A tarifa de 50% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros deve afetar diretamente os setores exportadores ao tornar os itens mais caros para consumidores e empresas nos EUA. Apesar disso, há oportunidades no mercado interno e externo para a realocação desses produtos que são, em sua maioria, commodities.
Daniel Negreiros Conceição, economista e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que commodities são bens primários, geralmente em estado bruto ou com pouca industrialização, produzidos em grande escala e amplamente comercializados no mercado internacional. São esses os produtos brasileiros comprados em maior volume pelos EUA.
Ele explica, ainda, que a realocação desse tipo de produto para outros compradores é mais fácil do que itens manufaturados e de alto valor agregado. “É a primeira vez em que ser exportador de commodities nos coloca numa situação até mais confortável. Normalmente é muito ruim ser vendedor de itens muito básicos, sem complexidade. Mas nesse caso são realocáveis”, afirma Conceição.
“Se você perde um comprador, o produto continua disponível para outros. O efeito econômico talvez não seja tão ruim para os brasileiros, porque o exportador de commodity consegue exportar mais facilmente”, diz o professor.
Conceição afirma, inclusive, que o próprio mercado consumidor interno pode ser um destino alternativo para as empresas exportadoras. “Esse café pode acabar vindo para cá. O Brasil é um comprador para substituir os Estados Unidos.”
Um ponto importante das relações comerciais que também pode ser afetado é o acesso ao dólar, utilizado não só na balança com os EUA, mas com todo o mundo. “As exportações, em termos materiais, são o envio de coisas para o exterior, mas também o acesso à moeda dos outros. O dano que a gente mais sentiria, além da queda de atividade desses exportadores que empregam muitos trabalhadores, é um choque cambial se a gente não conseguir outras fontes de obtenção de moeda estrangeira, já que a gente usa muito o dólar para comprar as coisas no mundo”, diz.
Entre os principais produtos que os americanos importam do Brasil estão o petróleo, ferro e café. Atualmente, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), os Estados Unidos são o segundo maior comprador de carne bovina do Brasil, respondendo por 12,33% das exportações no primeiro semestre. O percentual equivale a 181,3 mil toneladas, mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2024.
Em nota, a entidade declarou que “qualquer aumento de tarifa sobre produtos brasileiros representa um entrave ao comércio internacional e impacta negativamente o setor produtivo da carne bovina”.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também disse que a nova alíquota pode ter reflexos diretos sobre o agronegócio brasileiro, afetando o câmbio, elevando o custo de insumos importados e reduzindo a competitividade das exportações.
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) afirmou que, “além das dificuldades de comércio com os Estados Unidos, o anúncio da Casa Branca pode criar uma imagem negativa do Brasil e gerar medo em importadores de outros países de fechar negócios com as nossas empresas”.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as exportações brasileiras para os Estados Unidos têm peso relevante na economia nacional. Em 2024, cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano resultou na criação de 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil. Por isso, o aumento da tarifa de importação para 50% afeta diretamente a economia brasileira e compromete a cooperação bilateral.
Além de evidenciar os impactos econômicos para o Brasil, as entidades repudiaram o posicionamento de Donald Trump. Ricardo Alban, presidente da CNI, afirmou em nota que “não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto”.
“Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano. Uma quebra nessa relação traria muitos prejuízos à nossa economia. Por isso, para o setor produtivo, o mais importante agora é intensificar as negociações e o diálogo para reverter essa decisão”, disse.
Déficit para o Brasil
Apesar de Donald Trump afirmar que a relação comercial entre os dois países prejudica os Estados Unidos, os dados mostram o contrário, segundo os números da série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança comercial é desfavorável para o Brasil, que importa mais do que exporta para o mercado americano. Esse desequilíbrio gera um déficit comercial, situação em que o valor das importações é maior que o das exportações.
Desde 2009, o Brasil registra déficits comerciais consecutivos com os Estados Unidos, acumulando um saldo negativo de US$ 90,28 bilhões em vendas americanas ao país até junho de 2025. A análise dos dados, que abrange o período de 1997 até o primeiro semestre de 2025, também aponta um saldo superavitário total de US$ 49,88 bilhões para os EUA ao longo desses 28 anos.
No ano passado, a relação comercial entre os dois países esteve praticamente equilibrada, com exportações brasileiras de US$ 40,33 bilhões e importações de US$ 40,58 bilhões, resultando em um déficit de US$ 253 milhões para o Brasil. No entanto, no primeiro semestre de 2025, o desequilíbrio voltou a se acentuar, com o Brasil importando US$ 1,67 bilhão a mais do que exportou para os Estados Unidos.
Superávit com o total dos países
Apesar do déficit na relação comercial com os Estados Unidos, a balança brasileira no geral registrou superávit de US$ 74,5 bilhões no ano passado: as exportações totalizaram US$ 337 bilhões, enquanto as importações chegaram a US$ 262,5 bilhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
O resultado foi o segundo melhor da história para o Brasil, ficando atrás apenas de 2023, quando o superávit comercial alcançou a marca recorde de US$ 98,9 bilhões.
Em 2024, os principais destinos das exportações brasileiras foram liderados pela China, que comprou US$ 94,4 bilhões em produtos do Brasil. Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com produtos que somaram US$ 40,3 bilhões no período. Na sequência, destacam-se Argentina (US$ 13,7 bilhões), Holanda (US$ 11,7 bilhões) e Espanha (US$ 9,9 bilhões).
No sentido contrário, a China e os Estados Unidos também aparecem em primeiro e em segundo lugar entre os países que mais compram produtos brasileiros. Em 2024, a China foi o principal fornecedor do Brasil, com importações que totalizaram US$ 63,57 bilhões. Os Estados Unidos ocupam a segunda posição, com US$ 40,58 bilhões em produtos vendidos ao mercado brasileiro. Outros países que lideram as importações brasileiras incluem Alemanha (US$ 13,73 bilhões), Argentina (US$ 13,57 bilhões) e Rússia (US$ 10,96 bilhões).
Principais produtos brasileiros comprados pelos EUA
- Óleos brutos de petróleo: US$ 5,83 bilhões
- Semimanufaturados de ferro ou aço: US$ 2,77 bilhões
- Café não torrado: US$ 1,89 bilhão
- Pastas químicas de madeira: US$ 1,55 bilhão
- Ferro fundido bruto não ligado: US$ 1,42 bilhão
Principais produtos dos EUA comprados pelos brasileiros
- Partes de turborreatores ou de turbopropulsores: US$ 3,20 bilhões
- Turborreatores: US$ 2,89 bilhões
- Gás natural liquefeito: US$ 1,66 bilhão
- Óleos brutos de petróleo: US$ 1,45 bilhão
- Óleo diesel: US$ 1,43 bilhão
Tarifas Previstas para Entrar em Vigor em 1º de Agosto
- Brasil: 50%
- Japão: 25%
- Coreia do Sul: 25%
- Tailândia: 36%
- Malásia: 25%
- Indonésia: 32%
- África do Sul: 30%
- Filipinas: 20%
- Camboja: 36%
- Bangladesh: 35%
- Iraque: 30%
- Sri Lanka: 30%
- Argélia: 30%
- Cazaquistão: 25%
- Líbia: 30%
- Tunísia: 25%
- Sérvia: 35%
- Laos: 40%
- Mianmar: 40%
- Brunei: 25%
- Bósnia-Herzegovina: 30%
- Moldávia: 25%