Os prefeitos brasileiros, a maioria de direita, que estavam em Israel no início do conflito com o Irã, viajaram ao país do Oriente Médio para a Muni Expo, uma feira organizada pela Federação das Autoridades Locais de Israel para vender armas e tecnologia de segurança. A programação, no entanto, indicou que o evento era somente uma parte do roteiro da viagem, que envolvia um lobby para divulgar a versão israelense sobre o genocídio de palestinos na Faixa de Gaza.
De acordo com uma cópia da programação da viagem à qual o site dce notícias Intercept Brasil teve acesso, estava previsto o encontro “Trauma, resiliência e caminhos para a reabilitação física e humana”, com familiares e vítimas do atentado de 7 de outubro, quando o Hamas, um grupo político-militar palestino invadiu o território israelense.
“O evento será realizado sob o lema ‘Bússola Local’ e discutirá as direções que Israel tomará nos próximos anos para promover o crescimento compartilhado e a esperança em cada um de nós como cidadãos, como comunidade e como nação”, diz a descrição do evento no documento enviado aos prefeitos, de acordo com a apuração do The Intercept Brasil (TIB).
Na Muni Expo, estaria presente a Reshef Security, que fornece soluções de segurança para os postos de controle israelenses em Jerusalém e na Cisjordânia. “Esta é uma excelente oportunidade para se expor a novos conteúdos inovadores, aprofundar relações e conhecer de perto o que move o setor”, diz um post da empresa divulgando o evento no LinkedIn.
Os prefeitos deixaram Israel na última segunda-feira (16), e a Muni Expo começaria no dia seguinte, mas foi frustrada devido ao conflito entre Israel e Irã. A viagem foi financiada pela Mashav, agência israelense de cooperação internacional, em parceria com o Instituto Internacional de Liderança, entidade ligada a uma federação que representa trabalhadores israelenses.
A comitiva brasileira incluiu 11 políticos, incluindo Álvaro Damião (União Brasil), prefeito de Belo Horizonte; Cícero Lucena (PP), prefeito de João Pessoa; Jhonny Maycon (PL), prefeito de Nova Friburgo; Gilson Chagas, secretário de Segurança de Niterói; e as vice-prefeitas Claudia Lira, de Goiânia, e Janete Aparecida (Avante), de Divinópolis.
Para Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o CESeC, e da Rede de Observatórios da Segurança Pública, “a ida de prefeitos para conhecer como Israel usa suas tecnologias para lidar com os palestinos tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza é muito sintomático de um movimento já muito bem conhecido em que políticos brasileiros visitam Israel para conhecer essas tecnologias”, disse ao TIB.
Segundo o pesquisador, Israel tem se consolidado como um exportador de tecnologias, inclusive aquelas amplamente questionadas, que encontram um mercado próspero no Brasil, especialmente durante governos de direita e extrema direita.
Um levantamento publicado pelo Brasil de Fato mostrou que, por exemplo, desde 2023, o primeiro ano de mandato do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), São Paulo (SP) gastou R$ 37,3 milhões em contratos com três empresas de Israel especializadas em produtos para segurança pública.
Com a Meprolight, que trabalha com a mira de armas, a Polícia Militar (PM) comprou cerca de 6,1 mil unidades para auxiliar na pontaria de armas de fogo em dois contratos que somam R$ 13.309.052,30. Com a Israel Weapons Industries (IWI), uma das mais antigas de Israel no setor bélico, foram adquiridos 22 fuzis e seis metralhadoras no valor de R$ 6.584.233,20.
O maior montante foi repassado à Cellebrite, que produz softwares de espionagem e monitoramento digital, de recuperação de dados apagados de dispositivos e de reconhecimento facial. No total, foram R$ 17.413.328,60 em pelo menos cinco contratos.
Dois deles são do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que comprou um software para o desbloqueio de dispositivos computacionais portáteis com sistemas operacionais Android e IOS no valor de R$ 4.995.975,00. O órgão também contratou serviços de suporte técnico de hardware e renovação e suporte técnico de software por 36 meses para laboratório forense pelo montante de R$ 427.767,69.
Já o Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol) adquiriu equipamentos e softwares para compor solução integrada de investigação forense digital a ser utilizada pelo Laboratório de Análises de Crimes Eletrônicos por R$ 10,29 milhões. Por fim, o governo estadual tem dois contratos com a Cellebrite para serviços prestados à Prodesp, empresa de tecnologia da informação do estado. Um deles é para a modernização do Laboratório de Forense Digital, no total de R$ 453.931,89, e outro para a aquisição de ferramentas forense, pelo montante de R$ 437.328,07.