Em meio ao julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil – processo que tem entre os réus o ex-presidente Jair Bolsonaro –, seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deixou o cargo no país natal e viajou aos Estados Unidos para pedir sanções contra o país e contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes. A iniciativa revela a pouca criatividade da família e reproduz moldes já adotados por setores da extrema direita em países como Cuba e Venezuela, que já sofrem bloqueios dos EUA.
Na Venezuela, o movimento já dura 10 anos e começou ainda durante a gestão de Barack Obama. Em 2015, o democrata classificou a Venezuela como uma “ameaça incomum para a segurança interna dos Estados Unidos” a partir de uma ordem executiva. A medida veio em resposta a protestos violentos realizados um ano antes e promovidos pela oposição venezuelana sob as lideranças do fundador do partido opositor Vontade Popular, Leopoldo López, e da ex-deputada ultraliberal María Corina Machado. Naquele momento, a Casa Branca sancionou os primeiros funcionários do governo chavista.
Em 2017 o governo estadunidense começou a impor sanções contra o mercado petroleiro venezuelano e ampliar a pressão econômica contra o país caribenho. O período foi o início de uma crise sem precedentes para a Venezuela e apoiada pela Mesa Unitária Democrática (MUD), coalizão que reunia os principais líderes da extrema direita do país. Na ocasião, Caracas denunciou a participação do então deputado Júlio Borges nas sanções. Ele havia viajado aos EUA para articular os ataques contra a economia venezuelana.
Dois anos depois, novas reuniões foram realizadas entre opositores venezuelanos e o governo de Donald Trump. O pretexto foi a reeleição de Nicolás Maduro em 2018, que não foi reconhecida pela Casa Branca. O então deputado Juan Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela com apoio dos EUA. Ainda em 2019, o republicano se reuniu na Flórida com Carlos Vecchio, representante de Guaidó nos EUA, que buscava por “aumento da pressão” contra Maduro.
O ano ficou marcado pelo aumento das sanções contra a estatal petroleira PDVSA e consequentemente da crise na Venezuela, que sofreu a hiperinflação e uma desvalorização brutal no câmbio. Os EUA bloquearam ativos venezuelanos no exterior e passaram a pedir uma “saída pacífica” de Maduro. Novos pedidos de sanções e reuniões com Washington e União Europeia ocorreram até 2023, quando Guaidó perdeu força entre os opositores e passou o bastão para María Corina Machado. Ela que apareceu na Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA) com o título de “embaixadora suplente do Panamá” para pedir que o grupo ampliasse a pressão contra o governo venezuelanos.
Para Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, a relação entre a história recente das sanções na América do Sul e a decisão tomada por Eduardo Bolsonaro de pedir o apoio de Washington contra Moraes, é clara. Como resultado da negociação, Donald Trump, anunciou que produtos importados do Brasil terão tarifas de 50% a partir de agosto. O presidente dos EUA ainda se posicionou a favor de Bolsonaro e disse que o julgamento que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil seria uma “caça às bruxas”.
O próprio Eduardo Bolsonaro agradeceu a medida de Trump. Em seu perfil na rede social Truth Social, o deputado disse “esperar” que o governo brasileiro trate alguns assuntos “com a seriedade que merece”.
“Essa é uma prática que está sendo construída nos EUA há muito tempo. Políticos de diferentes países fazem esse movimento. A oposição venezuelana começa esse movimento e a extrema direita no Brasil copia o modelo. Mas é claro que isso parte dos Estados Unidos, que é o diretor da orquestra. Os partidos da direita viram que isso dava resultado, não para derrubar o governo, mas para pressionar. E, com isso, passa a adotar essa ferramenta”, disse ao Brasil de Fato.
Para o ex-diplomata e analista internacional venezuelano Sergio Rodríguez Gelfenstein, as medidas de Trump não ocorrem, porém, com base nesses pedidos. “Há uma articulação cada vez maior entre a direita e a extrema direita global. Mas a decisão de Trump não tem a ver com esses pedidos de opositores, ele atua de acordo com interesses próprios. Por exemplo, ele manteve uma distância com o argentino Javier Milei. Ele não tem uma atuação coerente nesse sentido”, disse.
Gelfenstein afirma que esses ataques são gestados dentro dos EUA e o pedido de apoio acaba servindo mais para agradar o ego dos opositores latinos do que como resultado de uma pressão sobre o governo estadunidense. Para ele, a pressão feita por congressistas da Flórida, conhecidos como “Crazy Cubans” (María Elvira Salazar, Mario Díaz Balart e Carlos Giménez) influenciam mais na decisão do que integrantes de oposições enfraquecidas em seus países.
“O eixo de toda essa articulação está nos EUA, principalmente no setor conservador do Partido Republicano, sobretudo na Flórida. Há congressistas de origem cubana de extrema direita também no Partido Democrata. Isso responde à política interna dos EUA também. Trump tentou tirar alguns conservadores como Mike Pence, Nikki Haley, Mike Pompeu… Mas a pressão de alguns deputados marcam essa pressão sobre Trump”, disse.
Outros casos
O país bloqueado há mais tempo pelos EUA é Cuba. Desde a Revolução Cubana de 1959, a oposição de direita da ilha sempre colocou no horizonte um apoio estadunidense. Mas, durante décadas, esse apoio foi militar e tinha como objetivo realizar ataques contra a ilha.
Em 1961, exilados cubanos treinados pela CIA tentaram derrubar o governo de Fidel Castro por meio do episódio fracassado conhecido como Invasão da Baía dos Porcos. Mesmo com a derrota, essa relação entre cubanos opositores e os EUA se fortaleceu ao longo dos anos.
Em 1976, o avião Cubana 455, da companhia aérea nacional de Cuba, partiu de Georgetown, na Guiana, com destino à Jamaica. Logo depois de decolar, o avião sofreu duas explosões em um atentado que matou os 73 passageiros do voo comercial. Entre eles estavam funcionários do governo cubano, além de 5 integrantes do governo de Kim Il-Sung, na Coreia do Norte.
A ferramenta usada pela oposição cubana só mudou na última década, com a instrumentalização cada vez mais forte das sanções estadunidenses. O caso mais recente é de Rosa María Payá, opositora cubana que pede desde 2020 um aumento do bloqueio contra a ilha e um apoio da Casa Branca à “transição democrática”.
Outra oposição emblemática é a nicaraguense. O dirigente Felix Maradiaga vive desde 2023 nos EUA e disse ter feito contato com a equipe de Trump para discutir a situação de seu país. Ele já pediu publicamente sanções não só contra o governo, como também para destituir o próprio exército de Nicaragua.
Tamaris afirma que essa ideia de pedir ajuda dos EUA parte de como a política externa do país norte-americano aprofunda seus ataques contra outros países.
“A extrema direita é autora disso. Tem a ver com a forma como Trump leva sua política exterior, com uma estratégia de pressionar com sanções para depois sentar a negociar. Isso se manifesta há muito tempo, desde Henry Kissinger, que tinha esse tipo de estratégia de promoção do caos, inclusive criando condições por meio das sanções. O que Trump faz é pressionar. Bolsonaro é a desculpa de Trump”, disse.