O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), recebeu em Brasília, nesta terça-feira (8), a visita de Estado do primeiro-ministro da Índia, o ultraconservador Narendra Modi. Os dois já haviam estado juntos na Cúpula de Líderes do Brics, que ocorreu no último fim de semana, no Rio de Janeiro, e a Índia estará com a presidência rotativa do bloco a partir de 2026. Após uma reunião a portas fechadas, no Palácio do Alvorada, os chefes de Estado assinaram uma série de atos e ofereceram declarações à imprensa.
Ao lado de Modi, Lula citou o líder político indiano Mahatma Gandhi para criticar os atuais conflitos bélicos no mundo. “Lamentavelmente nós estamos vendo estes ensinamentos que Gandhi passou para a humanidade, estão sendo jogados fora, porque hoje o mundo está vivendo um período de conflito”, disse.
“O mundo está gastando com armas aquilo que não tem vontade de gastar com alimentos, aquilo que não tem vontade de gastar com a luta contra a desigualdade dos povos, a desigualdade de raça, a desigualdade de gênero, a desigualdade de alimentos, a desigualdade na educação, a desigualdade na hora da saúde”, completou o presidente, dirigindo-se a Modi como “amigo” e “companheiro”.
“Dois países superlativos como a Índia e o Brasil não podem permanecer distantes. A solidez das nossas democracias, a diversidade das nossas culturas e a pujança das nossas economias nos atrai”, declarou o mandatário brasileiro, que ainda reiterou suas condolências ao povo indiano pelo recente atentado na Caxemira, classificado por Lula como um ato de “terrorismo”.
Lula a Trump: ‘Somos soberanos’
Durante as declarações à imprensa, Lula criticou a tentativa de “intromissão” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em assuntos que não lhe correspondem.
O presidente se referiu às ameaças de Trump de taxar países que se aproximem do Brics. “Nós não aceitamos nenhuma reclamação contra a reunião do Brics. Por isso que nós não concordamos quando ontem o presidente dos Estados Unidos insinuou que vai taxar os países do Brics”, afirmou Lula. “Queremos dizer ao mundo que nós somos países soberanos. Não aceitamos intromissão de quem quer que seja nas nossas decisões soberanas”, completou.
Sobre esse aspecto, o premiê indiano se limitou a afirmar que acredita “que todas essas disputas devem ser resolvidas por meio do diálogo e da diplomacia”, e condenou o “terrorismo”, sem citar países ou organizações.
Lula voltou a defender o multilateralismo que, segundo ele, “foi o sistema que, depois da Segunda Guerra Mundial, permitiu que o mundo chegasse a um estado de harmonia que está sendo deformado hoje com o surgimento do extremismo”. “Nós não queremos uma segunda Guerra Fria. Nós queremos um comércio livre, nós queremos o multilateralismo, nós queremos mais democracia e nós queremos mais respeito à soberania dos nossos países”.
Ampliação do Conselho de Segurança
Na presença de Modi, Lula afirmou ser “inaceitável” que países do porte da Índia e do Brasil não ocupem assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU.
“Nós reivindicamos o direito de participarmos no Conselho de Segurança da ONU. Não é possível, mas a gente ver a ONU enfraquecida, a ONU não sendo levada em consideração e os membros do conselho de segurança, os membros fixos do conselho, que deveriam prezar pela paz, são exatamente aqueles que mais estimulam a guerra”, afirmou o presidente, citando ainda as invasões dos Estados Unidos ao Iraque e à Líbia, assim como a Ucrânia.

“Nós achamos que o mundo não precisa de guerra, o mundo precisa de respeito. Cada país tem que respeitar a extensão territorial do outro país. Por isso que nós condenamos a invasão da Rússia à Ucrânia. Por isso que nós não concordamos com o que está acontecendo com o povo palestino, embora cada um de nós respeite a decisão do outro país”, declarou Lula.
