Na noite dessa quinta-feira (15), a Ponte de Pedra, no centro de Porto Alegre (RS), foi tomada por flores, velas e vozes em defesa da vida das mulheres. A Vigília Pela Vida das Mulheres reuniu ativistas, parlamentares, coletivos feministas e representantes de entidades da sociedade civil para lembrar das vítimas de feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio e cobrar respostas concretas do poder público.
O ato aconteceu em meio a um cenário alarmante: de janeiro até agora, 33 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul, segundo dados da Lupa Feminista. Seis desses feminicídios ocorreram em um único dia, durante a Sexta-feira da Paixão, no mês de abril.
“A mobilização dos movimentos sociais é muito importante para dar luz a um problema crônico, que se reforça pela ineficiência do Estado”, afirma Maria Eduarda Carneiro, conhecida como Duda Carneiro, integrante da Força-Tarefa de Combate ao Feminicídio, da Assembleia Legislativa do RS. Segundo ela, silenciar diante dessa violência contribui para sua subnotificação.
“Essas velas são mais que um símbolo. É um chamado para que a sociedade pressione o governo por mais políticas públicas, como a volta da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SEPM). O feminicídio é o ápice da violência, mas ela começa muito antes”, ressalta.

“Estamos há algum tempo nessa caminhada e este ato, especificamente, é sobre os feminicídios que aconteceram no feriadão de Páscoa. E temos outra questão urgente que é a volta da Secretaria das Mulheres, extinta desde 2015. Então, estamos juntas em todas as manifestações pela vida das mulheres”, destaca Milene Bordini, da Frente Nacional de Mulheres na Política.
A vereadora de Porto Alegre Graziela Oliveira (Psol) reforçou a gravidade da situação: “Estamos vivendo uma epidemia de feminicídios. É fundamental estarmos mobilizadas, tanto em memória das mulheres que já se foram quanto pelas que estão lutando para viver. Queremos políticas com orçamento, a volta da Secretaria das Mulheres e o direito à vida com dignidade”.
Parlamentares cobram volta de secretaria
A vereadora Juliana Souza (PT) reforçou a cobrança por políticas estruturais: “Estamos mais uma vez gritando pela vida das mulheres. Ontem, na Câmara de Vereadores, aprovamos por unanimidade uma moção de apoio à recriação da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres . Aqui, as mulheres reivindicam políticas públicas que enfrentem a cultura misógina e garantam proteção, atendimento, geração de renda, autonomia financeira. É fundamental que o Estado execute os recursos para a Casa da Mulher Brasileira e faça adesão ao pacto Feminicídio Zero”.
Uma moção de recomendação proposta pela deputada e procuradora especial da Mulher na Assembleia Legislativa, Bruna Rodrigues (PCdoB), conseguiu a adesão de 48 deputados estaduais, inclusive da base do governo. A ação foi impulsionada após a escalada de feminicídio no estado.
“Enquanto os feminicídios avançam no Rio Grande do Sul, o governo estadual reduz o orçamento para as mulheres a níveis vergonhosos. De R$ 19 milhões que eram investidos em 2014, quando existia a Secretaria de Políticas para as Mulheres, o orçamento despencou para R$ 3 milhões em 2024 e 2025. Em 2020, chegou a ser de apenas R$ 27 mil”, expõe Rodrigues.
Para a deputada, se não há uma pasta que realmente consiga organizar um orçamento para proteger a vida das mulheres, não há políticas públicas efetivas. “Estamos falando de ter uma secretaria que obriga que se pense estratégias públicas de uma nova constituição de sociedade para se viver com mais segurança, com menos medo de morrer puramente por ser mulher. A retomada da secretaria vai mostrar se realmente o governo de Eduardo Leite vai passar a ter estratégia para proteger a vida das mulheres.”

Para Iene Silva da Conceição, assessora da ONG Themis, Gênero, Justiça e Direitos Humanos, o número crescente de assassinatos mostra um problema estrutural. “Chegar a esse número em tão pouco tempo revela uma crise de governança. O governo precisa olhar com seriedade para essas políticas.”
A jornalista e militante feminista Télia Negrão lembrou que as mortes são resultado direto de um Estado omisso e de uma sociedade ainda marcada por uma cultura patriarcal violenta. “Esse número de mortes é uma mortandade. É o retrato de uma sociedade que tem profundo descaso pela vida das mulheres. Os governos não oferecem as políticas necessárias para prevenir essas mortes. As mulheres estão no abandono, e vivemos num tempo em que o ódio foi armado.”
Em memória das vítimas
Télia também destacou que a vigília é uma forma de dignificar a memória das vítimas. “É uma homenagem às mulheres que foram assassinadas. Elas deixaram filhos, famílias, comunidades. E o que fica é a marca da injustiça, porque morreram por serem mulheres, numa sociedade que permite isso. Quando todo mundo falha, Estado, sociedade e homens, o que sobra para nós é resistir.”
Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, Fabiane Dutra destacou o caráter simbólico e afetivo da mobilização. “A gente tá aqui nesse ato simbólico para homenagear a vida dessas mulheres, porque a vida delas importa. Importa para quem ficou, para as famílias, filhos, filhas, mães e para nós, militantes, que também sofremos com essas perdas. A gente luta, luta, e parece que nunca vai vencer esse mal que é o machismo, que é o sistema patriarcal que nos oprime, que nos trata como descartável. Hoje a gente veio se fortalecer, se abraçar, buscar força para não desistir.”
O que diz o governo
Em matéria publicada pelo Brasil de Fato RS no dia 6 de maio, o governo do estado detalhou políticas públicas e medidas que o vem desenvolvendo para combater a violência contra as mulheres, assim como a questão de investimento. Entre as ações, cita o programa Monitoramento do Agressor, lançado em 2023 pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). O projeto monitora agressores por meio de uma tornozeleira eletrônica e fornece às vítimas um celular com sinal de GPS e contato de emergência com os operadores do monitoramento.
Neste projeto, o agressor que receber a medida judicial para o monitoramento não pode se aproximar a uma distância mínima definida na Medida Protetiva de Urgência (MPU). O projeto é uma iniciativa do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – EmFrente, Mulher, que reúne órgão do governo do estado, do Ministério Público, do Judiciário e da sociedade civil.
De acordo com o executivo, atualmente, são monitorados 300 agressores. Até o final do ano passado, 325 vítimas já tinham sido atendidas pelo programa. Seis meses após a colocação da primeira tornozeleira, o estado encerrou 2023 com redução de 21,6% no índice de feminicídio na comparação com o ano anterior – em Porto Alegre, a queda atingiu 75%. Em 2024, a redução chegou a 15% em relação a 2023. Ainda em 2024, o RS registrou queda em todos os índices relacionados a feminicídios monitorados pela Polícia Civil.
