Um projeto que acaba com a reeleição para cargos do Executivo e altera o tempo de mandatos eleitorais, tem avançado no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) e relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, em sessão na quarta-feira (21). A votação foi simbólica, revelando uma convergência entre governistas e opositores sobre a matéria.
“Foi um malefício à administração pública no Brasil a introdução da reeleição, completamente contrária a toda nossa tradição republicana. Eu acho que está mais do que na hora de nós colocarmos fim a este mal”, declarou o relator.
O projeto propõe acabar com a reeleição a partir de 2028 para prefeitos e de 2030 para presidente e governadores. Já a partir de 2034, todas as eleições aconteceriam em uma só data para prefeitos, vereadores, deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores, presidente e vice-presidente da República.

Maurício Palma é doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UNB) e estudioso do constitucionalismo latino-americano. Para ele, a análise do tema deve buscar se afastar do senso comum e das leituras simplistas, havendo, no instituto da reeleição, elementos positivos e negativos que devem ser colocados na mesma balança.
“Em geral, boa parte da ciência política documenta em eleições, principalmente municipais, a eficácia da reeleição para políticas públicas. O governante do primeiro mandato quer se reeleger e para ele se reeleger, ele tem que fazer uma boa administração e ele tem que fazer uma administração com responsabilidade. É esse ganho que teve no primeiro mandato para possibilitar a própria reeleição. Nos municípios, principalmente, mas também nos governos estaduais, isso fez com que houvesse uma necessidade muito grande de boa administração por parte do Executivo, principalmente”, destaca o constitucionalista.
Por outro lado, ressalta Palma, “é uma realidade também documentada a questão da supressão de novas lideranças. Isso é algo também documentado, e eu acho que é algo presente”. “A questão é que a política não é algo pessoal. A gente não tá aqui pensando o que é melhor, o que é pior para determinadas pessoas, nem para determinadas novas lideranças. A gente tem que avaliar o que é melhor e o que se provou melhor com o passar dos anos”, avalia o jurista.
Palma destaca que o dispositivo aprovado no texto da PEC, que unifica as eleições para todos os mandatos eletivos nos três níveis da federação, pode levar à invisibilização do debate municipalista, que envolve temas que incidem diretamente no cotidiano das cidades.
“Os prefeitos, os bons políticos que querem ser prefeitos, vão se sentir desestimulados a serem prefeitos. Porque eles vão estar na mão dos deputados federais. Essa é a questão. A questão não é a reeleição, a questão é o grande poder que o legislativo tem hoje em função das emendas parlamentares, do jeito que são, e isso muito pouco vai mudar em relação à reeleição. Quero dizer que me parece só uma tentativa ilusória de mudança, quando na verdade, é mudar as coisas para continuar exatamente tudo como está”, argumenta o jurista.
Além dos problemas mencionados, o especialista em Direito Constitucional destaca a impertinência do debate, diante das urgências que estão colocadas para o Legislativo. “A discussão que a gente precisava estar fazendo é a mudança das emendas legislativas. Estamos falando tanto de um instituto super importante [a reeleição], sendo decidido a toque de caixa no Congresso Nacional, e não estão focando no mais importante.”
A PEC propõe ainda a padronização do tempo de mandato para todas os cargos eletivos em 5 anos, incluindo senadores, que hoje são eleitos para mandatos de 8 anos. Esse último ponto desagrada alguns parlamentares, inclusive ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que articula alterar a proposta para garantir um mandato de 10 anos para os representantes da câmara alta do Congresso.
História
A possibilidade de reeleição não existia na Constituição de 1988 e só foi inserida em 1997, sob a Presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em meio a denúncias de compra de votos de parlamentares para a aprovação da PEC. O caso chegou a ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mas os deputados envolvidos renunciaram e o caso acabou sem responsabilização. Na sessão que aprovou a PEC do Fim da Reeleição na CCJ do Senado, no dia 21 de maio, o senador Otto Alencar (PSD-BA), base do governo, lembrou o caso.
“A pressão, que foi muito grande, inclusive levou à prisão de deputados federais. Não dá para esquecer o simbólico Ronivon Santiago, que foi preso em flagrante com recurso recebido para votar em favor da reeleição”, disse o Senador, que citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por haver feito um “mea culpa” após apoiar e articular a aprovação da medida.

“Aquele que mais lutou pela reeleição foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e ele fez mea culpa numa declaração dizendo que: dos males que ele fez ao Brasil, um deles foi ter feito naquele momento a gestão para fazer a reeleição. Quer dizer, aquele que foi beneficiado pela reeleição hoje faz mea culpa, dizendo que foi um dos erros ter cometido naquele momento”, declarou Alencar.
Como funciona em outros países?
A maioria dos países que permite a reeleição estabelece um limite para tanto. Entre os que possuem mandatos de 4 anos, estão Estados Unidos, Argentina e Irã, por exemplo, que estipulam a possibilidade de reeleição apenas uma vez. No caso dos Estados Unidos, a Constituição menciona que o cidadão não poderá ocupar o cargo de presidente por mais de duas vezes. Ou seja, mesmo que não sejam consecutivos, os ocupantes da Casa Branca estão limitados apenas a dois mandatos.
Nos demais casos, de forma intercalada, é possível haver mais de dois mandatos. O Chile é uma exceção entre esses, já que tem mandato de 4 anos e não permite reeleição. No entanto, o sistema chileno não limita a quantidade de mandatos, desde que de forma intercalada.
França, África do Sul e Portugal têm mandatos presidenciais de 5 anos, com a possibilidade de apenas uma reeleição. Na Venezuela e na Bolívia, o mandato também é de 5 anos, sem limite de reeleições consecutivas. O mesmo período é definido na constituição do Uruguai para o cargo de presidente, sem a possibilidade de reeleição.
Já no México, o mandato é de 6 anos, mas a constituição mexicana veda totalmente a possibilidade de reeleição, e estabelece que cada cidadão só poderá exercer o cargo de presidente por uma única vez, ainda que o tenha ocupado de forma interina.

Para Palma, embora seja importante olhar para as inovações dos sistemas políticos de outros países, os modelos não são comparáveis, por razões históricas. “A questão é que não existe o modelo ideal de um desenho constitucional, não existe nenhum modelo ideal”, avalia o jurista.
“Os países que não têm a reeleição tem uma história própria. E não é um defeito do sistema deles não ter uma reeleição. Eles têm uma história própria. E essa história deve ser analisada de forma científica, de forma isenta, de forma estudada, de forma debatida com a comunidade pública”, destaca Palma.