Novo presidente nacional do PT, Edinho Silva criticou a decisão do governo dos Estados Unidos, presidido por Donald Trump, de aplicar sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, nesta quinta-feira (31), Silva classificou a medida como “autoritária” e “absurda”, afirmando que se trata de uma afronta à soberania brasileira. Para ele, Trump tem “semeado uma terceira guerra mundial”, mirando inclusive países historicamente aliados, como Brasil, China, Japão e da União Europeia.
Segundo Silva, que assume a liderança do partido neste domingo (3), o real “grande incômodo” da gestão Trump está na atuação do Brasil para fortalecer o Brics. Ele avalia que os EUA não aceitam a autonomia de países sul-americanos na construção de alternativas econômicas e políticas. “Essa concepção autoritária do governo Trump não permite que um país da América do Sul tenha autonomia para construir um outro bloco econômico”, declarou.
O dirigente petista também citou os interesses estadunidenses nas reservas brasileiras de terras raras e no sistema de pagamentos Pix como fatores que podem estar por trás das sanções. “Se o incômodo for a não submissão do Brasil aos interesses das empresas vinculadas ao governo Trump […] o Brasil não vai se submeter”, reforçou, defendendo que essas riquezas sejam preservadas para as futuras gerações.
Sobre Alexandre de Moraes, Silva enfatizou que o STF está cumprindo sua função ao investigar os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao lembrar que o episódio envolvia planos de assassinato de autoridades, comparou o caso à invasão do Capitólio em 2020, destacando que, ao contrário dos EUA, o Brasil está tratando a questão com mais rigor. “Não somos uma republiqueta”, afirmou.
Ele destacou, no entanto, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer “conversar com o mundo inteiro, inclusive com o governo Trump”. “Mas em pé, com um povo, um país que zela e que valoriza a sua soberania”, aponta.
Confira a entrevista completa:
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, utilizando a Lei Magnitsky. Como o senhor recebeu essa notícia?
Temos que depurar essa violência diplomática que os Estados Unidos adotam em relação ao Brasil. O governo Trump fez uma escolha. Ele tem semeado a terceira guerra mundial, que não será bélica, mas econômica. Ele tem propagado a possibilidade de termos uma grande guerra econômica, da forma como tem lidado com parceiros históricos dos EUA em relação ao comércio internacional.
Ele adotou tarifas pesadíssimas contra a União Europeia, a Índia, a China, o Canadá, o México e o Japão. Foi um tarifaço contra os principais países do planeta, e o Brasil também foi vítima desse tarifaço. A diferença é que contra nós, o governo Trump adota um discurso político.
Se formos pensar do ponto de vista da balança comercial, não tem o menor sentido essas tarifas contra o governo brasileiro. O governo americano tem um superávit de 400 bilhões de dólares nos últimos 15 anos em relação ao Brasil, ou seja, nós compramos mais dos EUA do que vendemos. É uma violência tarifária.
O grande incômodo do governo Trump é com a posição do Brasil de fortalecer o Brics. Essa concepção autoritária do governo Trump não permite que um país da América do Sul tenha autonomia para construir um outro bloco econômico, para que o Brasil construa novas relações comerciais com outros países. É um absurdo porque os próprios EUA constituíram a Alca [Área de Livre Comércio das Américas], com países que eles consideram estratégicos. Por que o Brasil não pode estabelecer relações comerciais com outros países?
É inaceitável essa postura de afronta à autonomia do Brasil. Se o debate for o Pix, um modo de pagamento gratuito que se tornou um patrimônio do povo brasileiro, enquanto as empresas de cartão de crédito dos EUA cobram taxas altíssimas para fazer as operações, o Brasil não deve ceder. Nunca vamos abrir mão do Pix e não vamos permitir ingerência.
Se o incômodo for a não submissão do Brasil aos interesses das empresas vinculadas ao governo Trump, no que diz respeito às nossas terras raras, onde o Brasil tem 25% das reservas do mundo, dos minérios mais valiosos hoje do planeta, o Brasil não vai se submeter. Se quiserem negociar com o Brasil, negociem, mas sabendo que somos um país soberano e vamos tratar essas riquezas como uma grande reserva para as futuras gerações do nosso país.
Tem um verniz político dado para uma questão que envolve a soberania nacional, o direito do Brasil construir outras relações, de investir no multilateralismo, ter um modo de pagamento gratuito, debater o que vamos fazer com as nossas reservas de terras raras. Esse verniz político foi dado porque o governo Trump não teve coragem de pôr na mesa, e agora utiliza subterfúgios para falar efetivamente aquilo que está incomodando ele.
