Com o Salão Júlio de Castilhos lotado, foram apresentados na manhã desta sexta-feira (11) os planos de trabalho da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios da Assembleia Legislativa e da Comissão Externa da Câmara Federal de combate ao feminicídio no Rio Grande do Sul. O Legislativo gaúcho aderiu ao programa nacional Feminicídio Zero – Nenhuma violência contra a mulher será tolerada em abril deste ano, foi o primeiro órgão legislativo do país, e o único no estado, a aderir formalmente à campanha. O evento teve a presença da ministra das Mulheres, Márcia Lopes.
O plano estadual prevê ações articuladas com diferentes setores da sociedade e a criação de um comitê gestor, campanhas permanentes e um observatório de monitoramento dos casos. Durante o evento, que contou com a presença de parlamentares gaúchas, movimentos sociais, representantes do Executivo e do Judiciário, foi assinada a adesão da Defensoria Pública do RS, Tribunal de Justiça e Hospital Conceição ao programa nacional de combate ao feminicídio.
A deputada estadual Stela Farias (PT), que coordena a Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios da Assembleia, destacou o papel do Legislativo gaúcho. “É um orgulho para o Parlamento do RS ser pioneiro nesse compromisso com a vida das mulheres”, afirmou. Para ela, o estado vive uma situação de emergência diante da violência de gênero: “Ocupamos o quinto lugar no ranking nacional de feminicídios. Isso exige ação coordenada, coragem política e compromisso com a vida”.

O plano prevê articulação com universidades, clubes de futebol, câmaras de vereadores e movimentos sociais, com foco em prevenção, responsabilização dos agressores e proteção às vítimas. Entre as medidas, estão a criação de um comitê gestor interinstitucional, campanhas de comunicação permanentes e a interiorização das ações por meio de comitês regionais. A Assembleia também irá criar um observatório para monitorar os feminicídios no estado.
Farias destacou ainda o impacto da exposição itinerante Arrancada de Nós, histórias que precisam ser contadas sobre as 11 mulheres assassinadas no RS: “É doloroso, mas necessário. Precisamos mobilizar a sociedade. O silêncio é cúmplice do feminicídio. A denúncia é a nossa principal arma”.

Na sequência a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), relatora da Comissão Externa da Câmara Federal, apresentou as ações previstas pela comissão com o objetivo de elaborar um diagnóstico das causas dos feminicídios no estado para embasar políticas públicas. “Feminicídio não é fatalidade, é crime evitável”, afirmou. Ela cobrou escuta das mulheres, fortalecimento das redes de acolhimento e ação concreta. “Será que é fácil fazer uma denúncia? Quanto tempo uma mulher espera numa delegacia, com medo, dúvidas e o agressor à espreita?”, questionou.
Rosário defendeu o envolvimento do SUS, escolas e unidades básicas de saúde na quebra da cultura hierárquica que sustenta a violência de gênero.
Desde a criação da Lei do Feminicídio, em 2015, até o final de 2024, o Rio Grande do Sul registrou 2.919 tentativas e 935 feminicídios consumados, segundo dados do Observatório da Violência contra a Mulher, da Secretaria da Segurança Pública. De janeiro a junho de 2025, foram 134 tentativas e 36 feminicídios consumados. Segundo levantamento da Lupa Feminista, entre o início de 2025 e o dia 2 de junho, foram registrados 39 feminicídios no estado.

Articulação e acolhimento
Presidenta da Comissão Externa, a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol) chamou atenção para os números alarmantes. “Já são 40 feminicídios em 2025. Em 2024, foram 111,80% cometidos por companheiros ou ex-companheiros.” Ela denunciou que mais de 40% das mulheres assassinadas tinham buscado ajuda antes de morrer, mas não foram efetivamente acolhidas.
“Criamos a Comissão Externa depois de um feriado da Páscoa com 10 feminicídios em poucos dias. Desde então, percorremos o estado dialogando com movimentos sociais e órgãos de proteção. Tornozeleira eletrônica, monitoramento e prevenção nas escolas não podem ser exceção, mas regra”, afirmou.
A deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB), Procuradora Especial da Mulher, lembrou que o estado passou uma década sem Secretaria da Mulher. “Entregamos ao governador uma moção assinada por 50 deputados e deputadas com diretrizes para enfrentar essa realidade”, contou.
Bruna defendeu recursos para a nova secretaria e a implantação da Casa da Mulher Brasileira no RS. “A primeira porta não é a da delegacia, mas a do acolhimento, onde a mulher se sente segura para decidir.” Ela citou sua própria história: “Minha mãe nunca denunciou, mas a enfermeira sabia. A escola sabia. A atuação em rede salva vidas”. Pediu ainda que a visita da ministra ajude a garantir um calendário para a implantação da Casa.
Eles por Elas
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o ex-deputado estadual Edegar Pretto, afirmou que os homens precisam se mobilizar contra a violência. “Pode parecer estranho um homem falando sobre isso, mas é justamente esse o ponto: a maioria dos homens não é agressora, mas fica de braços cruzados, ri de piadas machistas, se cala diante do desrespeito. E assim a violência continua”, disse.
Pretto lembrou a criação da Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que lançou o cartão vermelho durante um Gre-Nal no Beira-Rio. Também destacou sua participação na Comissão sobre o Status da Mulher da ONU (CSW), em 2013, e a articulação do movimento HeForShe (Eles por Elas), retomado com a volta do Ministério das Mulheres.
Ele ressaltou a importância da lei das tornozeleiras eletrônicas, de sua autoria. “Ano passado foram disponibilizadas 2 mil tornozeleiras, mas só 300 estão em uso. Monitorar o agressor e proteger a vítima é uma política pública real, que salva vidas”, afirmou.
O presidente da Assembleia Legislativa, Pepe Vargas (PT), reforçou que o combate à violência exige políticas públicas transversais. Citou como exemplo o programa federal Vozes da Família, que inclui o nome da mulher nos títulos de terra da reforma agrária. “Isso é empoderamento: trabalho igual, salário igual. Não adianta empresa dizer que faz ESG e pagar menos para as mulheres”, afirmou.
Segundo ele, é preciso superar a cultura patriarcal e garantir ação conjunta entre os poderes. “Os homens que não praticam a violência não podem mais se omitir. Precisamos de uma grande força-tarefa para que a violência seja zero”, concluiu.

