O aumento do preço dos combustíveis em postos do Brasil mesmo em tempos de queda do valor dos derivados em refinarias nacionais tem pressionado a Petrobras a repensar a possibilidade de voltar ao setor de distribuição e comercialização de gasolina, diesel e gás de cozinha.
No início do mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levantou a suspeita de que postos de combustíveis do país estão enganando consumidores ao não repassar reduções de preços anunciadas pela estatal. Dias depois, circularam em jornais notícias de que o Conselho de Administração da Petrobras votaria uma proposta para que a empresa fosse autorizada a retomar a revenda de derivados.
A Petrobras divulgou um comunicado ao mercado negando que o assunto estivesse na pauta do conselho, instância que toma as decisões mais importantes da estatal. Dentro do próprio conselho, contudo, há membros favoráveis à volta à distribuição.
Rosangela Buzanelli, representante dos funcionários da Petrobras no órgão decisório da estatal, é uma delas. Ocupante de uma das 11 vagas do conselho, ela já defendeu a volta da companhia à distribuição em artigos e ratificou sua posição em entrevista ao Brasil de Fato na quarta-feira (30).
“Defendo que a Petrobras atue na distribuição e revenda, assim como já defendi que ela retome projetos de produção de fertilizantes e na área petroquímica”, afirmou Buzanelli, lembrando que a estatal deixou esse setores por decisões políticas que levaram à privatização de parte de sua subsidiárias.
Privatizações
Magda Chambriard, presidente da Petrobras, também tem assento no conselho. Ela nunca disse que a Petrobras deveria voltar à distribuição. Em maio, porém, reclamou do efeito das privatizações sobre o custo dos combustíveis.
Para Chambriard, a Petrobras “perdeu o controle” sobre os preços dos combustíveis aos consumidores. “A Petrobras era uma empresa verticalizada. Produzia petróleo, refinava seu petróleo e entregava combustível ao consumidor final. Hoje ela não faz mais isso”, afirmou, em entrevista coletiva.
Além de explorar, produzir e refinar petróleo, a Petrobras também distribuía a revendia combustíveis até 2019, quando ainda era dona da BR Distribuidora. A empresa foi privatizada em duas fases, em 2019 e 2021 — ambas durante o governo de Bolsonaro. Acabou mudando seu nome para Vibra, mas ainda ostenta a marca BR.
A Petrobras também distribuía e vendia gás, por meio da Liquigás. A subsidiária também foi privatizada, em 2020, durante o governo Bolsonaro. Acabou incorporada por um consórcio formado pela Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás.
Margem privada
Com a Petrobras fora da distribuição, por mais que ela reduza os preços dos combustíveis que produz, isso não chega ao consumidor. Dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep) indicam que, desde janeiro de 2023, o preço médio dos combustíveis vendidos em refinarias da estatal caiu 17,5%. Nos postos, porém, subiu 21,5%.
“Hoje, quando a Petrobras reduz os preços dos combustíveis nas refinarias, em muitos casos a redução não chega ao consumidor por conta da apropriação de valores pelos elos da cadeia”, explicou Mahatma dos Santos, diretor técnico do Ineep, que é favorável a ideia da Petrobras voltar a distribuir combustíveis.
Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), acompanha essa “apropriação de valores” periodicamente. Dados tabulados por ele indicam que, de outubro de 2020 a maio de 2025, a margem de ganho dos distribuidores e postos sobre a venda da gasolina subiu 109%. Nesse mesmo período, a margem da revenda com o gás de cozinha cresceu 60% e com a venda do diesel, outros 53%.
Segundo Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), tudo isso aponta para existência de “uma anomalia no mercado de combustíveis do Brasil”, que é o sexto do mundo. Para ele, a atuação da Petrobras na distribuição seria uma solução para o problema, até porque fiscalizações da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e órgãos de defesa do consumidor não têm surtido efeito para reduzir o preço do produto final.
Como voltar?
Bacelar disse que a FUP recomenda ao governo a volta da Petrobras à distribuição há anos. “Pautamos isso no programa de governo, durante a transição e também no Conselhão [o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável]”, disse. No entanto, ele não vê movimentações relevantes para que isso se concretize.
Dos Santos disse que o ideal é que subsidiárias da Petrobras vendidas no governo Bolsonaro fossem reestatizadas considerando, inclusive, que as privatizações ocorreram sem aprovação do Congresso Nacional. “Muitos foram vendidos à despeito dos marcos legais estabelecidos no Brasil”, lembrou.
Ele, contudo, não vê ambiente político para uma reestatização. Considera que o mais viável seria a recompra da BR Distribuidora pela Petrobras. Neste caso, contudo, a empresa teria que desembolsar um valor alto visto que a empresa, que acabou rebatizada de Vibra, é hoje a quinta maior companhia do país. “Não seria algo simples”, admitiu o diretor do Ineep.
Dos Santos também ressaltou que existe a possibilidade de a Petrobras criar uma nova empresa ou área de negócios para atuar na distribuição. No seu comunicado ao mercado, a empresa negou essa possibilidade. “Não há nenhum estudo para voltar ao setor de distribuição por meio de um projeto greenfield [ou seja, novo]”.
“Talvez pelas causas draconianas no contrato de compra e venda da Vibra. Na privatização, a Petrobras concordou em ficar fora do mercado de distribuição por pelo menos 10 anos”, comentou Bacelar, lembrando que o prazo termina em 2029.
O petroleiro disse que existe a possibilidade de a companhia revender combustíveis a grandes consumidores, “desde o agronegócio até grandes empresas de logística, indústria que usam muito gás natural”. Para ele, isso seria um começo.
Por fim, ele reforçou a importância de que a Petrobras atue cada vez mais como uma empresa integrada, trabalhando da exploração à comercialização, assim como já fazem as principais petroleiras do mundo.
Bacelar cobrou o apoio do conselho a avanços nesse sentido. “A participação na distribuição é importantíssima. Se isso não está pautado no conselho de administração, deveria estar”, concluiu.