Quase mil pessoas participaram, nesta sexta-feira (25), de um Ato em Defesa da Soberania Nacional no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O evento, com auditório lotado e público sentado no chão e nas portas, foi presidido por Celso Campilongo, diretor eleito da faculdade, e organizado em parceria com o Centro Acadêmico XI de Agosto. Ao lado de Cida Bento, a vice-diretora eleita, Ana Elisa Bechara, leu a Carta em defesa da soberania nacional, que já conta com o apoio de mais de 300 entidades da sociedade civil.
O manifesto defende a soberania como “o poder que um povo tem sobre si mesmo” e denuncia o que classifica como “intromissões estranhas à ordem jurídica nacional”. A carta repudia qualquer tentativa de intervenção externa e pontua que “o Brasil sabe como defender sua soberania”. Ao reafirmar a soberania como valor essencial da democracia brasileira, o texto também aponta que “sujeitar-se a esta coação externa significaria abrir mão da nossa própria soberania, pressuposto do Estado Democrático de Direito”.
Durante o ato, a presidenta do Centro Acadêmico XI de Agosto, Júlia Pereira Wong, destacou que defender a soberania nacional “é levar o papel de cidadão às últimas consequências, para que assim a cidadania seja o princípio de tudo”. Em sua fala, Júlia criticou as recentes ameaças externas ao Brasil e apontou que o povo brasileiro tem reagido de forma organizada e firme. Os discursos foram seguidos por palavras de ordem entoadas pelo público.

O ato ocorre em meio a uma escalada de tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos. O presidente norte-americano Donald Trump anunciou a aplicação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, medida que ele atribui ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a divergências comerciais. O governo Lula (PT) reagiu, afirmando buscar negociação, mas prometendo reciprocidade em caso de retaliação. A carta lida na cerimônia também foi transmitida em tempo real por outras universidades públicas do país.
Entre os presentes, estavam representantes de movimentos populares, sindicatos, organizações como Uneafro e partidos das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Também participaram lideranças políticas como José Genoino, José Dirceu, Luiz Eduardo Cardoso, Edinho Silva (presidente do PT), Bianca Borges (presidenta da UNE), além de parlamentares como o deputado federal Ivan Valente (PSOL) e autoridades do campo jurídico. A cerimônia foi encerrada com o Hino Nacional entoado pelo público que lotou o Salão Nobre, reafirmando em coro o compromisso com a soberania do país.

Mobilização nas ruas, memória histórica e resistência: vozes em defesa da soberania
“Mais do que nunca, soberania significa dizer que quem manda no Brasil é o povo brasileiro”, afirmou a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bianca Borges, em entrevista ao Brasil de Fato. Para ela, o tarifaço anunciado pelo presidente norte-americano Donald Trump é uma tentativa de “passar por cima das nossas leis e instituições” para atender aos interesses políticos da extrema direita.
Borges anunciou que o movimento estudantil está convocando o 1º de agosto como dia nacional de mobilização: “Pareceu que Donald Trump esperava nos colocar de joelhos, e já no dia seguinte nós fomos às ruas e respondemos de pé”.
A estudante destacou que a Carta em defesa da soberania nacional, lida durante o evento, deve impulsionar ações semelhantes em todo o país. “Essa foi uma iniciativa organizada às pressas, mas que se mostrou muito exitosa. Milhares de pessoas estiveram aqui hoje e temos a expectativa de que isso nos mantenha de pé, atentos e fortes para fazer frente a esses ataques”, afirmou.
O ex-ministro José Dirceu lembrou, em entrevista ao Brasil de Fato, que essa não é a primeira tentativa de intervenção estadunidense no Brasil. “Em 1964, em 1961, em 1954… já vimos isso antes. É mais uma vez a tentativa de cortar o caminho do Brasil para sua emancipação”, afirmou.
Dirceu defendeu que a resposta do governo Lula está em conformidade com a Constituição, que garante a independência do Judiciário e a não intervenção externa. “Temos uma pauta ideal: a defesa da democracia, da soberania e de uma revolução social por meio da reforma tributária progressiva. Acho que essa é a pauta que nós todos devemos nos unir para inclusive reeleger o presidente Lula em 2026”, concluiu.
O jornalista Juca Kfouri também participou da atividade e destacou, em conversa com o Brasil de Fato, a força simbólica do Salão Nobre do Largo São Francisco. O espaço já foi palco da Carta aos Brasileiros, em 1977, contra a ditadura militar (1964-1985), e da Carta em defesa da democracia em 2022.
“Hoje, recebe aqueles que defendem a soberania do Brasil, e eu não tenho dúvida: é um movimento que será cada vez maior”, afirmou sobre o lugar. Para Kfouri, a soberania significa “não se curvar ao desejo de quem quer que seja, mesmo que seja o presidente da nação mais poderosa do mundo”.
Crítico à postura de Trump, o jornalista afirmou que “está fora da casinha” e defendeu a reação firme do governo brasileiro. Ele avaliou que o episódio pode ampliar o apoio popular ao presidente Lula: “Não resta ao governo senão atender cada vez mais aos anseios das classes menos favorecidas. O que os americanos querem é levar aquilo que nós temos de mais rico. O que nós temos que fazer é preservar as nossas riquezas para distribuir melhor pelo povo brasileiro”.