Após uma semana de conflitos, Síria e Israel chegaram a um cessar-fogo. Relatórios apontam mais de mil mortes, incluindo civis e representantes do governo do país. Com apoio dos Estados Unidos, forças oficiais concordaram em paralisar os ataques no sul do território sírio, mas grupos paramilitares seguem mobilizados.
O conflito reacende uma disputa pelo território de Sueida, região próxima da fronteira entre Síria e Israel ocupada pelos drusos, um grupo étnico-religioso próprio que, na Síria, defende sua autogestão e independência.
Segundo representantes do governo israelense, é pela proteção deste grupo que o Exército do país se envolveu no conflito, além de evitar a presença militar síria nas proximidades da fronteira israelense.
Os embates envolveram drusos, tribos beduínas, formadas por populações nômades estabelecidas no deserto, forças militares do novo governo sírio e o Exército israelense.
Em 11 de julho, conflitos entre drusos e beduínos começaram na região de Sueida, com a prática de sequestros de membros dos dois grupos. A situação escalou para conflitos armados dois dias depois.
Os drusos possuem grupos armados de autodefesa criados durante a guerra civil síria, nos anos 2010, para defender a posição de auto gerenciamento do povo.
Bashar Al-Assad, que liderou o país até dezembro de 2024, estabeleceu um acordo tácito de convivência com o povo druso, que funcionaria da seguinte forma: eles não se oporiam ao governo em troca de não ter seus homens levados à guerra nem interferência em seu modo de vida.
Com a queda do regime de Assad e a composição de um governo de transição, o acordo deixou de existir.
A população síria é composta majoritariamente por muçulmanos sunitas, que correspondem a cerca de 75% da população. Minorias sociais compõem o restante do povo, como alauítas, que são cerca de 10%, e os drusos, que correspondem a 3%.
Durante sua gestão, Assad e a elite econômica e militar da síria eram alauítas, o que ajudou a garantir proteção às minorias étnicas do país durante o regime. Com a queda do presidente em 2024, um governo de transição sunita foi instaurado.
A mudança foi lida por grupos minoritários como uma possibilidade de endurecimento no tratamento e o fim do regime de proteção de pequenos grupos.
Foi assim que os drusos avaliaram a entrada das forças governamentais sírias no conflito contra os beduínos na última terça-feira (15). Esse novo capítulo do conflito se deu após o grupo armado druso Homens da Dignidade convocar mobilização geral da população e afirmar que o “princípio da autodefesa não é negociável”.
A justificativa do governo é que a ordem precisava ser restaurada e que as forças do país iriam trabalhar pela paz entre os dois grupos. Na prática, denúncias realizadas pelo Observatório Sírio por Direitos Humanos (SOHR, na sigla em inglês) apontam que o Exército se aliou aos beduínos em ataques contra a população drusa, matando inclusive civis inocentes e mulheres.
Não é a primeira vez, desde a saída de Assad, que denúncias sobre violência sectária e perseguição às minorias surgem. Em março de 2025, mais de 300 alauítas foram executados ou morreram em conflitos com as forças de segurança da Síria, segundo o observatório.
Foi a entrada do Exército na disputa que desencadeou, também, a participação israelense no conflito. No mesmo dia em que militares foram enviados a Sueida, Netanyahu iniciou bombardeios contra posições do governo sírio e de beduínos na cidade. Segundo ele, Israel estava “trabalhando para salvar seus irmãos drusos”.
No dia seguinte, os ataques aumentariam. Com um ataque aéreo, Israel bombardeou o Ministério da Defesa sírio e a sede do Exército do país, ambos na capital, Damasco, em uma região próxima ao palácio presidencial.
O movimento se desviou da defesa direta dos drusos e representou uma pressão contra o governo do país, comandado por Ahmed al-Sharaa, pela retirada das forças da região sul. As explosões foram registradas ao vivo por uma equipe de jornalismo do Al Jazeera. De acordo com o Observatório Sírio por Direitos Humanos, três civis, incluindo uma mulher, foram mortos no bombardeio.
Os ataques foram seguidos por ordens israelenses para que o Exército sírio deixasse Sueida e a região Sul do próprio território. A ordem foi atendida pelo governo sírio, que retirou as tropas e afirmou que a segurança da região ficará a cargo dos drusos, em esquema similar ao mantido por Assad.
“Buscamos evitar arrastar o país para uma nova e mais ampla guerra que pudesse tirá-lo de seu caminho de recuperação da guerra devastadora. Nós optamos pelos interesses dos sírios em detrimento do caos e da destruição”, disse o presidente.
Conflito histórico
Não é recente, porém, a participação israelense na região. Desde 1967, Israel ocupa uma região montanhosa próxima a Sueida, também no sul da Síria, chamada de Montanhas de Golã. O Estado tomou o território no contexto da Guerra dos Seis Dias e, em 1981, aprovou uma lei anexando a região ao território israelense.
Com exceção dos Estados Unidos, nenhum país reconhece Golã como parte do território israelense, considerando-o um território sob ocupação estrangeira.
A presença israelense também aumentou no restante da Síria desde dezembro de 2024, quando Assad deixa o país. Bombardeios foram realizados no sul, na costa e nas cidades de Damasco e Aleppo. A alegação é que tudo seria parte de uma estratégia defensiva para proteger o Israel de aliados de grupos terroristas como Hezbollah e Hamas, e considera forças sírias como aliadas do regime iraniano, rival dos israelenses.
Com mediação dos Estados Unidos, da Turquia e da Jordânia, países vizinhos à Síria, um cessar-fogo foi aprovado em 18 de julho.
Tom Barrack, enviados especial dos Estados Unidos na Síria, pediu que grupos armados largassem as armas para manutenção do acordo, o que não ocorreu. Grupos drusos e beduínos seguiriam em conflito nos dias seguintes.
Nesta segunda-feira (21), o Observatório Sírio por Direitos Humanos diz ter contabilizado 1.120 mortes no conflito, incluindo 194 execuções sumárias.