje veja do que ele é capaz”, ressalta Ivan Valente.

O relatório da Polícia Federal aponta que Valdemar Costa Neto teria atuado “de forma coordenada” para tentar anular o resultado das eleições de 2022 e conservar Jair Bolsonaro no poder à revelia da lei. Ele foi indiciado pelos crimes de associação criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.


 

Edição: Geisa Marques