O geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro defende que a declaração de emergência climática permanente no Rio Grande do Sul pode ser uma forma de romper com o que chama de “ciclo de catástrofes anuais”. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele avalia como positiva a proposta de lei em discussão na Assembleia Legislativa gaúcha e destaca que o estado se tornou uma “zona de sacrifício”, espaço afetado pelo modelo predatório de exploração ambiental vigente.
“Assumir que o Rio Grande do Sul hoje é uma zona de sacrifício, sem dúvida, permitiria carregar recursos já numa perspectiva de médio e longo prazo”, afirma Ribeiro. Para o professor, a repetição de eventos extremos como enchentes deve ser enfrentada com ações coordenadas entre os poderes municipais, estaduais e federal. “Não adianta reconstruir uma estrada ou mesmo uma cidade numa área que está sujeita de novo ao alagamento”, argumenta. “Do jeito que estamos fazendo, estamos enxugando gelo”, critica.
Ele ressalta que a resposta precisa ir além do socorro emergencial, com planejamento para deslocamento de populações em risco e reorganização do território. “É um desafio grande, caro, mas é preciso começar a pensar nisso”, declara. O RS viveu, em 2024, o maior desastre natural da sua história, deixando 183 mortos e 2,4 milhões de afetados. Novas enchentes provocaram, desde junho, cinco óbitos e mais de sete mil pessoas tiveram que sair das suas casas.
Brics e financiamento climático
Sobre o plano conjunto lançado pelos países do Brics, nesta segunda-feira (7), durante a cúpula no Rio de Janeiro, Ribeiro defende que o financiamento climático internacional precisa priorizar projetos nos países em desenvolvimento, especialmente voltados à proteção de florestas e à adaptação de populações vulneráveis.
“O ponto central hoje é ir além da preservação do ambiente em si. Temos que trazer a população que é diretamente afetada”, explica. Segundo o professor, esse ponto é um elo comum entre os países do bloco. “Talvez um elo de identidade entre os países que compõem o Brics seja a vontade de acabar com a vulnerabilidade da população no planeta”, indica.
Ribeiro lembra que os países ricos são os maiores emissores históricos de gases de efeito estufa e, por isso, devem arcar com os custos da transição ecológica. “Na hora de emitir o cheque, o dinheiro não aparece. Se não houver esse repasse, vamos continuar assistindo a cenas tristes como as do Rio Grande do Sul, Texas e China”, lamenta.
Apesar do anúncio de mais um fundo climático, ele manifesta ceticismo quanto à efetivação dos recursos. “É um debate difícil. Certamente esse tema vai surgir na COP30 [30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima], mas não sei até que ponto vai, concretamente, inverter o fluxo de recursos dos países centrais para os periféricos”, diz.
Segundo o geógrafo, só com compromisso financeiro real será possível mudar o modelo de produção e consumo atual, reduzir emissões e proteger vidas frente aos impactos crescentes das mudanças climáticas.
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