Um movimento arrojado foi colocado em prática a partir de uma aliança entre forças políticas, organizações sociais e instituições dos municípios de Candiota e Hulha Negra, na região da Campanha, próximas da fronteira do RS com o Uruguai: a implantação de uma Zona de Processamento de Exportações (ZPE) em área comum aos dois municípios.
Um primeiro encontro para formalizar a iniciativa foi realizado no início de julho, em Hulha Negra, de onde já partiram pelo menos duas ações práticas: a criação de um grupo de trabalho e uma consulta formal ao Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação.
O diretor do Instituto Cultural Padre Josimo Frei Sérgio Antônio Görgen, e um dos entusiastas da ideia da ZPE entre Candiota e Hulha Negra, explica que são áreas delimitadas no território nacional onde vigoram regras especiais para o comércio exterior, com foco na produção e exportação de bens. “Essas áreas são criadas com o objetivo de atrair investimentos, gerar empregos e promover o desenvolvimento econômico, especialmente em regiões menos desenvolvidas.”

As empresas instaladas em ZPEs gozam de regimes tributários, cambiais e administrativos especiais, que incluem tratamento aduaneiro diferenciado (facilidades para importação, exportação e armazenamento de mercadorias), incentivos fiscais (isenções e reduções de impostos como Imposto de Importação, IPI, PIS e Cofins, entre outros) e flexibilização cambial (possibilidade de manter recursos em moeda estrangeira no exterior, provenientes das exportações).
Conforme explica Görgen, uma ZPE tem objetivo de incentivar a produção e comercialização de bens para exportação, promover o desenvolvimento econômico e social em áreas menos desenvolvidas, reduzindo desigualdades, criar um ambiente favorável para a instalação de empresas, gerando empregos e renda e estimular a transferência de tecnologia e conhecimento para as empresas e regiões onde as ZPEs estão instaladas. “Além de contribuir para o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades sociais nos territórios, as ZPEs são consideradas importantes instrumentos de política econômica para promover o crescimento e a competitividade do Brasil no cenário internacional.”
Reunião em Hulha Negra deu “ponta pé” inicial
Um encontro no gabinete do prefeito de Hulha Negra, Fernando Campani, no início de julho, formalizou a parceria e deu início efetivo aos debates do grupo de trabalho pró-implantação da ZPE Candiota/Hulha Negra. Além das prefeituras e Câmaras de Vereadores de Candiota e Hulha Negra, fazem parte do grupo de trabalho o Instituto Cultural Padre Josimo, o Fórum do Cideja, Unipampa, Embrapa e Cooperativa Coptil.
Campani destacou que a iniciativa em conjunto entre os dois municípios em buscar a implantação da ZPE se justifica pelo potencial de desenvolvimento industrial com menor custo fiscal, facilitando a importação e exportação de tecnologia e inovação em regiões que enfrentam dificuldades econômicas e altas taxas de desemprego.
De acordo com o prefeito, a criação de uma ZPE exige requisitos específicos que conferem com a realidade de Hulha Negra e Candiota. “Esse tipo de zona tem algumas virtudes importantes porque permite o livre comércio, a produção industrial se instalar, se desenvolver com menor custo de taxações fiscais, e permitindo a importação e exportação de tecnologia, de inovação, a instalação de parques industriais, de oportunidades de desenvolvimento de diversos segmentos, melhorando a economia da região.”
O próximo passo envolve uma reunião presencial com o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, para habilitar a criação e definir o mapa do território da ZPE, buscando atrair novos empreendimentos e investidores. Conforme destacaram os envolvidos, o projeto seguirá sendo conduzido de forma democrática e coletiva, envolvendo diversos setores da sociedade para garantir seu sucesso.
O presidente da Câmara de Vereadores de Hulha Negra, Josias dos Santos Vidarte (PSB), considera que a iniciativa pode ser um divisor de águas no enfrentamento das dificuldades econômicas que desafiam a região especialmente no que diz respeito à geração de empregos e à atração de investimentos. “Vejo com grande entusiasmo o protagonismo dos nossos municípios na construção de um projeto que olha para o futuro com seriedade e planejamento. A ZPE não é apenas uma sigla, ela é sinônimo de desenvolvimento, inovação e oportunidade para nossa gente.”

Perspectivas são altamente promissoras
De acordo com os relatos passados ao Brasil de Fato RS pelos participantes da reunião de julho, a partir do debate inicial, uma série de apontamentos formularam cronograma e prioridade de ações para os próximos passos, bem como elencaram possibilidades concretas para a repercussão social em caso de sucesso no intento de implantação da ZPE Candiota/Hulha Negra.
