Usuários e trabalhadores da saúde mental, conselheiros e integrantes de movimentos da luta antimanicomial se reuniram na manhã desta terça-feira (22), em frente à Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, para protestar contra o que consideram ser o encerramento do Residencial Terapêutico Nova Vida (RTNV) em sua forma original: um serviço público e estatal criado em 1990. O ato denunciou a intenção da gestão municipal de terceirizar o atendimento.
Segundo a Prefeitura de Porto Alegre, o Residencial Terapêutico Nova Vida será transferido a partir de agosto para um novo endereço na rua Maestro Mendanha, mesmo região de saúde. O serviço passará a ser gerido por meio de parceria com a Associação Hospitalar Vila Nova.
“A mudança integra um conjunto de melhorias na rede de saúde mental da Capital, que inclui a abertura de cinco novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sendo dois infantis e três adultos, e as duas primeiras Unidades de Acolhimento ligadas aos Caps Álcool e Drogas (Caps AD)”, afirma em nota o executivo municipal.

A prefeitura explica que o novo imóvel, que passa a ser gerido por meio de parceria com a Associação Hospitalar Vila Nova, foi selecionado via edital 014/2023 por se adequar melhor ao conceito de casa, elemento essencial ao modelo de atenção psicossocial. “O prédio atual tem características mais próximas de um equipamento de saúde, o que se afasta da proposta original do serviço. A contratação da nova gestão inclui a estrutura do imóvel e a manutenção do acolhimento com qualidade e continuidade.”
Para a psicóloga Sandra Fagundes, fundadora do Fórum Gaúcho de Saúde Mental e integrante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, a medida representa um retrocesso ético, técnico e político. “A terceirização ignora que saúde é vínculo e responsabilidade, especialmente na saúde mental. Além disso, rompe com o pacto de controle social”, afirmou, ao criticar a ausência de diálogo com o colegiado do SUS.

Ela destacou que ainda há espaço para negociação. “Na política, não existe decisão sem volta enquanto houver possibilidade de luta. O SUS não se resume ao economicismo: também se pauta pelo benefício direto ao usuário”, disse.
A conselheira Maria Inês Flores, coordenadora do Conselho Municipal de Saúde (CMS), também criticou a forma como a decisão está sendo conduzida. “Se dizem que no dia 8 de agosto as pessoas terão que sair de suas casas, isso é um despejo. E isso não se faz com usuários da saúde mental. As pessoas estão pedindo respeito, e não foram ouvidas.”
Voz dos usuários e denúncias do controle social
Usuária de uma casa de transição ligada ao RTNV, Sandra Mara relatou o impacto da remoção em sua vida e na de seu filho, também atendido pela saúde mental. “Consegui me reerguer porque tenho uma rede de apoio. Mas os usuários do residencial estão fragilizados, não têm família, nem suporte”, relatou.
Coordenador do conselho local da Geração POA, Dirceu Rohr destacou a importância da rede de cuidado formada pelo RTNV, Geração POA e Cais Mental. “Essa rede tirou do papel o cuidado em liberdade e investiu na formação de oficineiros, geração de renda, e qualidade de vida. Mas estamos vendo um desmonte pela terceirização, que compromete a continuidade e qualidade dos serviços.”
A conselheira Ana Paula de Lima, da Comissão de Saúde Mental, lembrou que o edital de chamamento público para residenciais terapêuticos foi reprovado pelo controle social em 2023. Segundo ela, o RTNV não estava previsto no edital. “Essa tecnologia de cuidado surgiu da luta antimanicomial. Não pode ser comprada nem vendida. Estamos falando de casas de pessoas que já foram vítimas da violência do Estado.”
Ela afirmou que ações judiciais serão movidas contra a decisão da prefeitura, apontando descumprimento de decisões que exigem apresentação prévia de projetos ao controle social.
