A Petrobras é uma das empresas mencionadas em um relatório produzido pela relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967, Francesca Albanese. O documento, divulgado em 30 de junho, aponta a empresa como parte de uma vasta rede que financia o regime israelense, visando a execução de seu plano de limpeza étnica na Palestina.
O relatório intitulado Da economia de ocupação à economia de genocídio (From economy of occupation to economy of genocide, no original), mostra que a Petrobras detém as maiores participações em campos que fornecem petróleo bruto que abastece duas refinarias em Israel. A empresa fornece também combustível para jatos militares.”
“Isto não é um negócio como sempre. Meu novo relatório da ONU, Da economia da ocupação à economia do genocídio, foi publicado hoje. Ele mostra como as corporações alimentaram e legitimaram a destruição da Palestina. O genocídio, ao que parece, é lucrativo. Isso não pode continuar, a responsabilização deve ser o resultado”, publicou Albanese na rede social X.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) mostram que o petróleo representou 30% do total das exportações brasileiras a Israel em 2024. O total de exportações no ano foi de 725,1 milhões de dólares (quase R$ 4 bi) em produtos, uma alta de 9,5% em relação a 2023. A balança comercial do Brasil em relação a Israel é historicamente deficitária, com um saldo negativo de 308 milhões de dólares no período de janeiro a maio de 2025.
No documento, a relatora examina o papel de corporações na sustentação da ocupação israelense, do apartheid e, mais recentemente, do genocídio contra a população de Gaza. Ela detalha como diversos setores, incluindo fabricantes de armas, empresas de tecnologia e construtoras, contribuem para a violação do direito palestino à autodeterminação, a anexação de território, a manutenção de uma ocupação ilegal e, consequentemente, para crimes de agressão, violações de direitos humanos, apartheid e genocídio.
“Enquanto líderes políticos e governos se esquivam de suas obrigações, demasiadas entidades corporativas lucraram com a economia israelense de ocupação ilegal, apartheid e agora genocídio”, diz o documento.
“Essas entidades permitem a negação da autodeterminação e outras violações estruturais no território palestino ocupado, incluindo ocupação, anexação e crimes de apartheid e genocídio, bem como uma longa lista de crimes acessórios e violações de direitos humanos, desde discriminação, destruição arbitrária, deslocamento forçado e pilhagem até execuções extrajudiciais e inanição”, segue o texto, que destaca ainda o papel das entidades corporativas no “sufocamento da economia palestina”, “sustentando a expansão israelense em terras ocupadas”.

Empresas citadas
Para a elaboração do documento, a relatora desenvolveu um banco de dados com aproximadamente mil entidades corporativas em todo o mundo implicadas em violações de direitos humanos e crimes internacionais no território palestino ocupado. No relatório, são citadas 48 entidades, com a descrição de sua de sua relação com o genocídio palestino.
As gigantes de tecnologia e do varejo estadunidenses Microsoft, Google e Amazon são mencionadas por receberem recursos do Ministério da Defesa israelense em troca de fornecerem infraestrutura tecnológica para Israel. De acordo com Albanese, a Microsoft tem em território ocupado seu maior centro de pesquisa e desenvolvimento fora dos Estados Unidos. As tecnologias desenvolvidas pela empresa estão incorporadas no serviço prisional, polícia, universidades e escolas, incluindo em assentamentos ilegais, e tem integrado seus sistemas e tecnologia civil nas forças armadas israelenses.
Já a Amazon, segundo o relatório, opera diretamente em assentamentos, “sustentando sua economia e participando do apartheid através da entrega de serviços discriminatória”.
A destruição de propriedades de famílias palestinas para forçar seu deslocamento e a construção ilegal dos assentamentos contam com equipamentos e maquinário fornecidos, sobretudo, pela empresa coreana Hyundai, e pela sueca Volvo.

Além da Petrobras, a estadunidense Chevron também é citada pelo fornecimento de gás natural e por ser coproprietária do gasoduto East Mediterranean Gas, que passa por território marítimo palestino.
As empresas de reserva e hospedagem Booking e Airbnb também foram mencionadas por possuírem propriedades em assentamentos israelenses ilegais construídos em território palestino ocupado. E até um fundo governamental da Noruega, o maior do mundo, aumentou seu investimento em empresas israelenses durante os meses de agressão do regime israelense sobre Gaza, segundo o relatório da ONU.
O documento salienta que a lista apresentada é apenas “a ponta do iceberg” da cumplicidade corporativa e da estrutura de envolvimento empresarial. A relatora conclui que as relações corporativas com Israel devem cessar até que a ocupação e o apartheid terminem e as reparações sejam feitas.
Conclusões e recomendações
A análise legal de Albanese reforça que, sob a luz de normas do direito internacional, as corporações têm obrigações de não envolvimento em violações dos direitos humanos.
O relatório conclui que a situação no território palestino ocupado se tornou uma “economia do genocídio”, onde as violações de direitos humanos e crimes internacionais são lucrativos para muitas entidades corporativas. O documento enfatiza que “negócios como de costume” não são neutros. Albanese pede ainda o fim das relações corporativas com Israel “até que a ocupação e o apartheid terminem e sejam feitas reparações”.
“O setor corporativo, incluindo seus executivos, deve ser responsabilizado como um passo necessário para acabar com o genocídio e desmantelar o sistema global de capitalismo racial que o sustenta”, diz o texto.

A relatora especial pede que os Estados membros da ONU imponham sanções e um “embargo total” a Israel, e, à sociedade civil, que boicote as empresas que financiam o genocídio palestino. Além disso, pede que a Corte Penal Internacional e os Judiciários nacionais investiguem e processem executivos e entidades corporativas por sua participação na prática de crimes internacionais.
O relatório finaliza afirmando que as atrocidades testemunhadas globalmente exigem responsabilização e justiça urgentes, o que demanda ações diplomáticas, econômicas e legais contra aqueles que mantiveram e lucraram com uma economia de ocupação que se tornou genocida.
Brasil: diplomacia do verbo
Embora o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dado declarações duras, nas quais qualifica a situação em Gaza como um “genocídio premeditado”, o governo brasileiro tem se esquivado de pedidos públicos para que o país rompa relações diplomáticas e comerciais com o regime israelense.
Em maio, um grupo de intelectuais, acadêmicos e artistas, entre eles o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o escritor, cantor e compositor Chico Buarque, e os escritores Jessé Souza e Raduan Nassar, divulgou carta aberta nesse sentido. No dia 18 de junho, movimentos populares e políticos saíram às ruas de diversas cidades do país pedindo o rompimento das relações com o Estado sionista.
Em reunião com parlamentares de esquerda, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que o governo brasileiro estuda novas ações de pressão contra Israel, sobretudo em relação aos acordos de cooperação militar existentes. No entanto, o embaixador descartou, a princípio, o rompimento de relações com Israel por se tratar de um tema “complexo”.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério de Relações Exteriores (MRE) do Brasil e com a Petrobras, sem retorno. A reportagem também entrou em contato com as demais empresas mencionadas nesta matéria.
Em nota, a Booking informou que não cabe à empresa “decidir para onde alguém pode ou não viajar”. “Seguimos acompanhando de perto essas situações, inclusive possíveis mudanças legais, e aplicamos com rigor os princípios e procedimentos descritos em nossa Declaração de Direitos Humanos, assim como fazemos em todas as regiões do mundo com disputas ou em situação de conflito”, conclui o texto.
Os demais posicionamentos serão incluídos no texto à medida que forem recebidos