Durante 23 dias, os professores da rede pública do Distrito Federal estiveram em greve. A paralisação começou no dia 2 de junho e terminou no dia 25 com a aprovação da proposta do governo pela assembleia geral do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF).
A decisão, no entanto, foi criticada por parte da categoria. Em entrevista ao Brasil de Fato DF, Márcia Gilda, diretora do sindicato, avaliou que o acordo final veio “de uma forma mais concreta, mais amarrada e com sinalização”, diferentemente da proposta inicial e sinalizou uma “vitória política” da categoria.
Entre as principais reivindicações do movimento paredista, destacavam-se o reajuste salarial de 19,8%, nomeação de 3 mil aprovados no concurso e nova tabela de titulação a partir de janeiro de 2026 (10% para especialização, 20% para mestrado e 30% para doutorado).
O acordo firmado não atendeu ao pedido de reajuste, mas contemplou as outras demandas. O Governo do Distrito Federal (GDF) também se propôs a realizar o pagamento integral dos cortes de ponto via folha suplementar, prorrogar o concurso vigente e liberar novo concurso em 2026. Além de atualizar as gratificações e estabelecer uma mesa de negociação permanente.
Mesmo diante das negociações que indicaram o fim da greve, a dirigente do Sinpro destaca que o sindicato permanece em luta para derrubar o projeto de sucateamento da educação que a gestão do atual governo tenta implementar no DF.
“Nós não somos inimigos, não temos inimigos entre nós. Nosso inimigo tem nome, tem endereço e sabemos onde fica: é Ibaneis Rocha. Precisamos, com unidade, derrubar esse projeto que está sendo colocado a exemplo de outros Estados onde a educação está completamente sucateada. Seguiremos aqui firmes e fortes para evitar que isso aconteça com a educação do DF”, defendeu.

Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato DF: Por que a categoria decidiu pela greve, quais eram as principais reivindicações ?
Márcia Gilda: A nossa categoria enfrentou oito anos de congelamento. Em 2023, fizemos uma greve importante no DF, mesmo o governo trazendo os 18% parcelado de forma linear para todas as categorias, a nossa foi a única que disse não e que brigou. E dessa greve [2023] conseguimos, inclusive, antecipar um item da nossa reformulação do plano de carreira, que era a incorporação da Gaped [Gratificação de Atividade Pedagógica], porque lutamos pelo fortalecimento do vencimento básico.
O ano passado foi muito difícil, não conseguimos avançar. Já tínhamos construído uma minuta de plano de carreira lá em 2022, que foi concluída em 2023, e ainda não tinha sido possível uma mesa de negociação sobre esse tema. Nas assembleias vínhamos nesse movimento crescente, apresentando os estudos, tudo sinalizado para que iniciássemos mesmo essa reestruturação este ano ainda. Na última assembleia, um dia antes, tivemos uma reunião com o governo, que já tinha dito para nós que não era possível avançar em nada para a educação. Falamos assim: ‘não é assim que a gente faz um debate com a categoria que é tão importante como a nossa.’ E aí então leva para a assembleia e foi deflagrada a greve.
No início do movimento paredista houve uma criminalização da greve por parte do GDF, que se revelou em uma prática do governo de judicializar com multas milionárias as categorias que fazem paralisações ou greves, como avalia esse cenário?
Começamos uma greve já judicializada. Antes mesmo da greve começar, o GDF entrou na justiça e considerou ilegal. Acho que é importante dizer que é o primeiro governo na história do Distrito Federal que executa uma multa da classe trabalhadora, do dinheiro que a categoria paga para financiar a luta. Porque é uma luta árdua que enfrentamos, que é contra um sistema poderoso que é o Estado.
Fizemos uma reclamação no STF [Supremo Tribunal Federal] e o ministro Flávio Dino derrubou e ainda questionou a multa de um valor tão abusivo para um sindicato, para tentar prejudicar um movimento que é legítimo da classe trabalhadora, que é a sua organização, os seus movimentos paredistas. Mas o governo entrou de novo com uma ação no Tribunal de Justiça, agora [com a multa] um pouco menor, de R$ 300 mil, mas somando esses dias até a finalização da greve, são quase R$ 7 milhões que precisamos pagar. É uma greve que nós sabíamos que seria muito difícil pelo perfil do governo do Distrito Federal.
Negociações com o governo
Como foi o processo de negociação com o GDF na última assembleia, realizada no dia 25 de junho?
Foi um processo muito difícil. Entramos em greve [no dia 2]. No dia 5, em plena assembleia, somos chamados para ir [negociar]. A partir dali, a gente rejeita. A proposta é considerada insuficiente, justamente por não ter nada garantido. Era muito solto. E aí todos os canais se fecham, não conseguimos mais discutir. Nesse momento, entram agentes importantes. Conseguimos a mobilização na Câmara Legislativa, liderada pela bancada de oposição, com obstrução dos trabalhos.
Surge também a possibilidade de uma nova rodada de negociação, mas foram mesas muito difíceis. Um governo que dizia que não negociava com o grevista, que não ia discutir com o sindicato, porque o sindicato é de esquerda. Então temos uma vitória política também, porque é um governo que teve que retroceder. Ele teve que voltar atrás na sua palavra, receber e apresentar uma proposta.
Não é a melhor dos mundos, mas o governo também é derrotado politicamente, porque a unidade e a força da nossa categoria fez com que ele reconsiderasse e voltasse a negociar conosco.

