A luta por reparação histórica e bem viver foi o foco da Tribuna das Mulheres Rumo à Marcha Nacional de Mulheres Negras, realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (2) e presidida pela deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG).
A Tribuna das Mulheres marcou o início das atividades do Julho das Pretas, mês em que se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. No debate, representantes de organizações que atuam na construção da mobilização, marcada para novembro deste ano, destacaram a necessidade de mudanças estruturais na sociedade para garantir a participação social, econômica, política e cultural das mulheres negras.
“Somos 28% da população brasileira, mais de 52 milhões de cidadãs nesse país. Estamos em todos os ambientes da vida social no Brasil. Por certo, no topo da pirâmide em que se constitui o conjunto de desigualdades nacionais nós somos sub-representadas e hiper-representadas na base dessa pirâmide social, modelo o qual nós renegamos”, destacou Janira Miranda, representante do Comitê Nacional Impulsor da Marcha das Mulheres Negras.
No momento em que o país discute a taxação dos mais ricos, Miranda avaliou como central o debate sobre a distribuição da riqueza nacional para diminuir as desigualdades, tendo em vista que “1% apropria mais é do que 50% do conjunto dessa população, cuja maioria é precisamente formada por famílias chefiadas por mulheres negras”, ressaltou.
Dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher de 2025 (Raseam), divulgado em março deste ano, evidenciam essa realidade: 70% dos lares chefiados por mulheres negras vivem com renda de até 1 salário mínimo per capita, comparado a 44% entre as chefiadas por mulheres brancas.

Reparação histórica
A luta pela reparação histórica é um dos temas da Marcha Nacional de Mulheres Negras, que reúne nas cinco regiões do país mais de 300 organizações. Na avaliação de Miranda, o tema tem a ver com redistribuição econômica, crédito para fomento de pequenos negócios, titulação de territórios quilombolas e respeito à liberdade e consciência religiosa nos territórios de matriz africana.
“Esse debate tem sido feito em todo o território onde a marcha é capilarizada e tem muita conexão com as hierarquias e interseccionalidades de raça, de gênero, de classe de orientação e identidade sexual que se interseccionam no corpo de cada mulher negra nesse país. Portanto, a temática da reparação histórica tem a ver com justiça econômica, mas tem também, a ver com justiça política”, observou a representante da organização da Marcha Nacional de Mulheres Negras.
Empoderamento econômico
A relação entre economia e questão racial foi apresentada pela assessora internacional do Geledés – Instituto da Mulher Negra Carolina Almeida, que observou que em grandes fóruns econômicos internacionais esse debate tem sido centralizado em temas primários associados à sobrevivência da população negra, como acesso à saúde, enfrentamento à violência, direito à moradia, segurança alimentar.

“Isso nos demonstra que ainda continuamos tentando sobreviver a essa arquitetura financeira global que é racista e a própria lógica racialmente desigual da institucionalidade brasileira, que se impôs sobre nós como uma chaga, desde a escravatura e mesmo com a sua finalização formal, a gente não conseguiu romper essa lógica. E com isso seguimos não conseguindo a emancipação política, social, cultural e econômica que finalmente vai nos permitir romper com a lógica estabelecida da pobreza intergeracional que nos assola”, destacou.
Almeida apontou que as mulheres negras são desempoderadas economicamente e que isso se configura desde a escravatura como um elemento de dominação. “Além de sobreviver e acessar nossos direitos básicos, nós mulheres negras queremos prosperar. Porque nós entendemos que o desempoderamento econômico foi e segue sendo utilizado como instrumento de realização e dominação. Desde a abolição da escravidão, a população afrodescendente no Brasil foi deliberadamente deixada à margem do tecido social, sem acesso a décadas serviços, direitos ou oportunidades econômicas”, ressaltou.
Ainda de acordo com Almeida, o empoderamento econômico da população afrodescendente, especialmente das mulheres negras, têm potencial não apenas para corrigir desigualdades históricas, “mas também impulsionar o crescimento econômico de todos.”
Participação
“Contra o racismo e a violência e pelo bem viver”, esse foi o tema central da Marcha de 2015, que reuniu cerca de 100 mil mulheres de todo o país em Brasília. A cantora Prethaís era uma dessas mulheres. “Eu estava aqui nesse momento vindo da Bahia, e conhecendo o movimento de mulheres negras e posso dizer que a marcha das mulheres negras me salvou. Então, espero que nesse período nós também possamos salvar muitas vidas de muitas jovens mulheres negras.”, enfatizou a artista que atualmente vive no Distrito Federal.

No marco de 10 anos da primeira marcha, Miranda destacou que existem duas vitórias para as mulheres negras neste período. A primeira é a ampliação do nível educacional das mulheres negras brasileiras, a segunda é sobre a ampliação das organizações da sociedade civil brasileira lideradas por mulheres negras.
“A marcha das mulheres negras, é parte do protagonismo, participação e liderança política das mulheres negras nas suas comunidades, organizações e espaços sociais, mas ela é uma tarefa de toda a sociedade”, concluiu Janira Miranda.