Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a poluição do Rio Melchior foram novamente suspensos, na manhã desta quinta-feira (24), pelo mesmo motivo: a ausência de três dos cinco membros titulares. É a segunda vez consecutiva que 40 requerimentos, dentre eles um convite para prestação de esclarecimentos por parte da Termo Norte Energia, empresa responsável pelo projeto de instalação da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, não são votados na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) por falta de quórum.
Da mesma forma que no encontro passado, realizado no dia 10 de abril, apenas os deputados distritais Paula Belmonte (Cidadania), presidenta da CPI, e Gabriel Magno (PT) compareceram à terceira reunião da comissão. “É um total descaso com a sociedade. Está faltando interesse em uma causa extremamente importante, porque além do meio ambiente, tem a questão da saúde pública. Tem pessoas doentes tomando água contaminada. Os deputados estão virando as costas para a sociedade”, lamentou Newton Vieira, representante do movimento Salve o Rio Melchior.
Todos os parlamentares faltosos justificaram a ausência por questões de saúde. O vice-presidente da CPI, deputado Joaquim Roriz Neto (PL), ainda não compareceu a nenhuma das reuniões da comissão. Segundo a assessoria do parlamentar, Roriz está de licença médica desde quarta-feira (23), até domingo (27).
Já os deputados Daniel Donizet (MDB), relator da CPI, e Rogério Morro da Cruz (PRD) faltaram a duas das três reuniões da comissão. Da Cruz foi internado nesta quarta (23) com pneumonia e tromboembolismo pulmonar. Segundo a assessoria de imprensa do parlamentar, seu “quadro de saúde inspira atenção, porém é estável”.
Donizet está afastado das atividades parlamentares por questões de saúde desde o início do mês. A licença médica do parlamentar foi prorrogada no dia 15 de abril por um período de 15 dias. “O parlamentar segue comprometido com seu trabalho e retornará, em breve, para continuar sua atuação em defesa da causa animal e da população do DF”, afirmou a assessoria em nota.
Em caso de ausência dos membros titulares, quem deve comparecer à comissão são os suplentes. Na CPI do Rio Melchior, os parlamentares que deveriam substituir os deputados ausentes são: Thiago Manzoni (suplente de Roriz), Hermeto (suplente de Donizet) e Martins Machado (suplente de Da Cruz). O Brasil de Fato DF entrou em contato com as assessorias de todos os membros suplentes questionando o motivo da não substituição, mas não obteve resposta.
Próximos passos
A presidenta da CPI criticou duramente a ausência reiterada dos deputados que se comprometeram a participar da comissão. “Temos membros da CPI que nunca apareceram [nas reuniões]. Nós estamos falando de um compromisso com a sociedade. Eu tenho falado de fazer uma CPI propositiva e tem deputados mesquinhos preocupados com protagonismo. É bom as pessoas anotarem os membros da CPI para verem qual é comprometimento com a sociedade”, afirmou Belmonte.
A parlamentar afirmou que enviará um requerimento ao presidente da CLDF, Wellington Luiz (MDB), para que os membros titulares e suplentes que não estão comparecendo às reuniões da CPI sejam substituídos por outros deputados. Além disso, solicitará que os encontros que não avançaram por falta de quórum não sejam consideradas para a contagem do tempo regimental da comissão, que tem um prazo de 180 dias para concluir seus trabalhos, podendo ser prorrogado por mais 90 dias.
De acordo com o Regimento Interno da CLDF, o deputado distrital que não compareça a quatro reuniões consecutivas, perde automaticamente o lugar na CPI, salvo por “motivo de força maior”, que deve ser comunicado, por escrito, à comissão e por ela aceito.
O deputado Gabriel Magno também criticou a repetida falta de quórum e questionou os motivos do “esforço enorme do governo para esvaziar” a comissão. Todos os membros faltantes são de partidos da base do governo.