Foram 23 dias de greve. Em um determinado período, algumas escolas não aderiram à greve e retomaram as atividades. Como o sindicato avaliou essa questão?
Infelizmente nem todos fazem parte da luta. Isso é histórico. Sempre falamos que se 100% das escolas fechassem, não ficávamos uma semana em greve. Porque a educação é muito grande, é o braço do Estado, mobiliza toda a nossa sociedade. Mobilizamos mais de 500 mil pessoas o tempo inteiro, além dos estudantes, das famílias, prestadores de serviço, enfim. Se a educação não está funcionando, tem alguma coisa errada. Temos que ouvir o que os professores precisam.
Começamos com um número X de escolas, quando o governo fez a ameaça de corte de ponto, muitos professores retornaram e depois vieram de novo para o movimento. É um movimento de crescente, de refluxo, isso é natural num processo paredista. São muitas inseguranças, principalmente aqueles que nunca participaram, se sentem inseguros. Mas para aprovarmos dentro do comando de greve a suspensão da greve, existe toda uma estrutura que é avaliada.
Como o sindicato lidou com esse apoio da comunidade?
Nós ficamos muito felizes. Foi um momento muito rico de parceria da classe trabalhadora. Saímos da bolha só da educação e ampliamos.
Antes da assembleia que encerrou a greve, foram realizadas algumas assembleias regionais. Qual foi o cenário indicado pela categoria nessas reuniões?
Das 14 regionais de ensino, a avaliação de 10 era pelo encerramento da greve e quatro pela continuidade.
Polarização da categoria
Na assembleia que encerrou a greve houve depois uma movimentação acusando a diretoria do sindicato de ter manipulado o resultado, o que aconteceu naquele dia?
A assembleia estava muito polarizada e o encerramento passou. Eu estava em cima do caminhão, foi muito claro, tinha ali uma bolha no centro que eram aqueles que defendiam a continuidade da greve. Mas atrás, na frente, dos lados, embaixo das tendas, os votos foram unânimes pelo encerramento. Só que quem votou pelo encerramento votou de forma tímida e quem votou pela continuidade pulava, se balançava. Então quem filmou ali do meio, parecia que tinha passado a votação da continuidade da greve. Mas os demais era visível que o encerramento passou.
Então aí veio aquela revolta daqueles que queriam continuidade, é legítimo cada um ter o desejo de continuar ou de encerrar. Agora, o que não é legítimo é a violência que aconteceu no final da greve. Infelizmente, foram fatos lamentáveis que ocorreram. Sempre tem segurança no caminhão, porque é necessário ter uma estrutura. Existe todo um contexto e contratamos também pela própria segurança da categoria. Os seguranças não são contratados para bater na categoria, jamais, mas para fazer a segurança delas. Mas naquele dia, quem estava precisando de apoio, inclusive, e ter garantido a sua segurança, foram as pessoas que estavam em cima do caminhão. Não foi contratado segurança para bater na categoria, nada disso. Sempre tem segurança em toda assembleia do sindicato.

Projeto de sucateamento da educação
O Sinpro tem uma trajetória de luta de 46 anos. Nesse governo, o sindicato tem feito muitos enfrentamentos no âmbito da educação com o GDF. Agora, com o fim da greve, muitas pessoas acusaram o sindicato de ‘peleguismo’ por ter negociado com o GDF. O sindicato vai continuar no enfrentamento à gestão Ibaneis-Celina?
Sempre. Qual a categoria que enfrentou esse governo? Foi a educação. Duas vezes, em dois contextos muito difíceis.
Como falei antes, o único governo que multou e executou multa do sindicato e mesmo com isso não retrocedemos. Existe uma visão equivocada de ‘pelego’. E agora, mais uma vez, esse movimento que fizemos demonstra claramente que a diretoria do sindicato não é ‘pelega’, mas é de muita resistência e de muita luta. Cabe a direção do sindicato também analisar e conjuntamente com o comando de greve, dar as diretrizes de organização e mostrar o norte que deve ser seguido pela categoria. Essas palavras de ‘pelego’, não me abatem, porque eu acho que tanto eu quanto todos os demais diretores, estamos aqui porque temos uma história de luta. Fomos eleito pela categoria.
Nós sempre fizemos e continuaremos na linha de frente fazendo o enfrentamento a esse governo e seu projeto de extrema direita.
Qual o projeto de educação do governo Ibaneis-Celina e qual é o projeto de educação defendido pelo sindicato?
No DF, o projeto de educação não educa para o protagonismo. O governo investe na militarização das escolas, aumentou a estratégia de matrícula em mais de 60%, é um governo que não dialoga. Todas as decisões no âmbito da secretaria são feitas de forma unilateral.
O projeto de educação que o Sindicato dos Professores defende é laico, que educa para o protagonismo, que alcance da melhor forma todos os estudantes que estão no centro da cidade, que estão nas periferias. O nosso projeto de educação é que seja libertador, que desenvolva nos nossos estudantes, o senso crítico. Porque são esses estudantes, essas crianças, esses idosos da educação de jovens e adultos, essas pessoas que precisam ter o senso crítico para construir um projeto político que governe com o povo e para o povo.
Defendemos uma educação plural, democrática e socialmente referenciada. Uma educação de qualidade para os nossos estudantes.
Nós não somos inimigos, não temos inimigos entre nós. Nosso inimigo tem nome, tem endereço e sabemos onde fica: é Ibaneis Rocha, que está lá no Palácio do Buriti. Precisamos, com unidade, derrubar esse projeto que está sendo colocado a exemplo de outros Estados onde a educação está completamente sucateada. Seguiremos aqui firmes e fortes para evitar que isso aconteça com a educação do DF.