“Se este fosse meu último poema, rebelde e triste, surrado, mas inteiro, eu escreveria apenas uma palavra: companheiro.” Com a voz embargada, Maurício Rosencof prestou sua última homenagem ao amigo Pepe Mujica, com o qual lutou contra a ditadura militar uruguaia, foi preso e torturado.
A cerimônia de encerramento do velório, que durou mais de 24 horas, ocorreu por volta das 17h dessa quinta-feira (15), logo após os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Gabriel Boric, do Chile, se despedirem de Mujica.
Centenas de pessoas ainda aguardavam a saída do caixão do Palácio Legislativo. Nas escadarias, Mario Carrero, Eduardo Larbanois e Numa Moraes cantaram os versos da música A don José, de Rubén Lena, junto à multidão emocionada.
Seguindo o desejo de Mujica, ele foi cremado e as cinzas voltarão para a chácara em que vivia, em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu. Elas serão enterradas sob a árvore em que também está sua cadela Manuela.

Segundo as autoridades uruguaias, mais de 40 mil pessoas compareceram ao cortejo e ao primeiro dia de velório. Nessa quinta-feira (15), foram mais de 22 mil pessoas. Além disso, o cordão humano que acompanhou a procissão fúnebre foi composto por 300 pessoas.
Na manhã de quarta-feira (15), o cortejo começou na sede da Presidência uruguaia, onde Yamandú Orsi colocou a bandeira nacional sobre o caixão de Mujica.
O governo uruguaio decretou um luto nacional por três dias, de 14 a 16 de maio, com bandeiras a meio mastro em todas as repartições do Estado, tanto no Uruguai quanto no exterior, e em honras fúnebres.
“Uma pessoa como Pepe Mujica não morre”

Com lágrimas nos olhos, o presidente Lula faz um breve pronunciamento à imprensa. “Foram 25 horas de voo até aqui para prestar uma homenagem a um político que eu não respeito apenas como político. O Pepe Mujica é mais do que isso. É um ser humano muito, muito especial.”
Lula ressaltou ainda que uma pessoa como o ex-presidente não morre. “Se foi o corpo dele, mas ficam as ideias que Pepe plantou em todos esses anos.” Também lembrou de sua generosidade, e que mesmo passando 14 anos no cárcere saiu para a liberdade sem nenhum ódio das pessoas que o aprisionaram, das pessoas que o torturaram. “Isso é uma dádiva de Deus que só é concedida a seres humanos superiores. E o Pepe Mujica é um ser humano superior.”
O presidente destacou que está muito triste, pois nos últimos 15 dias o mundo teve duas perdas irreparáveis. “O Papa Francisco que era um ser humano muito especial, com uma concepção humana muito grande e uma generosidade acima da média da humanidade. E agora o Pepe Mujica o acompanha. Eu espero que os dois juntos, onde eles estiverem no céu, não deixem de olhar e abençoar para que a humanidade seja melhor, mais fraterna, mais generosa e que a política possa ser feita de forma mais digna, mais respeitosa e mais solidária.”
Mujica, um farol em tempos de névoa
Em um dos artigos mais bonitos sobre a partida de Mujica, o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía afirma que não se despede de alguém como Pepe com lágrimas apenas – despede-se com promessas. “Promessa de seguir inquieto, de não aceitar a injustiça como destino, de não negociar os sonhos por conforto. Que seu exemplo nos carregue adiante, como um vento morno a empurrar as velas de quem ainda crê na travessia. Obrigado, Pepe Mujica, por ter sido farol em tempos de névoa. A humanidade te abraça – não no fim, mas no eterno que carregas contigo.”

Assim como Baía, o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSul), do Campus Santana do Livramento, Eliézer de Santos Oliveira defende que a principal homenagem a Mujica é continuar sendo os seus braços, as suas pernas, a sua boca e as suas mãos na construção do mundo que ele tanto sonhou e tanto queria ver em vida. “Ele não pode colher todos esses frutos, mas a vida é assim, uns plantam, outros regam, outros colhem e hoje nós estamos aqui colhendo muito do que ele plantou, mas sobretudo regando e cultivando tudo aquilo que ainda está para nascer.”

Eliézer acompanhou uma comitiva do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de Santana do Livramento, que foi ao velório levar a homenagem de todo o movimento a Mujica. Em um gesto simbólico e místico, os dirigentes do MST Ari Muller e Catarina Kovalick entregaram a Lucía Topolansky a bandeira e o boné do movimento.
Segundo Kovalick, Lucía recebeu as simbologias com emoção. “Com os olhos marejados e a voz firme, nos disse com doçura e força: ‘Pepe amava vocês!’”
A assentada afirma que foi gratificante. “A gente sai com a certeza que Pepe está presente. E que nós temos essa semente que ele plantou e que vamos tocar, fazer germinar.”