Um aspecto central é o impacto positivo na atração de investimentos na região, que é economicamente reprimida e dependente da exploração mineral, fomentando diversificação da matriz produtiva, econômica e social. Foram inclusive citados casos de regiões que foram transformadas positivamente a partir da implementação das ZPEs. Houveram inclusive sugestões de investimentos industriais que poderiam ser implementados, tais como fertilizantes, siderurgia, polo cerâmico, metanol, montadoras de tratores e veículos elétricos, hidrogênio verde, geração eólica, inteligência artificial, entre outros. Também houve referência à presença de minerais estratégicos na região, entre eles, o silício.
Outro aspecto central colocado em debate é a potencialidade que representa a localização do território, próximo à fronteira com o Uruguai, que possibilita ações de integração direta com o país vizinho. Essa possibilidade, até hoje pouco explorada, por si só abre um leque grande de possibilidades, vide expertises que existem de lado a lado e podem ser intercambiadas no que diz respeito a produtos e serviços de excelência, bem como experiência de produção, capacitação, mão de obra, entre outros.
Entre os encaminhamentos propostos foram apontados a possibilidade de visitar uma ZPE já em operação para conhecer melhor seu funcionamento e as exigências e necessidades para sua implantação, abrir o debate com a população para construir base social e influir politicamente para conquistar esta política pública para a região, ampliar os estudos e trazer especialistas para falar sobre o tema. Além de solicitar uma audiência em Brasília com o Conselho das ZPEs e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para tratar desta demanda e promover uma palestra pública sobre o tema.
Candiota destaca ZPE na transição energética justa
O prefeito de Candiota, Luis Carlos Folador (MDB), associa a implantação da ZPE em Candiota e Hulha Negra a um passo decisivo para a transição energética justa. “É uma ação que entra em consonância com outras atividades que já vêm sendo desenvolvidas por forças vivas regionais pela transição – entre as quais podemos citar a busca de alternativas como a carboquímica, a produção de ligas de ferro, silício e alumínio, parques de produção de energia eólica, implantação de unidades industriais voltadas a segmentos que ainda não estão presentes na região, entre outras iniciativas que estamos buscando.”
Folador pontua que há muita boa vontade da parte dos poderes públicos, assim como das instituições de ensino e pesquisa presentes na região e a iniciativa privada, formando uma aliança ampla para que se construam as condições concretas para que a transição justa ocorra de fato. “Para isso é preciso não apenas buscar os projetos, as tecnologias e organizar os espaços, como também preparar as pessoas, formar mão de obra qualificada, desenvolver conhecimento e expertise para que a população local possa aproveitar as melhores oportunidades que vão surgir ao longo dessa transição.”
O prefeito garante que a mobilização pela continuidade da operação das duas usinas termelétricas durante o período de transição segue junto ao governo federal e o Congresso Nacional e espera boas notícias para breve. Folador considera estratégico para a região que o recurso gerado pelo próprio carvão – Candiota possui a maior reserva do mineral no país – sirva para financiar as ações que vão resultar na transição e culminar na quebra dos laços de dependência econômica da região para com essas usinas.
Da mesma forma o presidente do poder Legislativo de Candiota, vereador Paulinho Brum (PSDB), saudou a iniciativa, que chega em um momento em que a região como um todo sofre pela questão global que tem forçado o tema da descarbonização. “A nossa região é rica nesse mineral tão valioso, que na nossa opinião deve continuar sendo explorado e sendo utilizado para geração de energia elétrica, claro com muito respeito ao meio ambiente.” Citou, inclusive, o desligamento de duas usinas realizado há cerca de uma década atrás, mantendo apenas as duas atuais que são mais eficientes na geração e no controle da emissão de poluentes.
“Porém, precisamos estar preparados para todos os cenários e com a ZPE podemos ter um novo tempo, um novo momento, seria um passo muito importante principalmente para a compensação social de possíveis novos empregos”, apontou, citando que a comunidade local e regional vive sob o dilema constante da incerteza sobre a continuidade ou não da mineração. Ele relatou que seguem os esforços de um lado para defender a atividade da mineração e da geração de energia, pelo menos pelo período necessário para a transição e, do outro, a implantação da ZPE seria “um dos caminhos possíveis para proteger o social e fomentar o econômico, a geração de emprego, renda, desenvolvimento”.
Saiba mais
A criação de ZPEs no Brasil é regulamentada pela Lei nº 11.508/2007 e pelo Decreto nº 6.814/2009. O Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) é o órgão responsável por definir as normas e parâmetros do programa e já se manifestou previamente de forma favorável, confirmando que o pleito conjunto de Candiota e Hulha Negra atende aos pré-requisitos necessários para a implantação de uma ZPE. Atualmente, o Brasil conta com várias ZPEs autorizadas, em diferentes estados, como: Aracruz (ES), Açu (RJ), Cáceres (MT), Pecém (CE) e Uberaba (MG), entre outras.