É impossível debater crise climática sem considerar a experiência dos povos e comunidades tradicionais. Essa é a conclusão do debate “O impacto socioambiental dos grandes empreendimentos e das mudanças climáticas nos territórios – As organizações da sociedade civil e a COP30“, realizado na tarde desta terça-feira (13) durante o Festival Abong, promovido pela Associação Brasileira de ONGs (Abong), em São Paulo (SP).
“A gente precisa da agricultura familiar, a gente precisa do movimento sem teto, do movimento sem terra, do movimento negro, dos trabalhadores, do movimento de periferia, todos eles, porque clima é uma agenda de todos e são eles que vão trazer o novo”, diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Na mesa, representantes de comunidades e integrantes de organizações da sociedade civil falaram sobre iniciativas prestigiadas nos debates ambientais, como os projetos de créditos de carbono e sistemas de energia renovável, como parques eólicos e de energia solar.
Esses mecanismos, muitas vezes celebrados por governos e corporações como caminhos para a redução dos impactos da crise climática, podem acrescentar camadas de violência à rotina de ribeirinhos, pescadores, indígenas, mulheres e outros grupos sociais vulneráveis.
“Não é só pegar e botar uma torre”, diz Cristiane Faustino, coordenadora institucional do Instituto Terra Mar. Ela ressalta que a instalação de um parque eólico, além de levar impactos negativos para a rotina de comunidades tradicionais, pode acentuar as diferenças de gênero, com a sobrecarga das mulheres.
“Tem as estradas, que passam pelo território, pode remover pessoas, prejudicar a estrutura das habitações. Tem aumento dos adoecimentos por doenças respiratórias em criança e, na necessidade de fazer o tratamento da casa, a limpeza da casa, isso tem sobrecarga de trabalho. Então, você tem sobrecarga de trabalho, trabalho doméstico”, diz.
“O que é o biocombustível nos nossos territórios? Desmata uma área gigantesca para plantar monocultura, para gerar o biodiesel. Então isso é uma violação”, ressalta Gilvan Souza, do Centro de Estudos em Defesa do Negro do Pará.
Apesar de sofrerem com os impactos desses empreendimentos, muitos grupos se veem afastados dos debates sobre crise climática. A Conferência das Partes (COP), por exemplo, espaço de tomada de decisões de impacto climático, exclui a experiência dessas pessoas.
“Os que a gente tem entendido como, de fato, defensoras do clima, que são, por exemplo, são populações tradicionais, povos indígenas, mulheres negras e que não aparecem e não estão na mesa de debate”, afirma Bárbara Barbosa, coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.
Ela destaca o papel das organizações da sociedade civil como intermediadores do diálogo entre essas populações e os líderes globais. “A gente tem feito ecoar e trazer junto justamente essas pessoas, as populações que são as mais impactadas, pela crise climática”, diz.
O Festival Abong é aberto ao público. A programação segue nesta quarta-feira.
COP é espaço estratégico para eleições
Astrini ressalta que a COP30, que acontece em Belém (PA) em novembro deste ano, será um espaço estratégico no fortalecimento do debate sobre os problemas que impactam os grupos sociais mais vulneráveis. Para isso, haverá manifestação da sociedade civil organizada, já agendada para o dia 15 de novembro, nas ruas da capital paraense.
“Nós precisamos dessa agenda fortalecida para as eleições, porque ela é uma agenda que divide águas. Coloca a extrema direita de um lado e o campo popular e democrático do outro”, diz. Ele defende que a conferência será um momento importante para que as organizações e outros representantes da sociedade civil se mobilizem em preparação para as eleições de 2026, que será essencial na defesa dos valores democráticos.
“A extrema direita não gosta da agenda de clima, porque ela é uma agenda de solidariedade, é uma agenda de inclusão, de pensar no futuro e nada disso cabe no programa deles”, diz.