Celebrando os 10 anos da sua primeira edição, aconteceu em São Paulo, entre os dias 8 e 11 de maio, a 5º Feira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O evento contou com a participação de representações de Minas Gerais. O estado marcou presença com ampla produção cultural e diversas variedades de alimentos saudáveis.
Considerado a maior edição da feira nacional, o evento mobilizou um público estimado de mais 300 mil pessoas, durante os quatro dias.
“O mais legal da feira não é nem vender o produto, mas poder conversar diretamente com as pessoas e contar realmente o que é o MST. É apaixonante e isso nos dá fôlego para continuar a luta”, relatou Ana Claudia Rezende, técnica em agroecologia e dirigente estadual do movimento na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
De Minas Gerais, foram comercializadas em torno de 35 toneladas de alimentos, em mais de 200 variedades, entre produtos in natura e agroindustrializados. A feira teve ainda a participação de 50 feirantes mineiros, das nove cooperativas regionais do MST, além da cooperativa central do movimento, a Cooperativa Camponesa Central (Concentra).
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“Trouxemos uma diversidade enorme de produtos: cachaças, licores, geleias, café, doces, derivados do leite, salaminho, farinhas, polvilho, biscoitos, quitandas e pães. Só da banana temos uma cadeia produtiva enorme, representada aqui na feira pela bananinha, banana frita, banana desidratada e doce de banana”, explica Rezende.
A dirigente do MST também dá destaque para os alimentos frescos: abacaxi, limão, laranja, banana, ovo, abacate, mamão, batata doce e mandioca.
Estiveram presentes, comercializando sua produção e artesanato, membros das regionais Zona da Mata, Triângulo Mineiro, Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, Vale do Rio Doce, RMBH e Sul de Minas.
A diversidade faz frente ao agronegócio
Para Fábio Nunes, membro da direção estadual do MST e presidente da Concentra, a feira representa um enfrentamento direto ao modelo produtivo do agronegócio e a apresentação de um projeto de país.
Segundo ele, é inevitável uma comparação entre o evento e o Agrishow, tradicional feira realizada pelo agronegócio, que acontece em Ribeirão Preto e não discute o tema da soberania alimentar e do combate à fome, se concentrando nos debates sobre exportação e monocultivo.
“A produção do agronegócio são 10 tipos de produtos, em grande escala, para exportação, e, aqui, você tem uma diversidade muito maior. Só de Minas Gerais são 200 tipos de produtos diferentes que alimentam o povo”, enfatiza Nunes.
Para ele, o principal é poder mostrar à sociedade a diversidade de alimentos, o modo de produção sustentável do MST e a importância da reforma agrária para a democratização do acesso à terra.
“É preciso que o governo paute e coloque na ordem do dia a distribuição das terras no Brasil. Estamos aqui mostrando a força da produção de alimentos, em contraponto ao agronegócio, que só produz para a exportação”, pontua o presidente da Concentra.
Da mesma forma, Dandara d’Araçá, também da direção estadual do MST, chama a atenção para a conexão entre a produção agroecológica e a cultura na proposição de um novo rumo para o país.
“Estamos mostrando com a feira, nessa dimensão cultural, um projeto de país, um projeto de reforma agrária popular para matar a fome, para produzir comida, para construir outras relações com a natureza, de trabalho e entre os seres humanos”, afirma.
Diálogo com a sociedade
O evento foi ainda uma arena de diálogo com a sociedade. Com o lema Agroecologia: produzir alimentos e enfrentar a crise climática, a atividade fomentou o debate em torno de temas como o respeito ao meio ambiente, vida digna aos trabalhadores e trabalhadoras, produção de alimentos saudáveis e combate à fome. É o que explica Ana Cláudia Rezende.
“Queremos vender, mas queremos conversar com o povo. As pessoas perguntam de onde vem os produtos e queremos mostrar realmente o que somos, como são as nossas áreas e o quão bonito é transformar um pasto em uma produção agroecológica. Transformar a produção e o solo é fantástico”, disse a dirigente do MST.
