Nesta semana, vereador de Juazeiro do Norte, Vinícius Duarte (PSD) compartilhou em seu perfil no Instagram um vídeo, provavelmente feito no carnaval, de uma apresentação com referências à cultura afro-brasileira e às religiões de matriz africana. A legenda do vídeo trazia uma oração com um trecho que dizia: “Retira-te, satanás! Nunca me aconselhe coisas vãs. É mau o que tu me ofereces. Bebes tu mesmo os teus venenos!”. A postagem gerou muitos comentários e acusações de racismo religioso. Diversas mensagens questionavam o vereador sobre sua atuação política e a prática de intolerância religiosa.
Tal atitude fez com que representantes de povos de religiões de matriz africana também se manifestassem sobre a publicação compartilhada pelo vereador. “É inadmissível que, em pleno século XXI, ainda precisemos reafirmar que as religiões de matriz africana fazem parte da identidade cultural e espiritual do povo negro. Não aceitamos que a fé e as manifestações culturais afro-brasileiras sejam criminalizadas ou desrespeitadas”, diz um trecho de nota de repúdio compartilhada pela comunidade religiosa Ilê Axé Oxum Tunji.
Mãe Célia de Oxum, dirigente espiritual do Ilê Axé Oxum Tunji, afirma que discursos como esses são causadores de problemas desde o início da comunicação. Para ela, a falta de políticas de monitoramento de redes sociais – entre outros espaços – criam ambientes propícios à disseminação de intolerância, racismo e perseguição. “No mais, atitudes que buscam criar essa conotação demoníaca às religiões de matriz africana promovem a falsa ideia de um conflito ideológico. Gostaríamos de salientar que o racismo religioso é uma forma de discriminação e intolerância. É uma prática que combina preconceito e racismo estrutural, além de promover a exclusão de povos e a desvalorização da cultura afro-brasileira. Dito isto, atitudes dessa natureza geram os veríssimos elementos de ódio que citei anteriormente”.
Código Penal Brasileiro
O art. 208 do Código Penal Brasileiro, como explica a defensora pública, Jannayna Lima Sales Nobre, diz que é crime “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
De acordo com ela, o termo “racismo religioso” é mais adequado do que “intolerância religiosa” para falar sobre violências sofridas pelo povo de terreiro. “No Brasil, país estruturado pelo racismo, o termo ‘intolerância religiosa’ não é suficiente para descrever as violências sofridas pelas pessoas que cultuam deuses de religiões de matriz africana, povos da rua e outras entidades que não cabem no imaginário ocidental. Nesse sentido, o termo ‘racismo religioso’ parece muito mais adequado para definir uma prática que ameaça a liberdade e a existência dos povos de terreiro há séculos”.
Retratação
Hoje (07), quem acessar o perfil no instagram do vereador não encontrará mais a postagem, pois ela foi retirada. Em seu lugar, Vinícius Duarte publicou uma nota de esclarecimento que diz: “Estou vindo aqui esclarecer uma publicação que fiz nesses últimos dias onde teve um mal entendido por uma parcela da população. Dizer que a Constituição sempre vai vir em primeiro lugar e o Estado é laico. Enquanto político, enquanto cidadão, irei respeitar ela sempre. Tenho a minha religião muito bem definida, sou católico apostólico romano, missionário de uma comunidade, tenho a fé muito bem convicta naquilo que eu acredito. Respeito também as demais religiões. Então, aqueles que quiserem ter a sua crença de maneira diferente da minha, a gente vai respeitar sempre. E o nosso desejo é cada vez mais lutar pelo bem comum para que a nossa população possa desenvolver, e você vai ter a convicção disso através das minhas redes sociais. Quero agradecer as pessoas que entenderam a forma que a gente se expressou, reforçando mais uma vez que não foi no intuito de querer disseminar o ódio, ou querer desenvolver cada vez mais práticas que não agregam na nossa população. Então que Deus abençoe e ‘bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus’”.
Defensoria Pública
Quem for vítima de racismo religioso ou intolerância religiosa pode recorrer à Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPCE) no interior do estado e em Fortaleza, ao Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC).
“Denunciar torna possível que os órgãos de defesa dos Direitos Humanos atuem em prol da população, bem como da garantia dos seus direitos”, explica a Defensora Jannayna. “O papel primordial da defensoria pública não é punir os infratores, mas de educar a população na compreensão e proteção de seus direitos, a fim de que ‘sejam empoderadas a denunciar e que também não ajam motivadas por preconceito e por intolerância’”, afirma a defensora.
Os canais de denúncias são amplos e considerados o primeiro passo para a quebra do ciclo de violação de direitos humanos. Além da Defensoria, é possível acionar o 190 ou a central de Direitos Humanos (Disque 100).
Acompanhamento do caso
Mãe Herlania, do candomblé Quilombaxé, que está atualmente como uma das direções do Comitê Impulsionador em Defesa da Liberdade Religiosa do Cariri, e afirma que o comitê está se reunindo para saber quais os passos legais poderão ser tomados diante do fato.
Já Jannayna Lima informa que até a presente data, a defensoria pública não foi acionada formalmente. “Caso seja acionada por quem se sentiu ofendido, a pessoa poderá procurar a defensoria pública localizada na Av. Pres. Médici, nº631, Lagoa Seca, Juazeiro do Norte, para que as providências legais sejam encaminhadas, bem como o Núcleo de Direitos Humanos localizado na cidade de Fortaleza”.
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