Uma multidão imensa com dezenas de milhares pessoas lotou, nesta quarta-feira (18), a emblemática Praça de Maio para demonstrar apoio à ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner. A convocação superou todas as expectativas dos organizadores. Vindos de diferentes partes do país, desde cedo pela manhã, os manifestantes foram primeiro até a residência da ex-mandatária – onde ela cumpre prisão domiciliar desde ontem, no bairro de Constitución, em Buenos Aires – para depois seguir em marcha até o coração do poder político da capital argentina.
Entre os gritos da multidão que entoava “¡Vamos a volver!” (“Vamos voltar!”), e de forma surpreendente para a maioria dos presentes, foi transmitida pelos alto-falantes do palco uma mensagem gravada de aproximadamente oito minutos, na qual Kirchner foi a única oradora do ato.
“Estou firme e tranquila. Só que, com proibição de sair na sacada… Meu Deus, que palhaçada!”, ironizou, fazendo referência à medida judicial que a impede de se dirigir pessoalmente a seus apoiadores.
Visivelmente emocionada, agradeceu as manifestações de carinho e a mobilização massiva: “Obrigada de coração. O que mais gostei foi de ouvir vocês cantando de novo ‘vamos voltar’. Fazia muito tempo que eu não ouvia. Gosto porque isso revela uma vontade: a de voltar a ter um país onde as crianças possam comer quatro vezes ao dia, onde a escola dê livros, computadores; onde os trabalhadores consigam chegar ao fim do mês e ainda guardar um dinheirinho para comprar um carrinho, uma casinha, um terreninho… algo que seja deles, conquistado com o esforço do trabalho. Os aposentados tinham remédios”.
“Esse país não foi uma utopia, nós vivemos isso por doze anos e meio. E mais: deixamos o país sem dívidas”, afirmou.
Em referência às políticas antipovo do governo de Javier Milei, Cristina reiterou que o modelo econômico atual não se diferencia daquele implementado pela última ditadura civico-militar (1976–1983), nem daquele que o neoliberalismo impôs nos anos 1990. Previu que, assim como aconteceu com essas experiências anteriores, esse governo também não vai se sustentar.
“O pior é que o verdadeiro poder econômico sabe que esse modelo não tem futuro, sabe que vai cair. E é por isso que estou presa. Mas tem uma coisa que todos precisam entender – inclusive eles, os do poder econômico: podem me prender, mas não vão conseguir prender todo o povo argentino. Quem está com medo não somos nós. São eles”, afirmou com firmeza.
Ministro picareta
Ela também criticou duramente o ministro da Economia: “Esse Caputo, completamente sem condições, aluga dólares para fingir que tem reservas. Não existe picareta maior. E o pior é que o verdadeiro poder econômico sabe que esse modelo não tem futuro, sabe que vai cair. É por isso que estou presa”, repetiu.
Ao longo de sua fala, Cristina mencionou ainda a decisão da Suprema Corte que confirmou sua condenação e a inabilitação para ocupar cargos públicos, relacionando o caso a um sistema judicial que, segundo ela, serve aos interesses dos grupos econômicos mais concentrados.
O ato reuniu figuras de destaque do peronismo, muitas delas presentes no palco. Estavam lá o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o ex-candidato à presidência Sergio Massa, além de lideranças sindicais e políticas de peso dentro do movimento.
Durante seu discurso, a ex-presidenta convocou a reorganização do campo nacional e popular: “É preciso se organizar para esclarecer qual é o verdadeiro problema do nosso país – que nada mais é do que um modelo econômico onde poucos se enriquecem e o resto fica com o rosto colado no vidro, olhando de fora”.
‘Vamos voltar’
Já no encerramento, Fernández de Kirchner apelou à memória coletiva e ao sentimento patriótico: “Chegou a hora de mostrar que vamos defender a democracia com as mesmas ferramentas com que a construímos. Sem violência, mas com coragem. Com um amor profundo por essa pátria que tantas vezes tentaram dobrar”.
“O povo argentino já mostrou que sabe se organizar, sabe lutar e sabe voltar. Não tenho bola de cristal, mas sei de uma coisa: já passei por quase tudo nesta vida. Vivi o exemplo e o enorme – e terrível – sacrifício de Néstor, com tudo que nos custou construir aquela década vitoriosa. Sobrevivi a uma tentativa de assassinato. Aguentei esse processo judicial absurdo, que termina com a mesma corrupção de sempre.”
Entre aplausos, palavras de ordem e abraços emocionados, encerrou seu discurso afirmando: “Vamos voltar. E vamos voltar com mais sabedoria, com mais unidade, com mais força. Porque temos algo que eles jamais vão ter – e nem todo o dinheiro do mundo pode comprar: temos povo, temos memória, temos história e temos pátria”.