Em Porto Alegre, um grupo de amigos negros apaixonados por corrida percebeu que a população preta é minoria nos espaços ao ar livre dedicados à prática de esportes na cidade. Em 2023, criaram o coletivo Corre Preto, que vem crescendo a cada edição e proporcionando saúde, pertencimento e representatividade a pessoas negras de todas as idades.

Desde 2024, Silvana Alvino da Silva e Luis Gustavo Medeiros não perdem uma edição do Corre Preto. O projeto promove, mensalmente, corridas e caminhadas para pessoas negras na orla do Guaíba, em Porto Alegre. Mais do que incentivar a prática de atividade física, a iniciativa se tornou um estímulo à representatividade e à transformação social.
Alvino destaca a importância do evento por dar oportunidade a pessoas negras de se encontrarem para cuidar da saúde. “É sempre muito difícil ver uma única pessoa negra, a gente se sente insegura de correr sozinha. Correndo juntas, a gente se sente segura. E fora a alegria que é o povo. A gente se identifica e se sente como se estivesse com o irmão da gente do lado, com o parente da gente.”
O casal costuma levar o filho e a neta para o Corre Preto. Eles participam da caminhada de 3 km. Há também grupos de corrida de 3 km e de 6 km. Antes, claro, tem o aquecimento. Para eles, o evento contribui tanto para a saúde física quanto para a saúde mental.

Medeiros diz que, no evento, a comunidade negra “se enxerga” e reconhece sua força em um estado com predominância de pessoas brancas. “É muito satisfatório a gente se enxergar num coletivo desses. Isso faz muito bem para a nossa autoestima, para a autoestima dos nossos netos, dos nossos filhos. A gente começa a enxergar uma outra realidade, uma força que não enxergava antes, quando não existia esse encontro.”
“Resistir, existir e viver”
O Corre Preto é coordenado por pessoas apaixonadas por corrida: o bombeiro Vitor Hugo, a psicóloga Monique Machado, o educador físico Rodrigo Peres e a publicitária Nicole Mengue.
Segundo Machado, a iniciativa surgiu ao perceberem que, apesar de Porto Alegre ter muitos corredores, poucos são negros. “Por que a comunidade negra não corre? Por que a comunidade negra não está nas aulas, nos espaços de atividade física? Aí a gente pensou no coletivo Corre Preto. E ele está sendo esse sucesso hoje, que a gente jamais imaginou alcançar”, celebra.
Confira a reportagem em vídeo:
O projeto cresce a cada edição. O décimo Corre Preto, em junho de 2025, teve mais de 2 mil pessoas inscritas. Com o slogan “Resistir, existir e viver”, combate uma face do racismo: a população negra sofre mais com doenças relacionadas ao sedentarismo, como obesidade, diabetes e hipertensão.
“A população negra tem menos acesso à alimentação saudável, ao saneamento básico, a momentos e áreas de lazer. Tanto é que, se a gente for olhar para Porto Alegre, as áreas de lazer são centrais; as comunidades, os bairros, não têm esse espaço, não têm esse cuidado”, explica a coordenadora.
Dia de vacinação
A edição realizada no mês do Orgulho LGBTQIA+ celebrou a diversidade com a presença do DJ Pajú. O aquecimento ficou por conta da dançarina e influenciadora Ramana Borba. O dia de atividades incluiu coleta de tampinhas plásticas e tênis usados para ações sociais. Também houve uma banca de vacinação contra a gripe, montada pela Secretaria Municipal de Saúde.
Aldara Castro participa desde a quinta edição e aproveitou para se imunizar. “Um evento maravilhoso de pertencimento, de acolhimento, de estar num coletivo entre nós, os pretos. Importante, bacana! Eu, quantas vezes este evento existir, vou estar presente. O Corre Preto é um coletivo que inclui a saúde também, então a gente não pode perder essas oportunidades. Tá aqui, ó: protegida”, diz, apontando para a vacina.

Iniciativa homenageada
No final de maio, o Corre Preto foi homenageado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. A deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) concedeu aos organizadores uma medalha em alusão ao Mês das Lideranças Comunitárias.
A parlamentar celebrou o encontro de famílias e pessoas que praticam esporte ou estão começando. “O Corre Preto é a comunidade negra se reconhecendo enquanto comunidade e também se fortalecendo enquanto indivíduos, cidadãos de uma cidade que ainda fala muito sobre o racismo. Então, é se encontrar, é se acolher, é se cuidar e é praticar esporte, sem deixar de lado o fortalecimento de uma cultura que há tanto tempo, neste estado, é rechaçada: a cultura negra.”
Ancestralidade
O evento reúne famílias e pessoas de todas as idades. E os pequenos não ficam parados: para eles, tem o Corre Pretinho, com aquecimento e corrida por faixa etária.
“A gente jamais imaginou que o evento ia chegar a essa proporção. Tanto é que a gente criou o Corre Pretinho também porque a gente acredita nos nossos mais velhos, mas também nos mais novos. Isso é ancestralidade”, finaliza Machado.