Em consonância, Fábio Nunes evidencia a boa aceitação da população paulistana, que recebeu com alegria os produtos, as histórias e as pessoas, que se deslocaram de todos os cantos do Brasil para o Parque da Água Branca, onde aconteceu a feira.
“É contagiante poder encontrar com o povo trabalhador de São Paulo e dialogar sobre a produção de alimentos, sobre alimentação saudável. Cada produto tem muitas histórias de vida por trás, são muitas mãos construindo a reforma agrária, a cooperação e a agroecologia. Esse diálogo também tem sido fundamental para nós podermos contar a história do produto até chegar na mesa de quem precisa e de quem consome”, explica.
Doação de alimentos
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 70% dos alimentos que suprem as famílias são provenientes da agricultura familiar. Em um país que, mesmo sendo o maior produtor de comida do planeta, há ao menos 8 milhões de pessoas passando fome, de acordo com os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), o debate é urgente.
“Um relato que ouvimos muito é sobre os preços abusivos de alimentos em São Paulo. Os trabalhadores e trabalhadoras que estiveram na feira destacaram o preço acessível dos alimentos e como conseguimos estar aqui com preço justo, para o produtor e para a população. Dando conta ainda de doar alimentos”, destaca Rezende.
Além da comercialização, o MST realizou a doação de 40 toneladas de alimentos a entidades que atuam no combate à fome na capital paulista. Destes, mais de uma tonelada veio do estado de Minas Gerais, como explica a dirigente estadual pela RMBH.
“Não foram só produtos excedentes. A gente fez o ato de solidariedade no início da feira, com alimentos que já estavam separados para esse fim. Mandamos produtos agroindustrializados e in natura, entendendo a importância de que o produto tenha um tempo de prateleira longo para chegar realmente a quem precisa”, ressaltou Rezende.
A cultura dos Sem Terra mineiros
Mas nem só de alimentos saudáveis e solidariedade se construiu a feira. A cultura mineira também esteve em peso. Passaram pelo palco arena, o principal do festival Por Terra, Arte e Pão, que compôs a programação do evento, artistas renomados em nosso estado, como Djonga, FBC e o baiano-mineiro Xangai, que cantaram em apoio à reforma agrária popular.
Para Dandara d’Araçá, a cultura e a arte representam um eixo muito importante do projeto de reforma agrária popular e da própria feira.
“A arte é uma dimensão central, na medida em que é muito humanizadora, em especial a possibilidade de produzir arte. A cultura é um modo de cultivar humanidade, outros valores, outras relações e outras belezas. É a dimensão sensível da nossa luta”, comenta.
“A feira como um todo é uma ação cultural, já que a reforma agrária popular é um projeto cultural do MST para a sociedade. Compreendemos a cultura como modo de vida, produção humana na relação com seu meio, a cultura como trabalho”, continua.
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Ao longo de todos os dias, no chão da feira e nos palcos, os Sem Terra mineiros expuseram sua arte e encantaram.
O cortejo da frente musical João do Vale, composta por músicos de várias regiões, incluindo diversos nativos de Minas Gerais, acordou a feira pelas manhãs. O bloco Pisa Ligeiro, que se utiliza das enxadas como instrumentos de percussão, animou o público. O grupo Mina Flor resgatou ritmos populares, como o coco, e brilhou no palco Terra, assim como o violeiro Zé Pinto.
Dandara d’Araçá pontua a importância da construção de uma cultura Sem Terra diversa e conectada às raízes camponesas, que só pode existir a partir de um princípio de participação verdadeira, defendido e aplicado pelo MST.
“Toda cultura que emerge de um território organizado pela luta, é uma cultura de luta. E, como procuramos construir nos nossos territórios outros modos de vida, vai emanando dali uma cultura que passa por esses eixos. A nossa produção artística é profundamente coletiva e solidária”, finaliza.