Com previsão de entrega para o fim de 2025, a chegada do sistema BRT — sigla para Bus Rapid Transit, ou trânsito rápido por ônibus — de Belém (PA) é, embora desejada pela população, envolta em descrença. Para os moradores, que há 17 anos acompanham a obra inacabada retornar às discussões apenas durante as campanhas para prefeito e governador, a sensação é de que a conclusão do projeto nunca chega.
“Eu não sei nem o que significa ‘BRT’. A gente conhece só a sigla, que é tudo em inglês. Então é para inglês ver, mesmo. É um elefante branco dentro da sala”, reclama a professora de língua portuguesa Cristiane Oliveira. “Eu já viajei a cidades onde o BRT funciona, e sei que seria muito útil à população da nossa cidade, mas eu sinceramente não consigo acreditar que vai funcionar”, diz. A professora comenta, ainda, que evita usar o ônibus para se locomover.
Já a manicure Rose Camelo, que mora no distrito de Icoaraci, segue usando ônibus como principal meio de transporte. No entanto, ela sente muita dificuldade em se lomover para localidades longe dos principais corredores da cidade. “Tem muitos anos que eu ouço falar de pagar uma única passagem, mas quando eu tenho clientes que moram longe do centro, eu preciso andar de aplicativo, e incluo o valor no serviço pra não ter prejuízo e não perder muito tempo. Eu planejo sempre minhas rotas para ficarem próximas uma da outra. Se eu andasse de moto, sairia mais em conta pra mim, mas tenho medo”, pondera. Ela diz ter esperança que o sistema integrado funcione um dia, mas ela diz que só acredita vendo. “Toda eleição só se fala nesse BRT. Acabou a eleição, a gente só vê obras e obras. Enquanto isso, a gente vai se virando”, desabafa.
“Antes de morar aqui na Pedreira (bairro de Belém), eu morava no Benguí. Nos fundos da minha casa ficava a Rua do Fio. Eu ouvi por mais de 20 anos que aquilo ia virar uma avenida. Quando a obra ficou pronta, em 2010, falavam que ia ter o bilhete único e eu acreditei que fosse sair do papel rápido. Cá estou eu, muitos anos depois, achando que um dia sai, mas sabe lá deus quando”, brinca o pedreiro Carlos Alencar. Para ele, até agora as obras do BRT mais atrapalham do que ajudam. “Eu ia muito trabalhar de bicicleta, mas as obras deixam muitos trechos perigosos. Depois que um amigo meu foi batido, eu só vou de bike a lugares mais próximos, que eu sei que tem como chegar vivo”.
Cada vez menos pessoas na capital paraense buscam o transporte público, o que reforça a urgência de uma nova opção de qualidade. Segundo o Sindicato das Empresas de Ônibus de Belém, (Setransbel), a quantidade de passageiros que utiliza o modal caiu 31,86%, de 2019 a 2022, e em torno de 51% de 2022 a 2024. O aumento de opções de aplicativos de transporte é um dos fatores apontados pelo sindicato. Contudo, a falta de limpeza, de previsibilidade e conforto nos coletivos são reclamações ouvidas nas ruas, somadas aos engarrafamentos que ocorrem mesmo em horários que não são de pico devido a diferentes fatores como as obras em preparação para a COP 30 e do próprio BRT.

“Depois das oito da noite, eu fico esperando na parada de ônibus mais de uma hora, e quando passa, muitas vezes não para. Só que nem sempre o local onde trabalho tem lugar para eu tomar banho ou me lavar direito. Tem motorista [de aplicativo] que não aceita me levar. Eu me sinto humilhado quase todo dia”, desabafa Carlos.
A espera pelo BRT de Belém
As diretrizes para BRT foram aprovadas no Plano Diretor Urbano de Belém de 1991, e em 2008 a proposta começou a ser apresentada à população pela então governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT). Seria a principal plataforma eleitoral para a pretensa reeleição em 2010. Com a derrota dela, o então prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB) seria o primeiro a divulgar amplamente o sistema pela sigla em inglês, BRT. Na ocasião, as obras para construir o corredor exclusivo para os ônibus e pontos de ônibus adaptados dos dois principais corredores da cidade, as avenidas Almirante Barroso e Augusto Montenegro, foram orçadas inicialmente em R$ 350 milhões, mas o prefeito só dispunha de R$ 50 milhões em caixa.