E nesse verniz político, ele afronta as instituições brasileiras, as instituições do Estado que zelam pela democracia brasileira. O Supremo está apurando uma tentativa de golpe, no 8 de janeiro de 2023, que pressupunha assassinar o presidente da República [Lula (PT)], o vice-presidente da República, [Geraldo Alckmin (PSB)], e o [então] presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) [Alexandre de Moraes].
O Brasil não pode banalizar uma violência desse tamanho contra a nossa democracia. Tem que apurar, sim. Não somos uma republiqueta onde se afronta as instituições, a democracia, e isso fica por isso mesmo. Em 2020, teve uma tentativa semelhante no Capitólio, nos Estados Unidos, e a legislação americana, que acho que está equivocada, quando o presidente da República se elege, congela as investigações e processos. Trump não foi responsabilizado. Nós não. A nossa legislação é muito mais rígida nesse sentido.
O que o caso da prisão da deputada Carla Zambelli (PL-SP) nos faz refletir sobre a soberania do Judiciário no país?
O caso da deputada Carla Zambelli é emblemático. Nós vimos, em 2022, ela correndo atrás de um homem negro com revólver em punho, ela tentar e articular a quebra do sistema de segurança do TSE. Fico escandalizado ao ver lideranças da política brasileira defendendo isso. Vamos normalizar? Ela não vai ser investigada? Punida? Responder pelos seus atos? Que democracia estamos construindo?
Temos gente condenada e presa por um motivo infinitamente menor. Se a lei vale para quem comete um pequeno furto, se envolve em um ato infracional, tem que valer também para quem tem cargo público, que deveria ter uma responsabilidade maior porque é figura pública. Estamos vivendo, infelizmente, um momento difícil da vida brasileira. Estamos a um passo do errado vir a ser o certo, do crime ser normalizado, da afronta à democracia ser banalizada.
Temos que sair desse processo com a democracia e as instituições fortalecidas porque estamos falando de que país nós vamos deixar para as futuras gerações. Qual o legado que vamos deixar? Um país com a democracia e as instituições frágeis, ou um país que efetivamente zela pelos interesses da maioria do povo brasileiro?
Do acúmulo das últimas eleições, é possível notar alguns jovens que se destacam dentro do PT. Posso citar aqui: Luna Zaratini, vereadora, a mulher mais votada do município de SP na última eleição; Renato Freitas, deputado estadual no PR; também a deputada estadual Tainara Faria, de SP, que integra o seu grupo político em Araraquara; além de Natália Bonavides, deputada federal pelo RN, que chegou ao segundo turno na disputa pela prefeitura de Natal. Embora haja o debate de que o PT não se preocupa e não tem feito a renovação dos quadros, são quatro figuras jovens proeminentes, com possibilidade de crescimento. Qual é, para o pós-2026, o seu projeto para dar visibilidade para que esses quadros consigam ser nacionais e possam disputar eleições majoritárias?
Tem o Pedro Rousseff [vereador em Porto Alegre]; Camila Jara [deputada federal do MS]; Dandara [Tonantzin, deputada federal de MG]; Divanei [Basílio, deputada estadual do RN]; o Coletivo Nós, de vereadores em São Luís (MA), o mais votado da cidade; Carol [Dartora, deputada federal do PR]; e Ana Júlia [Ribeiro, deputada estadual do PR], uma liderança fantástica… Temos muitas lideranças jovens emergentes hoje no partido, mas o grande desafio do PT é promover a transição geracional.
Esse mandato, que estou assumindo a partir de domingo (3), tem desafios imensos. O mais importante é enfrentar esse debate da conjuntura que estamos vivendo e reeleger o presidente Lula. A reeleição significa falarmos “não” à ascensão do fascismo no mundo. Estamos vendo que o fascismo tem imposto e legitimado violências inaceitáveis em relação aos países árabes, à Faixa de Gaza, e essa postura de semear uma terceira guerra mundial, que será econômica.
Não terá a violência de um bombardeio, de uma ocupação terrestre por forças militares, mas será tão devastadora quanto. Vai desestabilizar setores da economia mundial, gerar desemprego, precarizar relações, aprofundar a pobreza e, por consequência, aprofundar a concentração de renda, que é o grande desafio do século 21. A reeleição do presidente Lula significa derrotar isso, deixar claro que no Brasil o fascismo não terá vez.
Segundo, darmos continuidade ao projeto de reconstrução do Brasil que o presidente Lula tem vivenciado, continuarmos com o debate sobre a democratização da renda. Se a democratização da renda é um debate internacional, no Brasil também é um debate central.
