A extrema direita venezuelana usa uma receita repetida e que, mesmo sem efeitos práticos, continua sendo a única ferramenta para tentar derrotar o governo de Nicolás Maduro nas urnas. A abstenção já foi testada em 2025, nas eleições de governadores e deputados, e não teve resultado.
O governo ampliou sua vantagem nos estados e na Assembleia Nacional, mas, ainda assim, será a aposta para este domingo (27) na disputa para as prefeituras.
A ex-deputada ultraliberal María Corina Machado é quem encabeça o movimento desta vez. Desde janeiro, quando Maduro tomou posse para um terceiro mandato, ela tem pedido para que os eleitores não saiam de casa e adotou o lema “Eu já votei em 28 de julho”, fazendo referência a data das eleições presidenciais de 2024.
O voto no país não é obrigatório e a estratégia é forçar uma alta abstenção para “descredibilizar” o governo.
A estratégia, no entanto, não foi abraçada por toda a oposição e nem mesmo por alguns de seus antigos aliados. Alguns dos principais partidos da direita venezuelana apresentaram candidaturas e tentarão vencer algumas das 335 prefeituras em disputa.
Para o deputado José Gregório Correa, do tradicional partido opositor Ação Democrática, o que o governo mais quer é a abstenção.
Ele lembrou que uma das estratégias desse setor da extrema direita foi boicotar as eleições presidenciais de 2018 e autoproclamar como presidente o ex-deputado Juan Guaidó. Para Correa, isso só teve como resultado “manchar a imagem” da oposição.
“Estou muito preocupado e triste pelo que vai acontecer no domingo. Um setor da oposição não entendeu o que é preciso ser feito. Esse setor enganou o país, com presidente interino que nunca existiu, depois uma liderança que não era líder de nada como foi María Corina e depois Edmundo González, que é um homem sério, mas que caiu nesse erro. Um governo que não tem voto, o melhor que pode acontecer é não votar. Esse governo sempre vai querer isso”, disse Correa ao Brasil de Fato.
O deputado reforça que há um outro elemento que prejudica ainda mais a direita nesse pleito, já que, os grupos que inscreveram candidatos não conseguiram estabelecer consensos em cidades importantes. Para ele, essa divisão “ajuda o governo”, que tem candidaturas unificadas e disputa contra uma direita pulverizada, que não terá votos concentrados.
“Esse cenário fica ainda mais difícil se esse voto é dividido. Nós não temos unidade em Caracas, El Hatillo é uma cidade tradicionalmente opositora, mas vamos com dois candidatos contra um chavista. Um natural e outro para dividir. E isso ajuda o governo”, disse.
Para ele, essa estratégia já foi testada mais de uma vez e “esse setor não aprendeu”. O deputado faz referência a três momentos específicos. O primeiro deles foi a eleição de 2005, quando a oposição retirou a candidatura para a corrida presidencial e para as legislativas.
De acordo com Correa, a própria AD apoiou o boicote naquele momento, mas viu que os únicos vencedores com isso foram os candidatos chavistas e “não repetiu mais o erro”.
O segundo momento de abstenção foi em 2018, na reeleição de Maduro para um segundo mandato. O último episódio havia sido em 2020. Na ocasião, a oposição tinha maioria na Assembleia Nacional e, mesmo assim, desistiu de levar candidatos para a disputa no Congresso e o chavismo formou maioria de deputados.
Agora, em 2025, a estratégia foi usada em maio, quando o governo conquistou 23 dos 24 governadores de estado e mais de 92% da Assembleia Nacional. Correa está confiante de que nas cidades em que seja registrada uma participação superior a 25% sejam eleitos prefeitos opositores.
Para justificar o boicote dessa vez, a oposição de extrema direita alega fraude nas eleições presidenciais do ano passado mesmo sem apresentar provas, mas se apoia em uma lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O órgão não publicou os dados das eleições presidenciais nem de governadores e o site está fora do ar desde a alegação de ataques hackers.
Mais uma vitória do chavismo?
A leitura do governo é a de que essa abstenção é benéfica para as candidaturas de esquerda. O deputado e dirigente nacional do PSUV Julio Chávez afirma que, neste contexto, o partido espera ganhar a “imensa maioria” das prefeituras. Ele afirma que as lideranças opositoras estão “desmoralizadas” por usarem um discurso golpista depois do pleito de 2024.
Chávez lembra dos atos violentos realizados em 29 de julho e entende que aquilo prejudicou a imagem do setor que buscava derrubar o governo de Maduro.
“Essa é a oposição que temos e não vamos interromper os erros do nosso inimigo político. Essa oposição seguirá de derrota em derrota pelo visto. Eles não tem um projeto nacionalista. Eles dependem do governo de Washington e da Casa Branca e defendem os interesses das elites. Como eles estão subordinados e ligados aos interesses imperialistas, eles vão seguir o caminho do lixo da história”, afirmou ao Brasil de Fato.
O deputado chavista discorda que o chavismo tenha como única vantagem a abstenção. De acordo com ele, o governo faz “todo o possível” para criar as melhores condições para a participação eleitoral, mas que, pela campanha enfraquecida, a tendência é que o Grande Polo Patriótico conquiste a maior parte das vagas.
“Não haverá surpresa nesse caso. Não há imprevisto. Vai triunfar a revolução bolivariana. Como a oposição se sente derrotada e tem pouca chance de vitória, eles promovem a abstenção. Não tem um projeto estratégico nem político. Eles pretendem simplesmente entregar o país e a soberania”, disse.
Ele ainda lembrou que a abstenção é tradicional em países cujo o voto não é obrigatório. Nos Estados Unidos, por exemplo, de 1972 a 2020, a participação em eleições presidenciais (que costumam ter maior interesse da população) superou os 60% somente uma vez.
Para o deputado, a expectativa do governo é vencer a maior parte das cidades para conseguir aprofundar um processo de transformação na sociedade a partir das três esferas de governo: nacional, estadual e, agora, municipal.