O reconhecimento de Cidade de Deus como um dos cem melhores filmes do século 21, segundo o jornal The New York Times, reafirma a importância da obra dirigida por Fernando Meirelles e Kátia Lund. Para o cineasta Luciano Vidigal, que participou do processo de produção e pesquisa de elenco do longa, o impacto do filme é inegável, sobretudo fora do Brasil. “As pessoas não falavam mais só sobre futebol. Quando eu falava que era brasileiro, relacionavam ao Cidade de Deus. […] É um marco na história do cinema”, relata, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Lançado em 2002, o filme teve quatro indicações ao Oscar e trouxe rostos desconhecidos do grande público, muitos deles moradores de favelas do Rio de Janeiro. “Cidade de Deus foi o meu maior estágio de cinema”, conta Vidigal, que foi um dos responsáveis por mapear talentos nas comunidades cariocas. No entanto, ele observa que o sucesso da produção não se traduziu em oportunidades duradouras para o elenco. “O Brasil é racista, e isso reverbera muito no trabalho de atores e atrizes pretas. […] Esses meninos estavam lutando para conseguir uma permanência no mercado”, lamenta
A contradição entre o sucesso do filme, em 15º lugar na lista do NYT, e a exclusão de seus protagonistas, motivou Vidigal a dirigir, mais tarde, o documentário Cidade de Deus – 10 anos depois, ao lado de Cavi Borges. “O documentário veio nesse lugar, trazendo os atores como uma narrativa e um objeto de protagonismo. Falamos sobre vários assuntos no documentário, sobre esse racismo estrutural”, explica.
Vidigal conta que apesar de retratar uma história baseada em fatos reais, o filme acabou influenciando a criação de um estigma sobre a favela no audiovisual brasileiro. “Cidade de Deus entrou nesse denominador que chamamos de favela movie, que coloca a favela só no lugar da violência. […] Caímos em um estereótipo […] e esse recorte cansou quem realmente é morador”, diz. Ele aponta a importância de novas narrativas para romper com esse ciclo. “Me tornei diretor pra subverter isso, para falar de uma realidade que tem afeto, resistência e poesia. Existe violência, mas não é só isso”, ressalta.
Hoje, Vidigal integra um movimento de cineastas negros e oriundos de periferias que buscam novas representações no cinema. “A favela é feita majoritariamente por pessoas trabalhadoras, que descem para levar a cidade nas costas. […] Precisamos falar da favela de um lugar mais verdadeiro, tirar esse cenário de só violência, porque estava caindo no estigma e no estereótipo, que estava prejudicando a nossa visão pro mundo também”, defende.
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