A apenas noventa milhas da maior potência mundial, Cuba tem construído – com inevitáveis avanços e recuos – há mais de seis décadas um projeto social, econômico e político alternativo ao sistema capitalista hegemônico.
Como nenhum outro país na história, e armado apenas com sua convicção e firmeza ética, Cuba enfrentou durante todo esse tempo os Estados Unidos. O caminho escolhido, uma aposta na autonomia e na independência nacional, foi marcado por uma agressão constante como punição por essa decisão.
O país caribenho, porém, manteve seu compromisso com a construção do socialismo, mesmo após a queda do campo socialista e a dissolução da União Soviética. De acordo com o professor de economia e pesquisador cubano Carlos Enrique Gonzales, o rumo de construção socialista foi necessário para muitos dos avanços sociais na saúde, educação, cultura e esporte. Até setores alheios à Revolução admitem que poucos países — especialmente pequenos estados insulares em condições adversas — alcançaram progressos semelhantes.
“Quando pensamos em socialismo, pensamos em um processo que busca transformar todos os aspectos da sociedade: a forma de pensar, produzir, organizar a economia, as relações sociais e também os padrões de consumo. Isso não se conquista da noite para o dia”, diz o professor.
O pesquisador destaca que, durante o século XX, acreditou-se erroneamente que a construção do socialismo seria um processo linear e estruturado. Mas a história mostrou o contrário: “a construção de uma sociedade diferente do capitalismo é profundamente contraditória e complexa, com avanços e retrocessos. O mais importante é aprender com os erros e agir rápido para corrigi-los.”
Em um contexto de economia frágil e recrudescimento da hostilidade de Washington, Cuba debate hoje como sustentar seu modelo socialista enquanto implementa reformas necessárias para superar a crise atual.
Enfrentar a adversidade
O principal debate que atravessa a Revolução hoje é como fazer Cuba retomar o crescimento e o desenvolvimento, condição indispensável para sustentar os direitos que o socialismo promove.
Os recentes debates na Assembleia Nacional do Poder Popular reforçam essa visão. Carlos Enrique Gonzales destaca que, diferente de outras experiências políticas, a “vocação social” da Revolução e do governo busca melhorar a qualidade de vida, especialmente dos setores mais humildes. Mas, para manter e aprofundar essas conquistas — muitas das quais se deterioraram nos últimos anos — é imprescindível superar a crise econômica e voltar ao caminho do crescimento.
O desafio é enorme. Cuba trava suas batalhas em condições excepcionais, enfrentando a constante hostilidade da principal potência militar e econômica do hemisfério. Washington tenta sufocar a economia cubana por todos os meios, por meio do criminoso bloqueio, cujo objetivo explícito é gerar sofrimento na população.
Nesse sentido, o professor aponta que os discursos midiáticos que minimizam o impacto do bloqueio “só podem agir por desconhecimento ou má-fé”. O bloqueio afeta profundamente a capacidade de desenvolvimento econômico e progresso social do país.
O economista explica que “alguns insistem que o bloqueio atinge o governo, não o povo, mas essa separação não existe em Cuba. O bloqueio impacta sobretudo o povo, que é quem mais sofre suas consequências. Limita o desenvolvimento econômico e, ao fazer isso, reduz a capacidade de consumo e a qualidade de vida.”
No entanto, González esclarece que, apesar do bloqueio agravar muitos problemas, nem todos são exclusivamente causados por ele. “Isso pode parecer contraditório, mas não é negativo: significa que o bloqueio não é uma realidade absoluta diante da qual não possamos fazer nada. Há muito que podemos fazer, mesmo que seja difícil. Depende de lutarmos para seguir em frente.”
Além disso, acrescenta que, apesar de tudo, “Cuba tem a capacidade de se superar, assim como fez no passado”, desde que consiga encontrar e aplicar políticas econômicas adequadas.
Uma economia em busca de equilíbrio
“Em um contexto de bloqueio agravado, somado a políticas econômicas que — na minha opinião — não foram as mais acertadas, veio a pandemia. A capacidade de recuperação ficou severamente limitada, e ainda não encontramos a fórmula para reativar a economia”, reflete González.
Entre as políticas que considera problemáticas, ele menciona o processo de dolarização iniciado em 2019. Embora o objetivo fosse captar mais divisas dentro do sistema econômico nacional, a médio prazo isso provocou um efeito contrário sobre o aparato produtivo. Muitos setores dependiam de alocações estatais de divisas, e o aumento da demanda interna por moeda estrangeira impulsionou o crescimento do câmbio informal. A falta de um mercado cambial formal agravou as distorções e afetou profundamente a produção nacional, dificultando a captação de divisas pelo Estado.
A isso somou-se o Processo de Ordenamento Econômico, iniciado no começo de 2021, com o objetivo de unificar as duas moedas que coexistiam até então e estabelecer um câmbio único. Mas, ao ser aplicado em um contexto de extrema fragilidade — resultado da pandemia e do endurecimento das sanções impostas pela administração Trump —, gerou fortes desequilíbrios monetários no funcionamento da economia cubana.
Um exemplo pelo qual vale a pena lutar
Além da urgência em estabilizar a economia, impõe-se um debate mais profundo: o que significa atualizar o socialismo nas condições atuais? González sustenta que é necessário aprender tanto com os acertos quanto com os erros do socialismo do século XX, cujas características ainda persistem em parte em Cuba.
Um dos principais desafios é atualizar os mecanismos de planejamento econômico, indispensáveis para se diferenciar das economias de mercado guiadas pela lógica do lucro. Ele propõe avançar para formas de planejamento menos centralizadas, como já sugere a própria Revolução.
Nesse contexto, destaca que “raramente houve um debate econômico tão constante como o que existe hoje em Cuba. Um debate que percorre centros de trabalho, instituições, universidades e espaços de pesquisa.”
No entanto, considera fundamental que essas discussões se tornem mais públicas. “Quanto mais aberto e participativo for o debate econômico, menor será o risco de cometer erros.”
Referindo-se à tradição participativa da Revolução, González afirma que, embora o povo talvez não defina políticas macroeconômicas, “será ele quem indicará o caminho.”
“Creio que a Revolução Cubana é um processo pelo qual vale a pena continuar lutando. Porque o capital político que acumulou não é apenas um discurso, mas a prova concreta de que é possível lutar por um mundo melhor. E talvez hoje, mais do que nunca, esse exemplo merece ser defendido.”