Um dos principais problemas da inflação da Venezuela nos últimos anos é o câmbio. Quando o dólar tem uma alta expressiva frente ao bolívar -a moeda venezuelana- o poder de compra cai e as pessoas correm para comprar a moeda estadunidense. Mas esse fenômeno tem no dólar paralelo um fator importante e os principais agentes de controle do câmbio informal são os sites que operam a cotação da moeda no mercado ilegal.
A operação é simples. As páginas que fazem a cotação do dólar paralelo atualizam todo dia o valor da moeda estadunidense tendo como base os interesses dos operadores. Se os operadores entendem que há uma “desconfiança” no mercado venezuelano e uma maior incerteza sobre a economia do país, sobem o valor do dólar. Isso leva a uma pressão sobre o valor oficial, já que a população corre para comprar os dólares no mercado ilegal.
Esse movimento leva a um ciclo de descontrole cambial. Se em 2023 e 2024 tanto o valor do dólar oficial, quanto o do dólar paralelo estavam estáveis, em 2025 o câmbio informal teve alta expressiva. Para se ter uma ideia, no ano passado a diferença entre o câmbio oficial e o cambio ilegal se manteve entre 5 e 12%. Já no começo deste ano esse patamar já chegou a 40%.
Se no ano passado o dólar oficial valia 36 bolívares, em 2025 a moeda estadunidense é negociada no mercado formal a 96 bolívares. Já no mercado paralelo, a moeda estadunidense hoje é vendida a 140 bolívares. Essa pressão sobre o câmbio oficial parte de páginas controladas por interesses políticos.
O pesquisador em economia Arles Gomes afirma que esses grupos estão ligados a empresários e setores da direita que se posicionam contra o governo de Nicolás Maduro.
“O que acontece na Venezuela é que o dólar paralelo não responde a nenhuma variável econômica, mas a variáveis políticas. As páginas que publicam o preço do dólar paralelo não têm nenhuma casa de câmbio, não compram e não vendem nenhum dólar na Venezuela. Mas elas se acham no direito de publicar quanto vale o dólar. Cada vez que convém aos setores políticos que estão por trás dessas páginas, ocorre um aumento do dólar paralelo para exercer pressão política”, afirma.
O dólar paralelo é usado em transações na rua, fora do comércio formal. No entanto, apesar do alto uso da moeda estadunidense na Venezuela, o bloqueio e as sanções fazem com que seja difícil acessar ao dólar no país. Por isso, muitas pessoas que vendem dólar acabam usando a cotação paralela, já que é mais vantajosa para quem tem a moeda estadunidense.
Arles Gomes explica que quem controla esse tipo de cotação ganha duas vezes, já que faz uma pressão política forte e ainda tem ganhos econômicos.
“O dólar paralelo se torna real quando um importador, um comerciante, uma empresa grande, o usa para fixar preços. Cada vez que convém aos que têm o controle sobre o poder econômico na Venezuela, eles vão subir os preços também. Então eles ganham dos dois lados. Porque ganham politicamente ao causar um enorme dano político ao governo, e economicamente porque, em sua maioria, eles controlam os meios de produção também”, disse.
Essa instabilidade ficou ainda mais clara depois das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024, que deram a vitória a Nicolás Maduro. Entre a divulgação do resultado e a posse em 10 de janeiro, as páginas começaram a subir de forma gradual o preço do dólar e aceleraram a desvalorização do bolívar a partir do início do terceiro mandato do chavista. Tudo isso justificado com uma “incerteza sobre a política”.
Medidas do governo
Para combater essa escalada do dólar paralelo e a pressão que exerce sobre o câmbio oficial, o presidente Nicolás Maduro usou três ferramentas. Primeiro, convocou os diretores do Banco Central do país e os ministros ligados à economia para discutir o assunto. Ele propôs um olhar para o mercado cambial a partir da tecnologia e do controle das atividades dessas páginas de maneira digital.
Depois, promoveu uma injeção de dólares no mercado de câmbio. Somente em maio, o Banco Central da Venezuela colocou US$ 400 milhões como parte de uma política de intervenção. Esse é o maior valor que o BCV despejou no mercado em 2025, 29% a mais do que no mês anterior.
Por último, o ministério da Justiça e o Ministério Público realizaram uma série de operações para prender operadores dessas páginas. Ao todo, foram 25 detidos acusados de construírem uma rede de “terrorismo financeiro” para manipular o preço do dólar paralelo. Eles eram gestores de comunidade, administradores, programadores, operadores de carteira eletrônica, destinatários de pagamentos e operadores e estavam vinculados a plataformas como Monitor Dólar Venezuela, BilleteraP2P, DolarMonitoreo, Cambios La Victoria, Tu Cambio Ideal, CambiosSRYA e AlCambio.Vzla.
Essas páginas passaram por um “apagão” no final de maio por conta das operações policiais e pararam de publicar a cotação do dólar paralelo. Um deles é Carlos Andrés Pérez Abreu, criador e gestor de diversas contas. O Ministério Público divulgou uma foto de sua prisão.
Ele é acusado de “terrorismo, lavagem de dinheiro, aquisição ilícita, ofertas enganosas e conspiração criminosa”. Segundo o procurador-geral, Tarek William Saab, Pérez Abreu “realizou publicações falsas, aumentando exorbitantemente o preço do dólar, em violação à taxa de câmbio estabelecida pelo BCV”, e que seu objetivo era “desestabilizar a economia”.
O fechamento de plataformas e aplicativos ligados à cotação no mercado ilegal também foi vinculado à extrema direita no país. Mesmo sem apresentar provas, o ministro do Interior, Justiça e Paz, Diosdado Cabello, disse que as investigações indicam que grupos liderados pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado financiaram essas páginas.
Problemas para os venezuelanos
Para a população, o uso desse tipo de cotação tem um impacto negativo para o poder de compra, já que os salários estão fixados. Se o câmbio dispara, os preços sobem e a população, rapidamente, perde o poder de compra.
Arles Gomes afirma que essa é uma das principais causas do aumento da desigualdade social na Venezuela e que a saída é o combate a atuação desses operadores.
“Essa diferença entre quem produz inflação e quem sofre com ela gera desigualdade social. E essa desigualdade gera pobreza, o que gera mal-estar social e problemas associados à pobreza: criminalidade, violência, subdesenvolvimento, atraso… Então o que o Estado pode fazer? Eu sou dos que pensam que a solução passa por não tentar perseguir o dólar paralelo. Não tentar igualar o preço do oficial com o paralelo, mas por impedir que os agentes econômicos da Venezuela utilizem como marcador de preços”, afirmou.