O Partido dos Trabalhadores (PT) realizará, neste domingo (6), eleições internas para definição das novas presidências nacional e estaduais. O Processo de Eleições Diretas (PED) deverá reunir 1,3 milhões de filiados e decidir, mais do que a pessoa que comandará o partido pelos próximos quatro anos, os rumos que o PT deve tomar diante da iminência de uma era pós-Lula.
Quatro candidatos disputam a presidência da sigla: Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara; Rui Falcão, ex-presidente do partido entre 2011 e 2017 e deputado federal por São Paulo; Valter Pomar, historiador e dirigente do PT, filiado ao partido desde os anos 80; e Romênio Pereira, sindicalista e um dos fundadores da sigla. Para especialistas, nomes possuem congruências, mas divergem ao pensar o futuro do PT.
Próximo a Lula e integrante da corrente majoritária do partido, Edinho Silva desponta como um dos favoritos. Para especialistas, sua gestão representaria a continuidade do que o partido se tornou, tendo a conciliação e a institucionalidade como as marcas da gestão interna. Essa forma de enxergar a atuação do PT conflita diretamente com Rui Falcão, que defende retorno às bases do partido, uma militância mais ativa e uma postura de maior enfrentamento.
“São duas candidaturas muito semelhantes, que divergem, sobretudo, na forma como o partido se organizou para as disputas eleitorais e na forma como lidou com a construção de base, com a militância”, analisa Claudio André de Souza, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). “A crítica feita por Rui Falcão a Edinho está na perspectiva de que esse grupo majoritário que esteve a frente do partido não se preocupou devidamente com a renovação do partido e com o cuidado com as bases”.
A visão é compartilhada por Maria do Socorro Souza Braga, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Para ela, é possível separar as candidaturas em dois grupos políticos dentro do próprio partido: um mais à esquerda, com Rui Falcão e Valter Pomar, que buscam “se voltar para as bases, se rearticular, e pensar também em termos de visão de mundo e visão do sistema político no país”; e outro mais à direita, com Edinho Silva e Romênio Pereira, que são os candidatos da “antiga articulação”, herdeiros da ideia de traçar um caminho institucional com o partido, “no sentido de ter que ocupar espaços de poder, disputar esses espaços, e, por dentro do Estado, conseguir implementar as políticas públicas necessárias para melhorar a vida da população e reduzir desigualdades”.
Claudio André de Souza aponta que o que está em jogo é a condução do partido no futuro. “Essa eleição vai demarcar exatamente a chegada de novos grupos que vão ter como tarefa olhar para o partido a longo prazo. Do ponto de vista do seu projeto político, como partido, das suas estratégias eleitorais, de um processo de renovação das lideranças nos estados. O partido está olhando muito para esse caminho que virá, um caminho de transição”, analisa.
O PED de domingo marcará a última presidência do partido que pensará a partir dos movimentos de Lula. O eleito terá como missão organizar o PT para uma eventual reeleição do atual presidente ao mesmo tempo em que terá que lidar com a invariável proximidade da era pós-Lula.
O caminho de volta
Caso concorra à reeleição, as eleições de 2026 marcarão o que provavelmente deverá ser a última participação eleitoral de Lula. Para Souza, uma preocupação corrente “é que o PT, sem a figura de Lula nas urnas, se evapore, crie um processo de diluição em que fique muito difícil para o partido estabelecer estratégias que sustentem o partido nos estados”.
“Há um grande medo neste momento até mesmo sobre um cenário de vitória eleitoral de Lula em 2026. Caso perca, o que vai ser do partido?”, pondera o cientista social. “Se Lula se reelege em 2026, obviamente o seu governo vai olhar para uma perspectiva de coalizão que vai influenciar diretamente uma sucessão”. Esse cenário favoreceria uma presidência conciliatória, como a proposta por Edinho Silva.
Diante da conjuntura atual, porém, Maria do Socorro acha prudente que a hipótese de uma derrota eleitoral em 2026 seja considerada – situação em que obrigaria o partido, indiscutivelmente, retornar às bases. “Não conseguindo a reeleição, o PT sai do governo e não vai contar mais com a máquina nem com os recursos todos que vêm. Ou seja, o partido vai ter que, sim, voltar e repensar suas práticas em relação às suas bases”, ela projeta. O problema é que as bases não são mais as mesmas.
