O número de feminicídios no Brasil atingiu o maior patamar desde 2015, quando esse tipo de crime passou a ser classificado legalmente. Foram 1.492 mulheres assassinadas por serem mulheres em 2024, segundo o novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24). O dado representa um aumento de 0,7% em relação a 2023.
Para Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os números confirmam um padrão que se repete ano após ano. “A gente infelizmente está vivendo aí um padrão que vem se repetindo desde que o Fórum trabalha com esses dados, que é um aumento sistemático do número de feminicídios.”
A maioria das vítimas era mulher negra (63,6%), tinha entre 18 e 44 anos (70,5%), foi assassinada dentro de casa (64,3%), por um homem (97%), geralmente o companheiro ou ex-companheiro (79,8%), e morta com arma branca (48%), como facas, ou por arma de
fogo (23,6%).
Brandão destaca que os feminicídios são evitáveis e refletem a ausência de medidas de proteção mais eficazes. “O feminicídio representa, na verdade, o ápice da violência. E o que a literatura tem nos dito […] é que é uma ocorrência evitável”, afirma. “Essa ocorrência representa a nossa falência, enquanto sociedade, de proteger essa mulher”, lamenta.
A pesquisadora também critica a subnotificação e a dificuldade em classificar corretamente os casos. “Para que um assassinato contra uma mulher seja considerado feminicídio, preciso que aquele agente público que recebe essa notícia da violência contra a mulher assim enquadre essa ocorrência”, explica.
Segundo o levantamento, 121 das mulheres assassinadas em 2023 e 2024 estavam sob medida protetiva. Ainda assim, mais de 101 mil ordens desse tipo foram descumpridas apenas em 2024.
Crimes raciais e de ódio
Outro dado preocupante do anuário é o avanço dos crimes raciais e de ódio. Os registros de injúria racial, racismo e racismo por homofobia ou transfobia saltaram de 12.813 em 2023 para 18.200 em 2024, uma alta de 41,4%. Já os casos de racismo foram de 14.919 para 18.923 (alta de 26,3%).
Em Minas Gerais, os casos de injúria racial mais que dobraram: de 727 para 1.828 (crescimento de 151,5%). Em São Paulo, os registros de injúria passaram de 3.932 para 7.153 (variação de 81,9%), e os de racismo de 4.804 para 8.221 (70,7%).
Para Brandão, esse crescimento tem dois lados. “Temos tido mais oportunidade de falar sobre a questão racial no Brasil, e as vítimas […] têm procurado cada vez mais os canais oficiais para denunciar esse tipo de ocorrência.” Ao mesmo tempo, ela aponta que a lei não tem sido suficiente para inibir os autores desses crimes.
A pesquisadora também chama atenção para a violência contra a população LGBT+, alertando para a falta de dados oficiais sistemáticos. “Infelizmente, o que vemos também é um quadro que é uma padronização de uma certa desinformação com relação a esses casos”, afirma.
“Na medida em que eu não consigo nomear essa violência que está acontecendo, eu não consigo também enfrentá-la. E isso é muito grave”, completa. Para ela, o novo anuário evidencia uma “política de desinformação que acaba afastando a produção de evidências” e, com isso, dificulta a formulação de políticas públicas eficazes.
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