O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados transformaram a Avenida Paulista, no centro de São Paulo, na tarde deste domingo (29), em um espetáculo pirotécnico onde ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedidos de anistia aos golpistas de 8 de janeiro e exaltações a Israel e Donald Trump dividiram o mesmo palanque.
Unidos pela lógica difusa do bolsonarismo, os temas serviram a um mesmo propósito: sinalizar, tanto aos eleitores do ex-presidente quanto às autoridades brasileiras, que há uma resposta nacional e internacional em curso para tentar recolocá-lo na disputa eleitoral de 2026. A narrativa ignora a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tornou Bolsonaro inelegível até 2030, e passa por cima das provas do julgamento no Supremo, cada vez mais próximo de uma possível condenação criminal.
A expectativa é que Bolsonaro e os outros sete réus sejam condenados até o fim do ano pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado, com penas que podem variar de 20 a 26 anos de cadeia.
Na Avenida Paulista, no entanto, Bolsonaro e seus aliados tentaram desenhar outra realidade. O momento mais elaborado pela organização foi quando o próprio Bolsonaro tomou o microfone. Durante o discurso, as falas mais inflamadas eram acompanhadas por uma ambientação sonora que reforçava o caráter performático do ato, numa tentativa de criar uma atmosfera de ameaça ou redenção.
Ignorando as acusações que enfrenta, o ex-presidente evocou Deus, pátria e liberdade para reforçar a narrativa de que há uma conspiração institucional para impedi-lo de retornar ao poder. “Golpe de Estado com idosos, com mulheres, com mães, com bandeira nas costas, com a Bíblia embaixo do braço? O golpe se dá com Forças Armadas, com armamento, com o núcleo financeiro, com o núcleo político, com apoio de instituições, inclusive fora do Brasil. Que golpe é esse, meu Deus do céu?”, disse o presidente conforme o volume da ambientação sonora subia.
Ele também pediu anistia aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023, que invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes em Brasília, numa tentativa de manter o ex-presidente no poder. “Se alguém aqui agora está reclamando da sua vida, lembre-se que pessoas iguais a você, inocentes, humildes, mães, pais, avós, agora estão olhando para cima e vendo um concreto de uma penitenciária. Alguns acham que são imortais, mas o dia de todos nós chegará”, afirmou.
Bolsonaro voltou a atacar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o derrotou nas eleições de 2022. “Se se fala em golpe, quem tirou o cara da cadeia? Quem o descondenou? Quem botou a mão pesada na balança do TSE? Quem o colocou na Presidência da República para pagar vexame agora? Quando o Lula assume um lado no conflito Irã e Israel, ele ficou do lado do Irã, aquele país que tem a bomba atômica para varrer Israel do mapa. Outras consequências, infelizmente, virão”, afirmou em outro momento.
Um dos discursos mais efusivos veio de Silas Malafaia, organizador da manifestação. Como é de seu costume, o pastor chamou o ministro Alexandre de Moraes, ex-presidente do TSE, repetidamente de “ditador” e classificou o julgamento que corre na Corte como uma tentativa de alijar Bolsonaro do processo eleitoral.
“Quando o Judiciário politiza as suas decisões, a justiça sai pelas portas do fundo, não há justiça. Bolsonaro, o que há é uma perseguição vergonhosa de uma farsa e de um pseudogolpe para tirar você do jogo”, disse. “Até quando o STF vai bancar o ditador Alexandre de Moraes? O STF está indo para a lata do lixo com a sua reputação”.
“Esse é o jogo. O senhor Alexandre de Moraes tem rasgado sucessivamente a Constituição. Como num Estado democrático se estabelece o crime de opinião? Nós temos gente exilada para não ser presa por causa de opinião”, afirmou Malafaia para uma multidão vestida de verde e amarelo e envolta em bandeiras de Israel e dos Estados Unidos.
O senador Magno Malta (PL-ES), por sua vez, misturou pautas diversas numa mesma frase, reforçando o caráter pirotécnico do ato. “Nós estamos com Israel. Nós amamos Israel. Este país está alinhado com Hamas, China, Cuba, Hezbollah e Irã, com todos os tipos de criminosos deste país. Trump, os EUA podem nos ajudar. Deus abençoe essa pátria”, disse o parlamentar, que em outro momento chamou a ministra do STF Cármen Lúcia, que votou contra Bolsonaro, de “tirana”.
Na mesma toada, Malta defendeu o retorno de Bolsonaro à corrida presidencial. “Em 2026, nós temos uma saída. Nós teremos Bolsonaro em 26. Eu não tenho dúvidas disso. Isso é espiritual. O tempo de Deus com Bolsonaro ainda não acabou. Eles não colocarão a mão em Bolsonaro. A nossa responsabilidade é eleger 46 senadores de direita. Agora, conservadores de direita de verdade”.
Até mesmo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que costuma manter um discurso mais evasivo e focar na gestão de Bolsonaro, subiu o tom. “O Brasil não aguenta mais o PT, por isso que a gente quer ver fora o PT. Nós vamos dar essa resposta ano que vem com a prosperidade, o nosso caminho, com aquilo que é a nossa vocação que é ser grande”, afirmou ex-ministro de Bolsonaro.
“Esse líder está aqui clamando por liberdade, e a gente nunca imaginou que seria tão importante lutar pela liberdade, e esse momento chegou. Não há democracia tirando uma pessoa das urnas. Podem tirar das urnas, mas não podem tirar do coração do povo”, Tarcísio disse em outro momento.