A exemplo do que fez o ultradireitista Javier Milei na Argentina, o presidente de direita do Panamá, José Raúl Mulino, anunciou, no início deste mês de julho, que deve extinguir o Ministério das Mulheres, como parte de um plano de austeridade para reduzir gastos públicos. Desde o anúncio, movimentos feministas estão mobilizados para impedir que a medida se concretize.
Mulheres panamenhas ouvidas pelo Brasil de Fato veem na decisão um retrocesso histórico e uma ameaça às políticas de igualdade de gênero no país. A extinção do ministério também é criticada por órgãos como a Defensoria Pública e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
“O anúncio se dá por um governo de direita, que decide que é preciso economizar e descarta, desde o princípio, as mulheres. Coloca o ministério como algo inútil. O governo omite sua responsabilidade”, diz a advogada Gilma Camargo, que atua na defesa dos direitos humanos e das mulheres afrodescendentes.
Conquista recente
Criado em 2023, o Ministério das Mulheres centraliza, entre outras ações, políticas de prevenção à violência, programas de autonomia econômica e coleta de dados desagregados de gênero, para levantamentos estatísticos que subsidiam a formulação de políticas públicas.
A ativista e enfermeira Elizabeth Taylor lembra que a pasta foi uma conquista histórica das mulheres, como resposta à demanda por um órgão dedicado exclusivamente a políticas de gênero.
“A criação do Ministério da Mulher foi uma luta de anos. Ele foi estabelecido recentemente, há dois anos. Foi uma conquista muito grande para nós, mulheres, no âmbito da proteção, em qualquer circunstância ou situação. Havia apoio, inclusive, para mulheres estrangeiras. Havia muito apoio, e isso [o fechamento] não vai nos beneficiar”, lamenta.
Ela ressalta, no entanto, que muitas mobilizações ocorrem no país para que a pasta não seja extinta. “Há muita mobilização. A ex-ministra do governo anterior [Juana Herrera Arúz] está nessa mobilização. Muitas mulheres importantes em nosso país estão nesse movimento”, conta.

O Executivo sustenta que as políticas para mulheres serão transferidas para o Ministério do Desenvolvimento Social (Mides), alegando “otimização de recursos”. O governo Mulino defende que “mecanismos de proteção já existem” e que a medida “não significa abandonar compromissos com a igualdade”. No entanto, essa narrativa é questionada.
A assistente social Bexi Taylor ressalta que a possível transformação do ministério em uma direção, dentro de outra pasta, enfraquecerá sua autonomia.
“Certamente, agora o ministério baixa de nível, fica como uma direção em um ministério que tem outras funções, diferentes da admissão que tinha o Ministério da Mulher. Dentro do ministério se trabalha com a rede de mecanismos governamentais para a promoção da igualdade de oportunidades, com as redes de estatísticas para saber quantas mulheres conseguem estar dentro dos ministérios como beneficiárias ou o acionam para alguma situação, para que obtenham algum benefício social, por exemplo”, explica.
“Retrocesso inaceitável”
A Defensoria Pública do Panamá emitiu um comunicado em que classifica a medida como um “retrocesso inaceitável”, lembrando que o país tem compromissos internacionais relacionados aos direitos das mulheres.
“A Convenção de Belém do Pará de 1994 – ratificada pelo Panamá – obriga o Estado a adotar políticas ativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres. Portanto, alertamos que a eliminação do Ministério da Mulher poderia traduzir-se em uma maior desproteção diante de problemas críticos, como o feminicídio, a violência domésticas, as desigualdades de gênero e a perda de espaços de participação e paridade para as mulheres”, diz a nota.
O Comitê de Especialistas do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), também expressou preocupação com a anunciada eliminação da pasta.
Em comunicado divulgado na última quinta-feira (25), o comitê destaca que a eliminação da pasta “implicaria uma redução de sua autonomia institucional e de sua autoridade, ao ser rebaixada ao nível de secretaria dentro do Ministério do Desenvolvimento Social (Mides)”.