“Qual o medo do governo do Distrito Federal? Será que tem outros interesses sobre o rio e aquele território que não estão querendo que apareçam para a sociedade?”, observou. “Será que o medo é que essa CPI também entre num debate de desnudar os processos que não estão transparentes da instalação da termoelétrica naquela região? Inclusive, quais interesses comerciais, quais negócios vão ser feitos? Quem vai lucrar com isso?”, questionou o parlamentar.

Na primeira reunião da CPI, única que obteve quórum para votar requerimentos, foram aprovados cinco convites para autoridades de órgãos de regulação e fiscalização ambientais que deverão prestar depoimento na CPI.
Foram convidados o secretário de Meio Ambiente do DF, Gutemberg Gomes; o presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Raimundo da Silva Ribeiro Neto; o subsecretário de Gestão das Águas e Resíduos Sólidos da Secretaria de Meio Ambiente do DF (Sema-DF), Luciano Pereira Miguel; a superintendente de Auditoria, Fiscalização e Monitoramento do Instituto Brasília Ambiental (Ibram/DF), Simone de Moura Rosa, e a superintendente de Licenciamento Ambiental do Ibram, Natália Lima de Araújo Almeida.
A presidenta da CPI convocou nova reunião da comissão para dia 8 de maio, às 11h.
O que a CPI investiga?
O Rio Melchior está localizado entre as regiões administrativas de Samambaia, Ceilândia e Sol Nascente, e deságua no Rio Santo Antônio do Descoberto. Em 2014, águas do Melchior foram classificadas pelo Conselho de Recursos Hídricos do Distrito Federal na categoria mais crítica de contaminação (Classe 4), proibindo qualquer contato humano, atividade de pesca ou irrigação.
A CPI do Rio Melchior foi criada em fevereiro de 2025, após 15 anos de apelos da população e de movimentos ambientalistas, com o objetivo de investigar as causas da contaminação da água do rio, além de apurar a omissão de órgãos fiscalizadores e as empresas envolvidas no despejo de resíduos no local.
“Esse esvaziamento da CPI revela um descaso. Não sei que tipo de blindagem que os deputados querem fazer não compondo quórum para as reuniões, se é blindar as empresas que causaram essa contaminação, ou o próprio governo do DF. Isso é inaceitável”, avaliou John Wurdig, engenheiro ambiental e gerente do Instituto Arayara.
Atualmente, o rio recebe dejetos da rede de esgoto, do aterro sanitário de Brasília e do abatedouro da empresa JBS. Além disso, o Melchior vive sob nova ameaça: a construção de uma usina termelétrica, que utilizará a água do rio para resfriamento do reator e outras atividades.
“O cenário futuro é assustador. Percebemos um descaso dos deputados tanto com as presentes como as futuras gerações dessa região, que sofre tanto com a questão do racismo ambiental. Não bastando um aterro sanitário e as estações de tratamento de afluentes de indústrias com alto potencial poluidor, ainda vem a instalação dessa térmica para colocar em risco essa população, tanto na questão da água como na questão das emissões atmosféricas”, destacou Wurdig.
De acordo com relatório de impactos do Instituto Arayara, a Usina Termelétrica Brasília, projetada pela Termo Norte Energia Ltda, poderá acarretar uma perda diária de 144 mil litros de água do rio Melchior. O documento também aponta que a construção da usina aumentará em 4,7 milhões de toneladas a emissão de gás carbônico. Isso significa a UTE será responsável por dobrar a poluição do setor de energia do DF, que atualmente é de 3,9 milhões de toneladas, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF).
A Adasa emitiu uma outorga prévia que autoriza o uso dos recursos hídricos do Melchior pela usina, decisão criticada pelo Arayara. No documento, ao qual o Brasil de Fato DF teve acesso, o órgão permite à Termo Norte a captação de até 30 litros por segundo, 24 horas por dia. Segundo a outorga, a permissão foi dada com base em dados de vazão do rio de mais de dez anos atrás, presentes no Plano de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do DF (PGIRH/DF) de 2012.