Forjado no sindicalismo em 1979, o PT se projetou tendo acesso às classes mais baixas e apoio do povo pobre, de trabalhadores e de parte da igreja católica. A cientista social alerta, no entanto, que “as bases sociais do PT também mudando, até porque os movimentos sociais também mudaram.
As antigas mobilizações da esquerda, terreno onde o PT sempre teve protagonismo, vem perdendo cada vez mais espaço para novos movimentos populares com os quais o partido tem tentado, sem o mesmo sucesso, se aproximar. O sindicalismo, marca de um dos concorrentes à presidência, é um aspecto positivo quando se analisa a necessidade de uma mudança de cenário.
Em 2012, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciou uma série histórica de medição da sindicalização, o país contava com 16,1% dos trabalhadores formais sindicalizados. Antes da série histórica, o percentual pode ser ainda maior. Em 2024, o número havia caído pela metade, com apenas 8,4% dos trabalhadores sindicalizados.
Ao mesmo tempo, aponta a cientista política Maria do Socorro Souza Braga, cresceu o número de empreendedores individuais e de trabalhadores informais, o que exige um redesenho do contexto em que o PT foi formado. “A luta sindical está bem mais fragmentada já há algum tempo. Não só do ponto de vista das demandas, mas do ponto de vista da estruturação, com várias confederações, federações, muito setorizado. Fora o mundo informal, que é de uma complexidade que até hoje eu vejo que o governo federal também não chegou lá para tentar dar conta dessa questão”.
A perda de relevância no mundo do trabalho, indica Maria do Socorro, não é a única batalha que o PT precisará enfrentar se, ou quando, precisar retornar às bases. Para a professora, houve também uma transformação na compreensão de discurso pela população e uma “fragmentação da opinião pública pelo mundo digital”, o que foi bem aproveitado pelo bolsonarismo.
“O PT tem que saber competir nesse novo contexto de mídia digital, de sociabilidade digital, onde justamente está o bolsonarismo com uma nova estrutura digital partidária. O que antes era positivo, não necessariamente se torna positivo nessa nova conjuntura, onde as relações dessa fragmentação da opinião pública se dão de maneira direta com o seu eleitor pelas redes sociais, pelo WhatsApp”, analisa.
Apesar de ser o partido mais estruturado nacionalmente, com capilaridade em todos os estados e muitas cidades, essa transformação traz muitos desafios que não podem ser negligenciados. Para a especialista, essas questões precisam ser endereçadas para que o PT, com ou sem Lula, consiga seguir relevante.
“Um dos grandes desafios dessas candidaturas que estão se remetendo a esse retorno às bases é definir quais são essas bases, quais são suas demandas e o que o partido tem condições de fato de representar. A gente nunca pode esquecer que partido, em uma democracia representativa liberal é o canal para levar para as arenas políticas essas demandas”, pontua.
‘Os grupos que conseguirem ter o controle financeiro largarão na frente’
O pleito do PT ocorre logo após o aumento dos recursos destinados aos fundos partidários. Não apenas nacionalmente, mas também nos estados, quem for eleito terá papel central na distribuição dos recursos e escolha de candidaturas.
Entre 2012 e 2024, o PT perdeu cerca de metade das prefeituras que comandava, em uma redução sentida também pelos demais partidos de esquerda. Reconquistar esses espaços se coloca como estratégico e urgente. Nesse sentido, os grupos eleitos no PED deste domingo e que têm maior acesso a recursos largam na frente dessa corrida.
“É uma eleição muito importante para o partido porque ele vai ter que olhar para o cenário do que vai acontecer daqui para frente no que eu tenho chamado de ‘cenário pós-lulista’ e vai precisar se renovar, reoxigenar sua presença nas urnas. Me parece também que a disputa ficou mais intensa, entendendo que os grupos que conseguirem ter o controle financeiro do partido largarão na frente, conseguirão ter mais força para conduzir”, avalia Claudio André de Souza.
A possibilidade de construir o que o partido fará em 2026 gera disputas pelo controle da sigla em 18 estados, com candidaturas ao Senado e governos estaduais como pano de fundo da batalha, e decisão do PED pode moldar o que o PT, sem o seu maior articulador, se tornará.