Segundo o documento, “se essa medida for concretizada”, pode-se dizer que a sociedade está “diante de uma violação do caráter progressivo dos direitos humanos e do princípio de não regressividade que os rege, em contradição com as obrigações e compromissos internacionais assumidos pelo Estado”.
O enfraquecimento da proteção, citada pela Defensoria Pública, deve atingir as mulheres em diferentes níveis, com maior impacto nas panamenha que dependem de políticas públicas, como ressalta a advogada Gilma Camargo.
“Há uma luta de classes aqui: quem tem dinheiro, resolve seus problemas fora do Estado. E as mulheres pobres? As indígenas? As camponesas? Nossa luta é para que reconheçam que isso [o ministério] não é um presente, é uma obrigação com metade da população do país”, opina.
Violência contra a mulher no Panamá
As mobilizações para a criação do Ministério da Mulher ganharam força em um contexto de aumento nos casos de feminicídio no Panamá, que passaram de 15 em 2019 para 31 em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, segundo dados do Ministério Público.
Em 2023, ano de criação do ministério, o número voltou ao patamar de 2019, com 15 registros, após 22 ocorrências em 2021; e 21 em 2022. Em 2024, 23 mulheres foram mortas vítimas de feminicídio. Os dados mais recentes, de janeiro a junho de 2025, mostram que 8 mulheres foram assassinadas pela condição de gênero.
A ativista Elizabeth Taylor pondera que não é possível avaliar a eficiência do ministério apenas com números. No entanto, segundo ela, as estatísticas indicam que ainda há “muito caminho a se percorrer”.
“O ministério estava começando, então é muito prematuro para ter uma percepção precisa e poder determinar [sua eficiência], porque os mecanismos estão sendo instaurados, coisas novas estão sendo implementadas. Então, não podemos, neste momento, comprovar que está sendo eficiente, porque temos um sistema anterior muito deficiente”, pontua.
A violência contra a mulher está enquadrada no Panamá sob a lei 82 de 2013, que tipifica o feminicídio. De acordo com a regulamentação, a violência contra a mulher é “qualquer ação, omissão a prática discriminatória baseada no gênero em ambiente público ou privado, que coloque as mulheres em desvantagem em relação aos homens, que leve à morte, danos, ou sofrimento físico, sexual, psicológico, econômico ou patrimonial”. A lei também considera violência qualquer ameaça ou privação de liberdade.
Onda de protestos e repressão
O descontentamento das mulheres com a extinção do ministério voltado para políticas de gênero é apenas mais um capítulo da insatisfação com o governo de José Raúl Mulino. Um ano após a posse como presidente, o Panamá tem vivido uma onda de protestos que marcam uma revolta popular contra diversas medidas do Executivo, dentre as quais uma reforma da previdência aprovada em março deste ano.

Durante a campanha, Mulino afirmou que uma de suas principais prioridades seria reformar o sistema de pensões, algo que governos anteriores tentaram, sem sucesso. A gestão atual, por sua vez, avançou rapidamente na aprovação da Lei 462, uma reforma do sistema de seguridade social que entrou em vigor em março de 2025, sem consenso social nem consulta popular.
A lei eliminou o princípio da solidariedade entre gerações e introduziu um modelo de contas individuais, considerado por especialistas e sindicatos como um primeiro passo rumo à privatização do sistema previdenciário.
A medida gerou indignação generalizada e deu início a mobilizações massivas lideradas por sindicatos e movimentos populares, que teve como resposta uma intensa repressão estatal. Dezenas de líderes sociais e sindicais foram presos, inclusive em suas próprias casas. Movimentos indígenas denunciaram perseguições por parte de forças paramilitares. Também há denúncias de assassinatos por forças policiais.
O país encontra-se parcialmente militarizado, com forças policiais posicionadas em terminais de transporte, universidades, comunidades rurais e centros comerciais.