Pouco tempo depois, após a derrota de Duciomar, tanto os pontos de ônibus instalados como o corredor exclusivo precisariam ser refeitos pelo próximo prefeito, Zenaldo Coutinho (PSDB). Após oito anos do tucano no poder municipal, ele foi o próximo chefe do executivo deixar obras incompletas ou que precisariam ser refeitas. A apelidada pela prefeitura de avenida “Nova Augusto Montenegro” foi entregue sem que mais da metade dela tivesse calçadas, ciclovias e acessibilidade. Após quatro anos de Edmilson Rodrigues (Psol) uma parte significativa do corredor segue sem esses aparelhos.
O ex-vereador de Belém pelo Psol e especialista em políticas sociais, Fernando Carneiro, acompanhou as contradições do BRT de Belém por quatro mandatos e é crítico ao sistema atual na capital paraense. “O fato é que até hoje não existe BRT em Belém. Essa que é a questão. O que é o BRT? Ele requer duas coisas, basicamente. Uma é a parte física, que é a adaptação das canaletas exclusivas e das estações, e a outra é uma parte logística que implica na retirada dos ônibus das pistas onde circula o BRT”, argumenta.
Segundo Carneiro, um dos grandes estrangulamentos do trânsito de Belém é que, com as obras das canaletas exclusivas, houve a diminuição do espaço nos principais corredores de ônibus. Nas outras faixas, circulariam os outros veículos. “Mas hoje nós temos os carros, que são mais numerosos a cada dia e mais os ônibus”, denuncia o ex-vereador, que também chama a atenção para a falta de integração entre as modais, especialmente da mobilidade ativa e do transporte fluvial.

Desafios
O BRT Metropolitano, antes chamado de Ação Metrópole, começou a ser efetivamente implementado em 2019, pelo governador Hélder Barbalho. O projeto inicial, feito pelo Núcleo de Gerenciamento do Transporte Metropolitano (NGTM) em parceria com a agência de cooperação internacional do Japão (JICA) sofreu grandes baques com a entrada da Prefeitura de Belém, como informou um profissional da área, que pediu para não ser identificado, que aponta a lógica eleitoreira como causadora de prejuízos. Apesar disso, reforça, o BRT ainda é uma ótima solução para que o transporte público da Grande Belém dê um salto de qualidade.
As obras no corredor da BR 316, que conecta Belém às cidades de Ananindeua e Marituba, inicialmente previstas para terminar em 2022, foram atrasadas significativamente pela Pandemia. A previsão é que a concessionária privada, a BRT Amazônia, comece a operar parcialmente o projeto no final de 2025, e funcione plenamente até o final de 2026. Além disso, o Ministério Público do Pará recomendou, em maio deste ano, que a Prefeitura de Belém passe o gerenciamento do BRT para o NGTM. O MP alega que, com o aceite do atual prefeito, Igor Normando, do MDB, primo e aliado político do governador Helder Barbalho, vai ser possível retomar a proposta original, considerada mais completa e moderna do que a implementada atualmente.
Fernando Carneiro, porém, aponta um obstáculo conhecido pelas grandes cidades: o poder excessivo exercido pelas empresas de ônibus. No caso da capital paraense, o ex-vereador afirma que a concentração sempre prejudicou a população. “Quando o sistema começar a funcionar, as pessoas vão querer usar, então precisamos de mais ônibus. Ele [o BRT] precisa dialogar com muitas outras coisas, com a mobilidade ativa, com descentralização de políticas públicas para você colocar nos bairros, para as pessoas não precisarem ir lá no centro para fazer alguma coisa, quebrar com a máfia do transporte… Porque não adianta você colocar esses ônibus na mão dos empresários. Eles vão querer encarar isso como um negócio”.