“Temos que perguntar a todos os ministérios: o que vocês estão fazendo pelas mulheres?”
Durante o evento, a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, reafirmou o compromisso do governo federal no combate aos feminicídios. “É claro que me entristece saber que o Rio Grande do Sul é o quinto estado brasileiro em feminicídios e violência contra a mulher. Não podemos permitir isso. Este estado tem tudo, quadros políticos, intelectuais, militâncias populares para mudar essa realidade”, afirmou.
Ela relatou uma fala do presidente Lula: “Ele queria que eu andasse pelo Brasil e encontrasse mulheres mais felizes, que se sentissem protegidas e protagonistas. É muito ruim passar a vida falando de violência”.
A ministra citou como exemplo o estado de Pernambuco, onde prefeitos anunciaram mais de 100 dias sem feminicídios. “Será que teremos que colocar totens nas praças para marcar quantos dias estamos sem essa violência?”, provocou.
Márcia Lopes destacou que o Ministério das Mulheres está articulado com outras pastas para garantir ações efetivas. “Temos secretarias dedicadas à violência, à autonomia econômica e aos cuidados. E estamos dialogando com todos os ministérios para perguntar: o que vocês estão fazendo pelas mulheres do Brasil? Temos que olhar para a saúde, educação, segurança, cultura, assistência social e garantir que todas as políticas atendam às mulheres.”
Ela também ressaltou o papel do Sistema S, defendeu a implementação da lei da igualdade salarial e anunciou um novo programa de saúde mental voltado às mulheres.
A ministra lembrou ainda a diversidade das brasileiras: “Mulheres indígenas, quilombolas, negras, LGBTs, todas precisam ser ouvidas e acolhidas”. Informou que a primeira conferência nacional de mulheres indígenas ocorrerá em agosto, reforçando o compromisso com inclusão e protagonismo.
Sobre o Rio Grande do Sul, relatou que o governo federal já liberou recursos para a construção da Casa da Mulher Brasileira em Porto Alegre e Caxias do Sul, sendo R$ 19 milhões para a Capital, aguardando terreno para a construção do prédio, e R$ 9,5 milhões para a cidade serrana já em fase de operação do projeto. “Essa casa integra a Patrulha Maria da Penha, Defensoria, Ministério Público, delegacias e atendimento psicossocial, para que a mulher se sinta protegida e acolhida.”
Márcia Lopes alertou sobre a gravidade da violência doméstica e a importância do envolvimento de toda a sociedade. “Queremos que os homens venham conosco, que o ‘não é não’ seja respeitado em todos os lugares, que os estabelecimentos estejam preparados para orientar e proteger as mulheres.”

Conferência das Mulheres
A ministra reforçou a importância do processo conferencial como instrumento de escuta e mobilização das mulheres. “A última Conferência Nacional aconteceu em 2016, logo após o golpe contra a presidenta Dilma. Desde então, não houve mais. Agora, convocamos a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e estamos em pleno processo. Fazer conferência é escutar, mobilizar, dar visibilidade à nossa pauta”, afirmou.
Ela demonstrou preocupação com a baixa adesão no Rio Grande do Sul: “Soube que apenas 19 municípios realizaram suas conferências, de um total de 497. Falei com o secretário estadual e o estado já marcou a conferência para o dia 12 de setembro. O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher tem um papel fundamental nesse processo”.
Lopes lembrou que, além das etapas municipais e estaduais, também estão previstas conferências livres, e fez um apelo: “Queremos uma conferência potente no RS. Se eu for convidada, estarei presente. Nos dias 29 e 30 de setembro e 1º de outubro, 3,5 mil mulheres vão encantar a Esplanada. Vamos mobilizar!”
Encerrando sua fala, reforçou o apelo por justiça e igualdade. “Queremos um país e um Rio Grande do Sul livres de qualquer violência contra a mulher, onde elas sejam protagonistas de uma vida plena, com total participação no desenvolvimento econômico, social e sustentável.”
