Uma doença que é transmitida pelo ar em locais de pouca ventilação e em situações de convívio próximo, como dentro de casa. A tuberculose é um grave problema de saúde público no país e no estado do Rio de Janeiro, onde a proporção de pessoas infectadas pela doença é uma das mais elevadas do país, perdendo apenas para o Amazonas.
Em 2024, do total de 111 mil casos no Brasil, 18 mil foram no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, essa é a mesma posição entre aqueles com o maior percentual de pacientes curados, atrás de São Paulo. Os dados são do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde para a doença, lançado em março deste ano.
A meta da Organização Mundial da Saúde (OMS), para a doença é reduzir o número de casos para 10 a cada 100 mil habitantes. Um desafio enorme para o país e que dificilmente será cumprido. A média nacional está em 39, enquanto a do Rio de Janeiro foi de 88 em 2024, superando a média de 75 casos na última década. A queda dessas taxas está entre as prioridades do governo federal e a doença integra o Programa Brasil Saudável, mas as medidas necessárias para a mudança não se limitam ao atendimento de saúde. “A diminuição desses índices passa pela melhoria da qualidade de vida das pessoas, ou seja, melhores condições de alimentação, moradia e transporte. Ao mesmo tempo é preciso desenvolver tecnologias diagnósticas, vacinas e tratamentos”, diz Ezio Távora, coordenador dos Projetos de Engajamento Comunitário da Rede de Tuberculose, em entrevista ao Brasil de Fato.
Apesar de apontar desafios estruturais, Távora garante que o tratamento disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é eficaz e facilmente encontrado. Além disso, no estado do Rio de Janeiro é oferecido, desde 2024, o vale-alimentação no valor de R$250 mensais durante o período de tratamento. A inscrição no programa é feita pela unidade básica de saúde e não impede o recebimento de qualquer outro benefício, como o Bolsa Família. O cartão tem por objetivo atingir a meta nacional de registrar apenas 5% de desistência do tratamento e que atualmente está em 17%.
Sintomas e tratamento
A doença é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como bacilo de Koch e geralmente afeta os pulmões. Os principais sintomas da doença são tosse por mais de três semanas, emagrecimento, suar durante a noite e febre. Caso perceba esses sintomas, é preciso ir na unidade básica de saúde e realizar um teste rápido – em que o resultado sai em cerca de uma hora e meia. Este exame tem duas funções: a primeira é confirmar a existência da doença e a segunda é se há resistência a algum dos remédios utilizados, o que exige uma adequação. A oferta de cuidados é feita exclusivamente pelo SUS e dura pelo menos seis meses. “A preferência é que o paciente vá diariamente a unidade de saúde para que a evolução de seu quadro seja observada”, diz Ezio Távora.
O uso correto da medicação é um fator de proteção não apenas para quem ficou doente como aqueles que convivem de forma próxima com a pessoa infectada. E o motivo? A transmissão é interrompida em até quinze dias após o início do uso medicação contínua. O diagnóstico positivo exige o monitoramento das pessoas próximas ao paciente por parte das equipes de saúde para a oferta do tratamento preventivo. Nesse caso, a quantidade de remédios é menor e deve ser feita por três meses: são 12 doses, uma por semana. Outras medidas de proteção são manter o ambiente arejado com a abertura de janelas ou uso do ventilador e máscaras dentro de casa.
Importância da alimentação
Já é difícil manter a rotina quando nossa garganta inflama e é preciso tomar antibiótico por uma semana ou dez dias, sempre no mesmo horário. Agora, imagina fazer isso por seis meses diariamente? Parece muito, mas é necessário. Giliard Barreto foi agente comunitário de saúde durante 10 anos na favela da Rocinha e acompanhou de perto esse processo. “O remédio provoca sono e fome, então muitos pacientes não queriam tomar para não perder um dia de trabalho”, recorda. Para aqueles que cumpriam a dose diária de comprimidos que incluem quatro medicamentos – rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol -, nem sempre é fácil continuar após alguns meses. “Muitas vezes o morador se sentia bem depois de dois meses e decidia parar com os remédios, mas como o tratamento não foi completo, a doença retornava”, diz o hoje integrante do coletivo Tamo Junto Rocinha, responsável por realizar projetos de educação em meio ambiente, saúde e cultura na comunidade.
A realidade descrita por Barreto é comum e entre as principais causas de desistência está o mal estar causado pelo remédio, em especial quando não há alimentação adequada. Foi a partir desse cenário que a secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro acatou uma demanda dos movimentos sociais e criou o cartão de vale alimentação. O cadastro é feito na unidade básica de saúde em que o usuário frequenta e é recarregado automaticamente enquanto durar o tratamento. Antes disso e caso haja algum atraso, cabe ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) – providenciar auxílio na alimentação dos pacientes. De acordo com a Secretária de Saúde do Estado do Rio de Janeiro o cartão já foi distribuído a 11.392 pacientes distribuídos em 81 municípios.
Vacinação das crianças
A vacina disponível para tratamento da tuberculose atualmente é a BCG, disponibilizada para crianças de até cinco anos. Há 10 anos, quase todos os brasileiros tinham tomado essa vacina, mas durante a pandemia esse índice baixou para 68% e atualmente está em 92% no país. No entanto, no estado do Rio de Janeiro esse índice está em 85%. “A tuberculose se instala quando a pessoa tem baixa imunidade. Uma criança muito pequena ainda está formando seus anticorpos, compondo seu organismo de proteção. Então, as crianças são muito vulneráveis a instalar a doença”, explica Távora. Outro agravante é a dificuldade de identificar a tuberculose em uma criança, porque o exame se faz a partir do escarro – quando é necessário forçar a garganta para que o catarro armazenado na região sirva como material para confirmar ou não a doença.
Após os cinco anos de idade, a vacina já não tem efeito de proteção. O integrante da Rede de Tuberculose explica que a dificuldade de desenvolvimento da vacina é que, ao contrário do vírus da covid-19, por exemplo, a bactéria causadora da tuberculose é mais complexa. “Já há vacinas com 50% de eficácia e outras que têm se avançado muito. No entanto, as pessoas não podem ter a fantasia de que se pode desenvolver a vacina para a tuberculose de forma rápida como foi a da covid-19”, explica.
O desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da tuberculose esteve em pauta na última Cúpula dos Brics que reuniu as principais lideranças dos países em desenvolvimento realizada nos dias 6 e 7 de julho no Rio Janeiro. O tema da edição foi “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. A expectativa é de que os acordos saiam do papel e haja uma maior colaboração entre os países para a realização de testes de medicamentos já desenvolvidos e um esforço para que novos sejam criados.