As gigantes da tecnologia atuam no Brasil quase sem pagar impostos e prestam serviços ao poder público sem transferir conhecimento técnico ao país. A avaliação é do pesquisador Ergon Cluger, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo e do Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (Getip) da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
“Hoje as chamadas big techs, de forma muito geral, atuam no nosso país quase que sem pagar imposto, sem pagar taxa. É um escritório aqui e outro ali, mas grande parte das remessas de lucro que elas vão ter vai para fora e elas acabam movimentando, gerando emprego até fora do país”, aponta Cluger. “Elas acabam atuando, muitas vezes, à margem da lei”, indica.
A crítica se baseia nos dados do estudo Contratos, Códigos e Controle: A Influência das Big Techs no Estado Brasileiro, realizado por pesquisadores da USP e da Universidade de Brasília (UnB). Entre 2014 e 2025, o setor público brasileiro contratou ao menos R$ 23 bilhões em licenças de software, serviços de nuvem, segurança digital e produtos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), valor superior ao orçamento de diversos ministérios.
Só entre junho de 2024 e junho de 2025, os gastos com produtos tecnológicos internacionais somaram R$ 10,35 bilhões. Esse valor cobriria por um ano o pagamento de bolsas a todos os 350 mil mestrandos e doutorandos do país, destaca o estudo.
Para ele, a resistência das empresas à regulamentação fiscal é semelhante ao que já ocorreu em países como Austrália e Nova Zelândia. “Ameaçam sair, ficam lá um, dois, três meses fora e depois voltam aceitando, por exemplo, divulgar conteúdos jornalísticos no Facebook, que é o que tinham derrubado. É claro que é um jogo, um cabo de guerra”, diz.
Especialista defende soberania digital
Na avaliação do pesquisador, a soberania digital depende de mais do que apenas tributar as empresas: é preciso desenvolver capacidade tecnológica nacional. “A condição que temos com as chamadas big techs é um eterno aluguel. Ao invés da gente fazer ali um pé de meia, juntar um dinheirinho e dar uma entrada pra uma casa própria, por exemplo, quer construir a IA [inteligência artificial] brasileira, infelizmente seguimos pagando um aluguel pro resto da vida”, lamenta.
Cluger defende a iniciativa do governo federal de retomar o debate sobre a taxação das big techs. A proposta ganhou força após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros, mas enfrenta resistência no Congresso e forte lobby do setor.
“O governo acerta em colocar essa agenda de regulação das plataformas, de discussão da responsabilização delas, e mais do que isso, de incluir a responsabilidade fiscal. Se as plataformas operam no Brasil e ganham dinheiro no Brasil, elas precisam também pagar a parcela, a fatia do bolo pra sociedade brasileira”, fala.
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