Moradores da Favela do Moinho, a última remanescente do centro de São Paulo, receberam uma comitiva do governo federal nesta terça-feira (10) para tirar dúvidas e apresentar demandas sobre o acordo que, junto com o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), deve realocar as cerca de 900 famílias. Representantes do governo estadual não compareceram.
Firmado em 15 de maio, o acordo prevê o subsídio de R$ 250 mil por família para que deixem o terreno e comprem uma nova moradia. O governo Lula (PT) aportará R$ 180 mil por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e o governo Tarcísio, R$ 80 mil. Um auxílio moradia para famílias que terão de esperar o imóvel ficar pronto será de R$ 1.200. Duas portarias detalhando o acordo serão publicadas nos próximos dias.
O acordo foi arrancado depois da repercussão negativa de mais um episódio de violência policial contra a comunidade, no último 13 de maio. Antes disso, os residentes do Moinho estavam sendo coagidos a aceitar uma proposta do governo Tarcísio de sair com um auxílio de R$ 800 e de pagar pela nova moradia com parcelas de 20% de seus salários por 30 anos.
A comoção diante da repressão da Polícia Militar e a mobilização comunitária pressionaram o governo federal – proprietário do terreno que será cedido gratuitamente à gestão estadual – a mudar de posição e se implicar no plano de remoção.
Nesta terça estiveram no Moinho Izadora Brito, da Secretaria Geral da Presidência; Amanda Alves, do Ministério das Cidades; Malu Rodrigues, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; Celso Carvalho, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em São Paulo, além de três servidores da Caixa Econômica Federal.

Foi feita uma reunião com a associação de moradores e, em seguida, uma assembleia na quadra da comunidade. Os representantes do governo, no entanto, fizeram uma breve saudação na conversa geral e se retiraram.
Como fica o acordo
Para ter acesso ao benefício, os residentes do Moinho precisam ter os dados atualizados no CadÚnico, o cadastro do governo federal para programas sociais. Terão também de apresentar o RG e o CPF digitalizados para a Caixa.
Depois disso, será feita uma análise para determinar se as famílias se enquadram nas condicionantes do programa. Entre elas, não ter outro imóvel, não receber outro benefício habitacional do governo federal e ter uma renda mensal de até R$ 4,7 mil. Se a pessoa recebe bolsa família, BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou algum outro benefício, isso não é computado como parte da renda. A lista com o nome das famílias enquadradas será publicada pela Caixa Econômica Federal.
As pessoas enquadradas terão, a partir daí, um ano para encontrar uma nova unidade habitacional, acertar sua documentação e fechar o contrato. Para isso, poderão ir até qualquer agência da Caixa para decidir junto com o correspondente bancário (uma espécie de corretor do banco) qual imóvel poderá ser adquirido.
A casa a ser comprada pode estar pronta, em obras ou na planta, ser apresentada pela Caixa, pela CDHU ou apontada pelo próprio morador. É possível também comprar um imóvel em leilão. É necessário, no entanto, que seja dentro do estado de São Paulo.
Dificuldade de ficar no centro
Famílias não poderão juntar duas cartas de crédito para adquirir um imóvel de R$ 500 mil. Também não será permitido escolher uma casa mais cara que R$ 250 mil e completar o valor do próprio bolso ou com recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).
“No centro de São Paulo, com R$ 250 mil você compra uma kitnet ou um estúdio. A gente entende que isso não atende a maioria das famílias”, ressalta Yasmim Flores, da associação de moradores. “Mas a gente vai continuar lutando para tentar mudar isso. Ou que ofereçam lugares que possam atender as famílias no centro. Para que as pessoas possam continuar no seu território”, defende.
Durante a reunião, a associação questionou sobre a possibilidade de outros terrenos da União no centro da capital paulista serem destinados às famílias. O superintendente da SPU em São Paulo, Celso Carvalho, explicou que a União tem uma lista de 788 unidades em construção, em projeto ou terminadas na região central e que devem ser passadas para a Caixa. Os imóveis, no entanto, são pequenos.
“A União também tem alguns terrenos no centro. Eles não estão livres ainda. Podem ser destinados para programa habitacional, mas este processo deve demorar. Mais de dois anos. Apesar de existir essa possibilidade teórica, não dá no tempo que a gente está falando”, afirmou Carvalho.
O não apagamento do Moinho
Para Yasmim, um dos pontos principais da reunião foi saber que não há um prazo definido para a saída da favela. “Porque a CDHU e o governo do Estado falam para a gente que temos que sair até agosto. E o governo federal deixou bem claro que não temos tempo limite para sair da área”, atesta.
No local onde, entre os trilhos do trem, está há cerca de 30 anos a Favela do Moinho, a gestão Tarcísio pretende construir um parque. Entre as demandas que a associação de moradores quer que o governo federal coloque como condição para a cessão da área está a construção de um memorial da favela.
Os grandes silos pixados no meio da comunidade, herança de quando ali funcionava um moinho industrial, devem ficar intactos, na avaliação dos residentes.
“Quando minha filha me perguntar: ‘mamãe, de onde eu vim?’ Eu vou responder: você veio de uma comunidade de resistência, de pessoas que resolveram lutar pela suas vidas e moradias dignas. Se derrubar o silo, que significa o moinho, o nome da favela é Moinho por causa disso, aí vai ser um apagamento histórico imenso”, argumenta Yasmim: “ A gente quer deixar o nosso pedacinho para dizer ó, eu vim dali, foi ali que eu cresci, ali que eu fui resistente, ali que eu aprendi a ser quem eu sou”.