Num contexto marcado por tensões com os Estados Unidos, o governo da presidenta Claudia Sheinbaum, no México, avança na consolidação de reformas constitucionais que buscam fortalecer a “defesa e a soberania nacional”. Na terça-feira (11), a Câmara dos Deputados deu sinal verde para a reforma de dois artigos da Constituição mexicana — os artigos 19 e 40 para proteger o país contra intervenções estrangeiras e, ao mesmo tempo, fortalecer o marco legal para combater o terrorismo e o tráfico ilegal de armas.
Com 417 votos a favor, 36 contra e nenhuma abstenção, o projeto ganhou apoio até mesmo entre setores da oposição. O bloco governista, formado pelo Morena de Sheinbaum, o Partido Trabalhista (PT) e o Partido Verde, votou a favor, assim como os partidos de oposição Partido de Ação Nacional (PAN) e Movimento Cidadão (MC). O único grupo que se opôs foi o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que classificou a reforma como “desnecessária” e “populismo constitucional”.
Durante o debate, Ricardo Monreal, coordenador de Morena na Câmara dos Deputados, afirmou que a medida funcionará como um “escudo” contra qualquer país agressor. “Nenhum estrangeiro atacará nossa nação. Nenhuma autoridade estrangeira poderá interferir nos assuntos internos do país”, garantiu.
Por sua vez, César Damián, deputado do PAN, apoiou a medida, mas a considerou inadequada. “Votaremos a favor porque ninguém pode ser contra a soberania nacional, mas essa reforma é populismo constitucional e politicagem”, explicou.
Por se tratar de uma emenda constitucional, a proposta ainda precisa ser aprovada por pelo menos 17 dos 32 congressos estaduais antes de ser publicada no Diário Oficial da Federação. A expectativa é que isso aconteça nos próximos dias, já que Morena e seus aliados têm maioria em 26 dos congressos estaduais.
Contexto e disputas
O debate ocorre em um momento em que o governo de Donald Trump tem intensificado sua retórica e ações contra o México. Desde que assumiu, os EUA têm ameaçado repetidamente adotar medidas unilaterais, incluindo a possibilidade de incursões em território mexicano sob o pretexto de “combater os cartéis de drogas”.
Nesse contexto, apesar dos avanços do governo mexicano no combate ao narcotráfico, no final de fevereiro o Departamento de Estado classificou seis organizações criminosas mexicanas — o Cartel de Sinaloa, o Jalisco Nova Geração, os Cartéis Unidos, o Cartel do Noroeste, o Cartel do Golfo e a Nova Família Michoacana — como organizações terroristas.
Essa designação tem sido interpretada por diversos setores acadêmicos e políticos como um possível pretexto para justificar a interferência de operações militares e de inteligência dos EUA no México. Diante disso, o governo de Sheinbaum tem afirmado, em várias ocasiões, que, embora compartilhe com os Estados Unidos a luta contra o crime organizado e esteja disposto a coordenar ações, não permitirá violações da soberania nacional.
Ao mesmo tempo, o governo mexicano insiste que a responsabilidade pelo tráfico de armas para grupos criminosos — tanto no México como no resto da América Latina e do Caribe — recai principalmente sobre os Estados Unidos, já que é de lá que vem a maior parte das armas.
Nesse sentido, o governo mexicano entrou recentemente com ação na Suprema Corte dos EUA contra fabricantes de armas estadunidenses, acusando-os de facilitar a venda ilegal de armas para os cartéis de drogas.
O processo, conhecido como Smith & Wesson Brands, Inc. v. United Mexican States, chegou à Suprema Corte dos EUA na terça-feira, 4 de março, e busca responsabilizar sete fabricantes de armas pelo desenvolvimento e comercialização de produtos que acabam nas mãos de grupos criminosos. O México exige US$ 10 bilhões (R$ 57 bi) em indenização por danos.
O que propõem as reformas?
A reforma inclui mudanças significativas nos artigos 19 e 40 da Constituição. No artigo 40, que define os princípios fundamentais da nação, é introduzido como princípio geral que “o povo do México, em nenhuma circunstância, aceitará intervenções, intromissões ou qualquer outro ato estrangeiro que prejudique a integridade, independência e soberania da nação”. Isso inclui golpes de Estado, interferências em processos eleitorais e violações do território nacional por terra, água, mar ou espaço aéreo.
Além disso, proíbe qualquer intervenção estrangeira em investigações ou processos judiciais sem a autorização expressa do Estado mexicano. “Também não será permitida a intervenção em investigações ou processos sem a autorização e colaboração expressa do Estado mexicano, dentro do marco das leis aplicáveis”, diz o texto reformado.
Já o artigo 19 introduz medidas mais duras contra o terrorismo e o tráfico ilegal de armas. A reforma estabelece que os juízes deverão decretar prisão preventiva automática em casos relacionados ao crime de terrorismo. Também determina que serão aplicadas penas mais rigorosas a quem participar da fabricação, distribuição, transporte ou introdução ilegal de armas no território mexicano. No caso de estrangeiros envolvidos nessas atividades, será aplicada a prisão preventiva automática e sanções mais severas.