O primeiro dia do 11° Fórum Parlamentar do Brics, que acontece no Congresso Nacional, em Brasília, foi dedicado à reunião de Mulheres Parlamentares do Brics e ao encontro dos Presidentes das Comissões de Relações Exteriores dos Parlamentos do bloco, com a realização de três sessões de trabalho em cada atividade.
Nesta terça-feira (3), as mulheres parlamentares discutiram a proteção de direitos e a inclusão feminina na economia digital, o papel delas no enfrentamento à emergência climática e a participação feminina na agenda política do Brics.
“Os parlamentos do Brics têm uma grande diversidade. Alguns deles têm representação paritária acima de 30% de sua representação. E nós, aqui na Câmara, mesmo diante da maior bancada feminina da história da Câmara, temos uma representação com um pouco mais de 18%. Isso se contrasta quando a gente fala que da produção legislativa da Casa, as parlamentares aqui hoje são responsáveis por mais de 40% da produção legislativa”, afirmou a deputada Jack Rocha (PT-ES), coordenadora da bancada feminina da Câmara dos Deputados.
Já a senadora Dorinha Seabra (União-GO) disse esperar que o documento final da reunião contemple de fato as discussões realizadas pelas mulheres neste primeiro dia de sessões. “Eu penso que o Brasil tem a oportunidade de como, sede do Brics, estabelecer e construir um documento que seja diferente do último documento, que mencionou por seis vezes as mulheres e quatro vezes genericamente, ignorando totalmente a nossa representação, a nossa força. Não tem como construir uma democracia sem dar importância real para nós mulheres. E aí vai passar pelo debate da inteligência artificial, da representação política, da ocupação no mundo, da economia”, destacou.
Menos guerra, mais cuidado com o planeta
Durante sua participação na reunião intitulada “Fortalecendo Mulheres para Enfrentar a Crise Climática”, a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) apresentou uma proposta de destinação de 5% dos orçamentos militares dos países do bloco para ações voltadas à justiça climática e de gênero.
O pedido da deputada foi encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e à presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como Banco dos Brics, a ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Segundo a parlamentar, “a iniciativa busca mobilizar investimentos concretos e estratégicos para ações climáticas com foco na proteção das mulheres, especialmente as do Sul Global”.
“Se os países do Brics redirecionarem apenas 5% dos seus gastos militares, poderemos mobilizar cerca de 34,7 bilhões de dólares por ano para proteger o planeta e garantir um futuro às nossas meninas”, afirmou a parlamentar. “Essa proposta é um chamado à vida. Enquanto bilhões são investidos em armamentos, a crise climática já provoca desastres, migrações forçadas e fome. É hora de escolher entre a guerra e a vida.”
A deputada indígena também cobrou coerência do Congresso Nacional brasileiro, que, segundo ela, “afirma defender a sustentabilidade, mas aprova projetos que enfraquecem o licenciamento ambiental e tentam sustar decretos de reconhecimento de terras indígenas”. “Não é possível dizer que se está ao lado do meio ambiente votando contra os povos que protegem a biodiversidade. Precisamos de responsabilidade com o presente e compromisso com o futuro”, disse.
A deputada também se referiu à aprovação recente no Senado Federal do projeto de lei 2159/2021, conhecido como o PL da Devastação, que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no Brasil. “Embora nós sejamos de países diferentes, de continentes diferentes, de lutas diferentes, nós compartilhamos o mesmo planeta”, afirmou, durante a sessão.
“O Brasil pode perder em torno equivalente ao estado do Paraná, com mais de 11 milhões de habitantes. Se aprovar o projeto que está prestes a ser aprovado nessa casa, que é conhecido como projeto da devastação. O dinheiro pode evitar a morte de uma mata, de uma floresta, mas o dinheiro não traz uma floresta, um rio de volta”, ressaltou a parlamentar.
Ainda sobre a emergência climática, parlamentares de outros países discursaram em defesa de uma maior participação das mulheres na agência política do Brics. “Nossa reunião aqui sublinha nossa firme convicção de que as mudanças climáticas representam uma drástica ameaça, exigindo uma abordagem enraizada na justiça e na equidade, em relação à justiça climática e uma transição justa para a adaptação. Essa abordagem deve considerar as especificidades sociais e econômicas de cada país e de cada grupo, especialmente as mulheres”, declarou.
Já a representante da Duma Estatal da Federação Russa, Roza Chemeris, destacou a importância de ampliar a participação das mulheres nos espaços de decisão sobre a pauta climática. “Sem dúvida as mulheres desempenham um papel vital na educação das gerações futuras para que atuem de maneira responsável em relação à proteção ambiental e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. No entanto, é ingênuo assumir que as mulheres ou homens sozinhos podem resolver os problemas globais, que exigem ações coletivas e esforços para promover o papel das mulheres, especificamente nessa área”, disse a parlamentar.
Em sessão paralela, os representantes das comissões de Relações Exteriores debateram o fortalecimento do comércio entre os países do grupo, a promoção de investimentos e transferência de tecnologia para o desenvolvimento sustentável e os instrumentos financeiros do bloco.
O evento
O 11º Fórum Parlamentar do Brics reúne delegações de 15 países, entre os 20 que compõem o bloco. A reunião, que vai até a próxima quinta-feira (5), precede a cúpula de chefes de Estado, marcada para os dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.
Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã são membros permanentes do bloco. Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão são países parceiros.
Juntos, os países do Brics representam 48,5% da população mundial, com participação de 39% na economia global. O comércio do Brasil com o Brics totalizou 210 bilhões de dólares em 2024. O bloco representou 36% das exportações do Brasil e 34% das importações no ano passado.
O vexame
Às vésperas da viagem oficial do presidente Lula à França, o deputado Fausto Pinato (PP-SP), que é um dos coordenadores do Fórum Parlamentar do Brics, fez críticas aos governos europeus sobre exigências em matéria ambiental para o estabelecimento de acordos comerciais com o bloco, e defendeu o PL da Devastação aprovado pelo Senado.
“É muito bonito ficar discutindo em francês, a esquerda chique lá da Europa, e falar que temos que preservar, que fazemos isso ou aquilo, tomando vinho caro”, disse o deputado.
Em outro deslize, o deputado, membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como a “Bancada do Boi”, criticou Cuba, que é um dos membros parceiros do Brics. “Do que adianta a esquerda falar de Cuba. Mas em Cuba, o pessoal passando fome, se prostituindo, não é exemplo de nenhum desenvolvimento”, afirmou o parlamentar de direita.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Embaixada de Cuba no Brasil e aguarda um posicionamento. Tão logo o receba, será publicado.
Mulheres nos parlamentos
Segundo dados da União Interparlamentar (UIP) e da ONU Mulheres, a média global de participação feminina nos parlamentos é de 27,2%. Entre os países do Brics, apenas Emirados Árabes Unidos (50%), África do Sul (44,5%) e Etiópia (35,8%) superam essa média.
O Brasil ocupa a 133ª colocação nesse ranking global, com apenas 18,1% de deputadas mulheres na Câmara dos Deputados, ou seja, 93 deputadas federais e 19,8% no Senado Federal totalizando apenas 16 mulheres. Sobre esse aspecto, a deputada Jack Rocha advogou pelo estabelecimento de cotas para superar a desigualdade de representação no parlamento.
“Acredito que aqui no Brasil chegou o momento da gente pautar a reserva de cadeiras aqui na Câmara e a gente precisa amadurecer esse tema para fortalecer ainda mais não só a participação das mulheres na política, mas também fortalecer a produção legislativa para um Brasil mais igualitário”, defendeu.