A tramitação do projeto de lei que busca anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro pode se voltar contra o próprio bolsonarismo. A avaliação é do cientista político Paulo Niccoli Ramirez, que vê na mobilização em torno do tema uma tentativa arriscada de igualar figuras “irrelevantes” aos mentores da tentativa de golpe. “Pode ser pior para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele tenta usar indivíduos ‘simples’ como tentativa de ofuscar a sua responsabilidade pela tentativa de golpe, mas existe o risco de essa anistia, no fim das contas, colocar todo o enfoque dos meios de comunicação sob a cabeça dele.”
Segundo Ramirez, o discurso bolsonarista tenta nivelar a responsabilização de “pipoqueiros” e “velhinhas” com a de militares e articuladores políticos. “É uma desculpa esfarrapada pra tentar jogar no mesmo cano todos bolsonaristas, inclusive militares e o próprio Bolsonaro. Mas a maior responsabilização deve ser dos mentores, que ainda não foram condenados”, disse, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato.
A movimentação em torno do projeto, para o cientista político, também pode ter vindo da base governista como uma forma de estratégia política. “Uma das possíveis interpretações é que o governo, por se ver pressionado por não ter maioria no Congresso, acabou cedendo para alguns deputados assinarem às cegas esse pedido de urgência para agradar partidos do centrão que compõem o governo.” Outra leitura possível, segundo ele, é que muitas assinaturas queiram “jogar lenha na fogueira”, provocando o debate público e, assim, desgastando a imagem de Bolsonaro: “Diante da criticidade do público, o próprio projeto poderia, em um segundo momento, evaporar.”
Aprovação é improvável, e debate pode isolar Bolsonaro
O projeto de anistia precisa do apoio de dois terços da Câmara – 342 dos 513 deputados – para ser aprovado. “Levando em consideração apenas as assinaturas do pedido de urgência, tenho a impressão de que não seria aprovado”, afirma Ramirez. Ele aposta que, à medida que as investigações avancem e os fatos relacionados à tentativa de golpe voltem à tona, o apoio ao ex-presidente tende a se deteriorar ainda mais. “A tendência é que a imagem de Bolsonaro se manche.”
De acordo com o cientista político, o próprio bolsonarismo pode sair enfraquecido com a intensificação do debate em torno da anistia e a percepção do uso dos apoiadores como “álibi”. “Se isso for levado a público, vai se separar a massa de manobra dos mentores”, diz.
Tema não mobiliza a população e desvia foco de pautas urgentes
A discussão sobre anistia, segundo Ramirez, não tem mobilizado o povo brasileiro. “A população em geral está muito apática em relação à anistia. Houve pouca manifestação tanto contra quanto a favor, o que significa que a população tem outras preocupações, em torno do preço dos alimentos, inflação… Não é assunto nacional, mas dos bolsonaristas”, observa.
Ele também critica o tempo e a energia que o Congresso pode gastar com o tema. “Temos problemas mais importantes, como inflação, tarifações americanas, necessidade de regular indústria verde, teremos COP30, o orçamento dos próximos anos… Isso vai travar o Congresso, serão centenas de discussões, debates que não vão levar a lugar nenhum.”
Direita fragmentada e ausência de lideranças favorecem Lula
Para Ramirez, a direita vive uma “ressaca de lideranças”, sem nomes que concentrem apoio e capital político. “A direita está órfã de líder carismático capaz de concentrar votos e aglomerar apoios”, afirma. Ele acredita que esse cenário também explica por que Bolsonaro pressiona pelo avanço do PL da Anistia: “Ele diz: não tem ninguém que consiga trazer tanto capital político e apoio quanto eu.”
“A tendência é que tenhamos no próximo ano uma fragmentação da direita, com tiros amigos, um atirando no outro, e isso favorece o PT e Lula”, analisa. Mesmo com a aprovação em queda, o presidente segue na liderança. “As últimas pesquisas não têm sido boas pra ninguém. A popularidade de Lula tem caído, mas ainda assim, nas prévias, ele ganha de todo mundo.”