Com a chegada do Dia das Mães, as vitrines se enchem de mensagens sobre amor, gratidão e cuidado. No entanto, longe dos apelos publicitários e das homenagens nas redes sociais, a realidade de muitas mulheres brasileiras passa por um cotidiano exaustivo, marcado pela jornada de trabalho na escala 6×1, ou seja, com seis dias de atividades e apenas um de folga.
Comum em setores como comércio, limpeza urbana, saúde e serviços gerais, esse regime representa uma sobrecarga física e emocional especialmente cruel para as mulheres que também são mães.
“Ter algum tempo de qualidade é o maior desafio. Folgamos aos domingos, às vezes, apenas uma vez por mês. Os sábados são inegociáveis. Somente nas férias isso se torna possível. A ausência com a minha filha é por muito tempo física, e, estando juntas, muitas vezes o cansaço ganha”, relata Ludmila R., que trabalha com vendas em um shopping de Belo Horizonte e prefere não identificar seu sobrenome por medo de represálias.
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Impactos
O impacto da jornada pesada vai muito além do desgaste físico. Segundo a psicóloga Luana Kerolin, o modelo de trabalho esvazia o tempo de convivência familiar e mina o direito à maternidade plena.
“O principal desafio para essas mães é o desequilíbrio entre as demandas do trabalho e o tempo de qualidade com a família. A escala 6×1 compromete a previsibilidade e constância no convívio com os filhos, o que pode gerar um sentimento de ausência, tanto física quanto emocional”, destaca.
Ela lembra que, além disso, o pouco tempo de descanso semanal compromete a recuperação física e emocional da mãe, dificultando o engajamento afetivo com os filhos e o(a) companheiro(a), e impactando diretamente a dinâmica familiar. Para Kerolin, a maternidade, que já exige uma grande entrega, torna-se ainda mais complexa sob uma rotina exaustiva como essa.
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Fator de adoecimento
Jessica R., outra vendedora que prefere não ter o sobrenome identificado, sai de casa às 12h30 e retorna somente às 23h. O longo deslocamento agrava ainda mais os impactos da carga de trabalho. Ela desabafa sobre a dor de não acompanhar o crescimento do filho.
“A pior parte é ficar longe do meu filho. Eu não tenho tempo pra ficar com ele. Quando é o dia da minha folga, eu só quero dormir o dia todo. Meu filho já tem 11 anos, e eu me culpo em trabalhar tanto. Mas se eu não trabalhar, não tem como dar uma qualidade de vida para ele”, afirma.
A psicóloga explica que essa culpa constante não é apenas um sentimento isolado, mas um fator com potencial de adoecimento.
“A sensação constante de não conseguir estar presente para os filhos pode gerar culpa, frustração, baixa autoestima e, em muitos casos, evoluir para quadros de ansiedade, depressão ou burnout materno. A sobrecarga pode afetar o sono, a alimentação e o autocuidado, que são pilares da saúde emocional”.
Kerolin pondera também que é importante compreender que mães não são super-heroínas: são mulheres que também precisam de suporte, descanso e reconhecimento e quando esse suporte não vem, o corpo e a mente cobram.
Alternativas
Mesmo com todos os desafios, Jessica ainda cultiva um desejo que carrega esperança.
“Meu sonho é trabalhar em uma escala 5×2 ou até mesmo 4×3. Eu ia ter tempo de qualidade com meu filho, com minha família.”
A psicóloga reforça que quando uma mãe tem mais tempo com seus filhos e sua família, a qualidade de vida se transforma.
“Ela consegue se conectar de forma mais profunda com os filhos, criar memórias afetivas significativas e fortalecer vínculos emocionais. Além disso, ter tempo para descansar, se cuidar e dividir melhor as responsabilidades domésticas reduz drasticamente o estresse e melhora a saúde mental”, explica.
Ludmila, que hoje mora distante da escola da filha, desabafa ao contar que não poderá comparecer à apresentação do Dia das Mães.
Realidade dura
“Já chorei esta semana e chorei novamente ao responder essa entrevista. Estarei no trabalho no momento da apresentação da escola da minha filha, pois é muito longe para que consiga sair e voltar. Em outras ocasiões, quando morava próximo da escola, conseguia ir e voltar no horário do almoço. Tenho fotos com uniforme do meu trabalho em várias delas”, lamenta.
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O relato de Ludmila escancara o que tantas mães vivem em silêncio. Para Kerolin, é urgente debater políticas públicas que garantam suporte real à maternidade, como creches em horário integral, escalas de trabalho mais humanizadas e redes de cuidado.
“Mães mais presentes, mas também mais cuidadas, tendem a se sentir mais realizadas e emocionalmente equilibradas. Isso reverbera positivamente não só nela, mas em toda a estrutura familiar”, finaliza.