Não podemos continuar vivendo num país de privilégios, que tem R$ 860 bilhões de renúncia fiscal, e o trabalhador que ganha dois, três, quatro salários mínimos paga por seus tributos por meio do imposto de renda ou quando compra o pãozinho, o quilo do arroz e do feijão. O presidente Lula está enfrentando esse debate, isentando quem ganha até R$ 5 mil, desonerando quem ganha até R$ 7 mil.
O PT tem o desafio de construir uma agenda de futuro para o povo brasileiro, de enfrentar o debate da segurança pública. Se não queremos a segurança pública de inspiração fascista, onde segurança pública é igual à polícia que mata, temos que debater o nosso projeto. Ele passa por termos políticas públicas para os adolescentes em conflito com a lei, cuidarmos da reinserção social dos apenados, e adotarmos novas tecnologias para melhorar o ambiente de segurança para as nossas comunidades.
O PT tem que enfrentar o debate da transição energética, sobre o que vamos fazer com as nossas terras raras, como vamos lidar com a riqueza da costa equatorial, de termos uma política de reflorestamento da Amazônia, monitoramento contra o desmatamento e desenvolvimento sustentável. São temas centrais, como o financiamento do SUS [Sistema Único de Saúde], a universalizarmos a educação integral, as políticas da primeira infância. É um debate de país que o PT terá que fazer no próximo mês.
Estou muito animado com esses desafios, que não são pequenos. Tenho certeza que o PT, por ser o maior partido de esquerda da América Latina e instrumento de luta do povo brasileiro, vai superar esses desafios históricos. Vamos continuar sendo um partido relevante, que discute futuro com a sociedade brasileira.
A pesquisa AtlasIntel desta quinta-feira mostra que o governo Lula, pela primeira vez neste ano de 2025, tem aprovação de 50,2%, superando a desaprovação de 49,7%. O senhor acredita que o embate estabelecido com o Congresso na agenda econômica cooperou para essa retomada?
O governo do presidente Lula, se compararmos com o governo [do ex-presidente Jair] Bolsonaro, tem um nível de entrega impressionante. Não tem uma área, seja da prestação de serviços, educação, saúde, assistência social, desenvolvimento tecnológico, reindustrialização que o presidente não tem priorizado no Brasil, cujos números não sejam absolutamente grandiosos.
Não conseguimos furar a bolha da cristalização da opinião pública devido à polarização. O governo entregou, entregou, entregou, mas não mexemos na opinião pública.
Mexemos e furamos a bolha da polarização quando debatemos o modelo de sociedade, o Brasil que queremos construir, a necessidade de combatermos privilégios e democratizarmos a renda no nosso país e defendemos a soberania nacional. O Brasil não é um puxadinho dos Estados Unidos, quintal do governo Trump. Quando abrimos o debate de rumos, de futuro, conseguimos conversar com aqueles que elegeram Lula e passaram para a desaprovação, e que não votaram em Lula e agora estão se abrindo para o diálogo.
Não tenho nenhuma dúvida de que a aprovação do presidente Lula vai melhorar ainda mais, porque vamos continuar debatendo aquilo que é de interesse do povo brasileiro e o governo vai continuar tendo entregas. Agora que o povo se abriu ao diálogo conosco, temos que intensificar a conversa sobre o que o governo Lula já entregou ao povo brasileiro.
Nós recuperamos o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], as obras de infraestrutura, o Minha Casa, Minha Vida. O governo Lula criou o crédito do trabalhador, mandou para o Congresso um projeto de isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e diminuição da carga para quem ganha até R$ 7 mil. Estamos investindo R$ 300 bilhões num projeto liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin para recuperar a indústria brasileira… São muitas coisas acontecendo.
O povo brasileiro vai entender que nós pegamos um país quebrado, um rombo de quase R$ 370 bilhões, onde as políticas públicas estavam desorganizadas, destruídas, as nossas instituições, todas, vivendo um período de instabilidade. Estamos reconstruindo o Brasil. Estou muito confiante de que ainda nesse segundo semestre vamos crescer ainda mais na popularidade do governo do presidente Lula.
Vamos chegar muito fortes para reeleger o presidente em 2026 para dar continuidade a esse projeto de reconstrução do Brasil, mas também para derrotarmos esse pensamento fascista que flerta com a sociedade brasileira, para mostrarmos que o Brasil é um país soberano, de um povo soberano. Queremos conversar com o mundo inteiro, inclusive com o governo Trump. Mas em pé, com um povo, um país que zela e que valoriza a sua soberania.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.