A região conhecida por concentrar a Cracolândia, no centro de São Paulo (SP), amanheceu vazia no dia 13 de maio. Desde então, movimentos, ativistas e políticos buscam, sem colaboração do Estado, compreender a dispersão repentina e investigar a veracidade de notícias de que grupos estariam sendo levados para pontos afastados da capital. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), que à época se disse “surpreso” com o esvaziamento, afirmou nesta quarta (18) que as imagens de câmeras de vigilância haviam sido apagadas.
As imagens foram solicitadas por determinação da Justiça de São Paulo. Segundo o documento, a prefeitura da capital paulista deveria preservar dados das câmeras de vigilância do sistema Smart Sampa para apurar o caso. No entanto, a prefeitura afirma que, seguindo os protocolos do próprio sistema e as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), as gravações foram excluídas.
“Com relação às imagens, nós temos o nosso protocolo de que depois de trinta dias essas imagens são apagadas”, declarou Nunes. “Não se tem dos últimos 30 dias porque o prazo que chegou [a decisão judicial], chegou no dia 13 [de junho], preservamos o dia 14 do mês anterior. Então não temos dos últimos 30 dias porque, até por uma questão de LGPD, essas imagens não ficam armazenadas”, afirmou o prefeito.
A vereadora de oposição na Câmara Luna Zarattini (PT) classificou como “revoltante” a notícia de que as imagens foram deletadas. “Ricardo Nunes faz tanto marketing com o Smart Sampa, mas diante de uma questão humanitária tão séria para a nossa cidade, temos uma falha no sistema fortalecendo suspeitas de que o Poder Público agiu deliberadamente pelo espalhamento dos usuários”, disse a parlamentar ao Brasil de Fato.
Em 21 de maio, a vereadora e o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) acionaram o Ministério Público de São Paulo para apurar o paradeiro dos usuários de drogas que ficavam na região. “Moradores do Jardim Tremembé, na zona norte da capital, relataram o repentino aumento da presença de usuários na região, alguns deles portando notas de R$ 100, indicando que foram pagos para se deslocarem. Em Guarulhos, a prefeitura local instaurou apuração para investigar a chegada de pessoas transportadas pela gestão paulistana sem qualquer articulação prévia”, diz um trecho da ação dos petistas.
Agora, Zarattini afirma que “o Prefeito Ricardo Nunes com o governador Tarcísio de Freitas dizem que a chamada ‘cracolândia’ acabou, mas, na verdade, houve um espalhamento pela cidade. Isto se deu com truculência e violações como destacaram comerciantes da região e usuários da cena”, afirmou a vereadora.
“Isso interessa a quem?”
O cientista social Alan Carvalho, que é membro da coordenação ampliada do Fórum de Assistência Social de São Paulo e do Fórum Estadual de Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), questiona a quem interessa esse “protocolo” adotado pela gestão Nunes.
“Esse monte de câmera na cidade a esse custo elevadíssimo. O efeito desejado delas, que é ter as imagens para apurar crimes, acaba desaparecendo sempre que essa apuração se volta contra as próprias autoridades, sejam de segurança pública, sejam de quem está comandando a segurança pública”, avalia.
Carvalho associa a persistência do problema da Cracolândia em São Paulo à falta de soluções eficazes a governos de direita e extrema direita que, ao longo de três décadas, adotaram abordagens violentas e higienistas, focadas na “limpeza social”, em vez de intervenções multidisciplinares, com raríssimas exceções.
“Infelizmente tudo que São Paulo tem oferecido, com governos de direita e de extrema direita, é mais do mesmo. De forma mais violenta, de forma mais dissimulada, de forma mais absurda, higienista, é uma faxina social o que está imperando. O que eles têm a oferecer para essa população é tiro, bala, bomba e botina. Então nada vai ser resolvido dessa forma”, afirma o especialista, agregando que, para ele, a política atende ainda a interesses imobiliários de setores com vínculos poderosos com a administração da capital paulista.
Para Carvalho, a manutenção do “problema Cracolândia”, obedece à lógica de subserviência, sem qualquer medida emancipatória direcionada a essa população. “Não interessa a eles uma política pública emancipatória e que promova a autonomia de seus usuários, porque eles precisam do clientelismo, da subalternização, do favor e da ajuda para colocar o cidadão numa posição de subserviência e de até, em certa medida, ignorância. É uma ignorância forçada, porque é através do medo da opressão, da violência, da cassação de direitos que eles se mantém no poder”, afirma.
“Nunca é demais lembrar: são pessoas, são seres humanos excluídos, sucessivamente, de todos os seus direitos sociais e econômicos e até políticos, estão são vítimas dessa situação”, completa o cientista social.
*Matéria atualizada em 19 de junho, às 17h38, para inclusão de entrevista com a vereadora Luna Zarattini (PT).