COP 30
O tema das mudanças climáticas também foi abordado na coletiva de imprensa dos chefes de Estado. “Chegaremos à COP 30 como líderes da transição energética justa. Mostraremos que é possível aliar redução das emissões de gás de efeito estufa e crescimento econômico e inclusão social”, disse Lula, que criticou os investimentos em medidas para o enfrentamento à emergência climática.
“O mundo gastou 2 trilhões e 700 bilhões em armas e não gastou quase nada para cuidar do clima”, ressaltou. Lula ainda declarou apoio à candidatura da Índia para sediar a COP 33, ainda sem data definida. “A candidatura da Índia para sediar a COP 33 exalta o protagonismo dos países emergentes no enfrentamento à mudança do clima”, afirmou.
Por sua vez, o primeiro-ministro indiano fez uma declaração curta, ressaltando o papel da relação harmoniosa entre Brasil e Índia no contexto global. “Como são duas grandes democracias, a nossa cooperação é relevante não somente para o Sul Global, mas para toda a humanidade” declarou Modi. “Nós adoraríamos que as relações entre o Brasil e a Índia pudessem ser tão coloridas quanto o Carnaval, que funcionassem com mesmo entusiasmo que nós temos pelo futebol, além de conectar os nossos corações, como samba brasileiro”, destacou o premiê, que venceu recentemente as eleições gerais na Índia para cumprir um terceiro mandato pela Aliança Democrática Nacional (NDA), partido de extrema-direita.
Acordos firmados
Os governos do Brasil e da Índia firmaram seis acordos de cooperação bilateral nas áreas de segurança, energia, agricultura, transformação digital e propriedade intelectual, além de uma declaração conjunta sobre parceria digital para o futuro, com foco em infraestrutura pública digital, inteligência artificial, tecnologias emergentes e governança digital.
O presidente Lula ainda condecorou Modi com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, maior honraria concedida pelo governo brasileiro a personalidades estrangeiras.
“Hoje o presidente Lula me honra com a condecoração nacional mais alta do Brasil. Esse é um momento de muito orgulho e muito emocionante para mim e para 1,4 bilhão de cidadãos indianos. Agradeço do fundo do meu coração ao presidente Lula, ao governo brasileiro e ao povo brasileiro”, agradeceu Modi.

Como parte da visita oficial, o presidente Lula e a primeira-dama Rosângela Silva ofereceram um almoço ao primeiro-ministro da Índia e sua comitiva oficial.
Relações bilaterais
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, os dois países elevaram o nível de cooperação em 2006 ao estabelecerem parcerias estratégicas, como em atuações coordenadas na Organização das Nações Unidas (ONU), G20 e na confirmação do Brics.
“O futuro da nossa relação também se assentará em dois outros importantes pilares: desenvolvimento tecnológico e defesa. As políticas indianas de infraestrutura pública digitais, baseada em dados, códigos e modelos abertos, se contrapõem à dinâmica concentradora de empresas privadas. Queremos criar com a Índia um centro de excelência para trazer esse potencial ao Brasil”, destacou Lula.
Segundo o Itamaraty, a cooperação bilateral entre Índia e Brasil se desenvolvem sobre cinco “pilares prioritários”: a defesa e segurança, a segurança alimentar e nutricional, a transição energética e mudança climática, a transformação digital e tecnologias emergentes, e as parcerias industriais em setores estratégicos como indústria aeronáutica, farmacêutica, setor de petróleo e gás e minerais críticos.
Em 2024, o comércio bilateral totalizou US$ 12 bilhões de dólares, o que faz da Índia o 10º maior parceiro comercial do Brasil, com cerca de US$5,26 bilhões de dólares em exportações brasileiras aos indianos, e US$ 6,8 bilhões de dólares em produtos exportados da Índia ao Brasil.
Durante o encontro desta terça, o premiê indiano defendeu a ampliação das relações comerciais com o Brasil e com o Mercosul. “Se trabalharmos em conjunto, reunindo os nossos pontos fortes e conseguirmos chegar a uma parceria de 20 bilhões de dólares, não será difícil. Juntos vamos trabalhar na expansão do acordo comercial de referência entre a Índia e o Mercosul”, afirmou.