O controle social é fundamental e queremos sair das ações isoladas e fragmentadas
Mais de quinze anos após a definição da Política Nacional de Saúde da População Negra (PnSiPn), o Brasil ainda enfrenta dificuldades na implementação das ações previstas e no combate ao racismo no Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos gargalos é a falta de monitoramento e acompanhamento das ações.
Para tentar reverter o prejuízo, o Ministério da Saúde anunciou recentemente o pacote de medidas Saúde sem racismo: políticas pela igualdade racial. Entre os mecanismos previstos está a criação do Observatório de Saúde da População Negra (OSPN).
“É fundamental monitorar e avaliar, para garantir, não só a sustentabilidade das políticas, mas para que possamos fortalecê-las”, afirmou a coordenadora do OSPN, Marly Cruz, em conversa no mais recente episódio do podcast Repórter SUS.
Segundo ela, o observatório trará ferramentas para dar visibilidade às ações, identificar boas práticas, apontar desafios e mobilizar a sociedade para a cobrança da efetivação da política.
Sediado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o observatório terá uma plataforma digital gratuita e aberta a toda a população. No site, haverá espaço para iniciativas, pesquisas, diálogos e diagnósticos. A ideia é reunir informações sobre a implementação da PnSiPn.
A ferramenta disponibilizará um painel de indicadores de saúde da população negra, abrangendo dados sobre diferentes sistemas de informação em saúde que incluem o quesito raça/cor.
Além disso, o OSPN reunirá informações sobre trabalhos realizados por organizações da sociedade civil, teses e dissertações sobre saúde da população negra, eventos relacionados ao tema e um panorama das ações dos municípios a partir de um inquérito nacional, com o objetivo de promover o controle social e a cobrança por ações efetivas.
A iniciativa também pretende lançar um selo de boas práticas para reconhecer e estimular municípios que estejam implementando a PNSIPN. Dados de 2019 indicam que menos de 30% dos municípios brasileiros implementaram aspectos da PnSiPn e apenas 3% criaram órgãos de acompanhamento. O desfinanciamento de programas sociais entre 2016 e 2021 agravou o problema.
"O racismo é um mecanismo tão bem arquitetado, que é muito difícil de alcançar e é muito difícil das pessoas perceberem como ele é operado. Um exemplo é esse, 15 anos de uma política que os dados mostram que não está implementada", alerta Marly.
A explicação para a letargia na implementação das ações passa por diversos fatores, entre eles a falta de financiamento e a inércia política. Na lista estão também os obstáculos estruturais que o país enfrenta nas relações federativas: nem sempre o que é definido nacionalmente é implementado municipalmente.
Marly Cruz explica que o observatório trará ferramentas de controle social desse cenário. “Será uma forma de compartilhamento de informação importante para o controle social. Qualquer cidadão poderá identificar o que seu município está fazendo. O controle social é fundamental e queremos sair das ações isoladas e fragmentadas para que, de fato, possamos enxergá-las enquanto políticas públicas.”
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Novos programas são lançados todas as semanas. Ouça aqui os episódios anteriores.
Edição: Martina Medina