A força, a sabedoria e o protagonismo das mulheres indígenas ganham as telas da Cinemateca Paulo Amorim, em Porto Alegre (RS), com a estreia do documentário Kunha Karaí e as Narrativas da Terra, que entra em cartaz nesta quinta-feira (17), na Sala Norberto Lubisco, com sessões diárias às 19h, até o dia 23 de abril (exceto na segunda-feira).
A produção, dirigida pela cineasta e pesquisadora Paola Mallmann, reúne histórias de vida e luta de mulheres de diferentes povos originários do Brasil, refletindo sobre espiritualidade, ancestralidade, mudanças climáticas e a proteção dos territórios tradicionais.

Rodado entre 2019 e 2022 em sete estados brasileiros, o filme tem produção independente da Panda Filmes e da Opará Cultural, com recursos do edital Audiovisual Gera Futuro, do Ministério da Cultura. Com distribuição independente, o longa já passou por cidades como Brasília, Manaus, Salvador e Teresópolis, mas sua estreia oficial nos cinemas gaúchos precisou ser adiada por conta das enchentes de maio passado. Agora, finalmente, chega à Capital com a presença da diretora na sessão do dia 22, às 19h.
Um filme como caminhada espiritual e política

Mais do que um documentário, Kunha Karaí é um chamado à escuta. O filme convida o público a entrar em contato com saberes ancestrais, com práticas de cura ligadas à terra e com a força espiritual das mulheres indígenas. “O filme fala muito sobre processos de cura vinculados à consciência da pauta de proteção aos biomas e da defesa dos direitos originários à Terra, como uma causa coletiva, de justiça social e caminho de futuro”, afirma Paola Mallmann em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato RS.
A ideia do projeto surgiu após a realização do curta Nhemonguetá, feito durante o mestrado da diretora e ambientado em aldeias da Região Metropolitana de Porto Alegre. A partir desse mergulho, Paola passou a se aproximar de lideranças femininas como Kerexu Takuá e Nedina Yawanawa, reconhecendo nelas não apenas agentes políticos, mas guardiãs de saberes, sementes, medicinas e memórias.
“Essas kunhãs karaí – mulheres sábias – despertaram em mim o desejo de construir um filme que falasse da ancestralidade viva, presente, e da espiritualidade como força de transformação social. A partir disso, somado a uma vivência no Acre e o contexto político de retrocessos entre 2018 e 2019, o projeto tomou forma”, conta a cineasta.

Encontros marcantes, desafios profundos
Durante o processo de produção, a equipe percorreu terras indígenas, comunidades e biomas de Norte a Sul do Brasil. Três momentos se destacam na memória de Paola. O primeiro, a subida ao Pico do Ibituruna, em Minas Gerais, ao lado de Shirley Djukurnã Krenak, foi, segundo ela, “um momento de transcendência e partilha de sabedoria em plena conexão com a natureza e com a espiritualidade”.
Outro ponto de virada foi a participação na primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, em 2019. “Ali vimos o surgimento de um movimento nacional potente, com mulheres tomando a frente na defesa dos direitos originários e denunciando o Marco Temporal. Foi o start simbólico do nosso filme”, relembra.
Também foi marcante a vivência com a família de Nedina Yawanawa, no Acre, em uma noite de cantos e medicina do rapé. “A espiritualidade da floresta se fez presente, foi um momento de escuta profunda, de entrega, de troca.”
Mas nem tudo foram vivências místicas. O processo de filmagem atravessou o governo Bolsonaro e a pandemia da covid-19, o que impôs barreiras burocráticas, cortes de financiamento e riscos de deslocamento. “Foi muito difícil. Começamos com recursos próprios, na garra, e só depois conseguimos apoio do edital do MinC – que, inclusive, tinha sido extinto naquele momento. Mais recentemente o desafio passou a ser fazer o filme circular, romper a bolha e alcançar o público mais amplo”, afirma Mallmann.
Vozes da Terra, mestras de futuro

Com um elenco formado por mais de 15 mulheres de diversos povos – como Guarani, Krenak, Arara, Shanenawa, Yawanawa e Kubeo –, Kunha Karaí constrói uma tapeçaria de narrativas sobre a relação entre o corpo, o território e o planeta. O filme promove um encontro entre memória oral, cosmologia ameríndia e ação política contemporânea. “Essas mulheres são mestras. Elas nos ensinam sobre a conexão com a natureza, sobre saúde social, sobre democracia e transformação. Estar com elas foi como ter aulas vivas de história, espiritualidade e resistência”, destaca a diretora.
A própria palavra “kunha karaí” carrega múltiplos sentidos, que atravessam diferentes povos e traduções. Em linhas gerais, significa “mulher sábia” ou “mulher espiritual”, e carrega consigo a noção de autoridade afetiva e ética dentro da comunidade.
Para Mallmann, o impacto do filme vai além da tela. “Acredito que essas mulheres nos ajudam a reflorestar nossas mentes e corações. Elas nos convocam a uma escuta mais sensível, a sair do comodismo. Como diz a Shirley Krenak no filme: ‘A gente luta pela sociedade inteira’. Essa luta é coletiva, é pelo amanhã.”
Um convite à escuta e ao reenraizamento
Em tempos de crise climática e ameaças aos direitos originários, Kunha Karaí e as Narrativas da Terra se impõe como uma obra urgente. Mais do que informar, o filme propõe um reencontro com a Terra – como mãe, como casa, como parte de nós. “A sabedoria dos povos indígenas está falando o tempo todo através dos corpos e das histórias de vida dessas mulheres. O filme quer valorizar essas presenças e também dialogar com quem não é indígena. Ele é para a sociedade, é um convite à escuta e ao pertencimento”, conclui Mallmann.
Assista o trailer:
Serviço
O quê: Kunha Karaí e as Narrativas da Terra – documentário
Direção: Paola Mallmann
Onde: Sala Norberto Lubisco – Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736 – térreo da Casa de Cultura Mario Quintana)
Quando: De 17 a 23 de abril (exceto segunda-feira), sempre às 19h
Ingressos:
Terça a quinta: R$ 8,00 (meia) e R$ 16,00 (inteira)
Sexta (feriado), sábado e domingo: R$ 10,00 (meia) e R$ 20,00 (inteira)
Sessão especial com a diretora: 22 de abril (terça-feira)
