A morte de Larissa Barros Máximo Torres, de 22 anos, após um acidente durante uma corrida de mototáxi por aplicativo em São Paulo, é resultado de uma junção de fatores: ausência de regulamentação, negligência estatal e atuação agressiva de plataformas digitais no transporte urbano. Para o geógrafo e especialista em mobilidade Rafael Calabria, ouvido pelo Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o caso é reflexo de um “cenário de abandono”, em que empresas como Uber e 99 operam sob lógica de lucro extremo, enquanto o poder público falha em garantir segurança viária.
“As empresas de transporte estão numa ação agressiva, ambiciosa, de impor a atividade delas com condições de trabalho muito precárias para o trabalhador”, afirma Calabria, que já integrou a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé). Segundo ele, a combinação de motoristas sobrecarregados, infraestrutura deficiente e fiscalização ineficiente tem gerado riscos cotidianos a passageiros e trabalhadores do setor.
A judicialização do debate, com uma nova decisão de suspensão do serviço em São Paulo nesta segunda-feira (26), expõe o vácuo de política pública. Calabria aponta que “o governo [do prefeito Ricardo] Nunes e outras cidades não têm sequer debatido regras ambiciosas” para o serviço, e que a regulamentação não pode se resumir a taxas ou autorizações, mas precisa incluir medidas efetivas de segurança e transparência. “O cenário está de bastante abandono ainda e é de muita desregulamentação”, resume.
O especialista também questiona a estratégia das plataformas de subsidiar corridas com valores simbólicos ou mesmo zerados, criando artificialmente a demanda em bairros periféricos, onde o transporte coletivo segue em colapso. “O problema central da questão é o transporte coletivo. As motos não conseguem transportar a demanda que o transporte coletivo consegue”, afirma, ao reivindicar o retorno de uma frota maior de ônibus na capital paulista.
Para ele, o papel do governo federal é decisivo, especialmente no que se refere à legislação trabalhista e às ferramentas de controle dos algoritmos. O projeto de lei (PL 2479/2025) apresentado na última quinta-feira (22) pelo deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) é citado como um passo importante, que precisa ser articulado com ações municipais mais robustas. A proposta determina um valor mínimo de remuneração para serviços de trabalhadores de plataformas digitais de entregas e mototaxistas, estabelece regras de transparência e cria obrigação de seguro de acidentes.
A nova decisão da Justiça de São Paulo de suspender os serviços de mototáxi prestados por aplicativos ocorreu dois dias após o acidente que resultou na morte de Larissa Torres, no último sábado (24). A jovem era passageira de um mototáxi da 99 quando foi atingida pela porta de um carro, aberta de forma imprudente por um ocupante. O impacto arremessou Torres e o condutor da moto para a pista, onde ela foi atropelada por outro veículo.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), instalou, na noite desta segunda (26), uma faixa onde uma passageira do serviço de mototáxi da empresa 99 veio a óbito após um acidente de trânsito.
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