Uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) reuniu artistas, parlamentares e representantes do hip-hop e do funk para debater a produção cultural nas favelas. A iniciativa da deputada Dani Monteiro (Psol) teve a presença de familiares do rapper Oruam que pediram a liberdade do artista.
O cantor Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruam, foi transferido para uma cela coletiva na Penitenciária Serrano Neves, em Bangu, na zona oeste do Rio, na última segunda-feira (4). Ele se tornou réu por tentativa de homicídio qualificado por lançar pedras contra policiais a uma altura de 4,5 metros da varanda da sua casa.
Para a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, a criminalização sistemática da cultura de favela é uma prática institucional de censura disfarçada. “É fato notório que a criminalização das expressões culturais de favela é uma prática histórica, seletiva e institucionalizada, não começou com o funk e o rap. Não podemos aceitar isso em pleno 2025. Quando MCs são presos ou impedidos de trabalhar por letras que retratam a própria realidade, o que vemos é censura mascarada de justiça”, afirmou Dani Monteiro ao Brasil de Fato.
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A tia do rapper Oruam, Silvana Santos, fez um pronunciamento emocionado na audiência ao pedir a liberdade do artista. Ela disse que o sobrinho conquistou notoriedade através da arte e suas rimas relatam a realidade das favelas.
“O Mauro David sempre foi um jovem poeta. Em 2017, ele fez um poema para o pai dele, ele não era famoso, mas é um poema lindo. Ele sempre teve essa coisa de poeta, de menino sonhador. Então, eu vim aqui falar pra vocês, que estão me ouvindo: a família tem sofrido muito, tudo isso tem impactado a nossa casa, a nossa família. E eu quero dizer: rap não é crime, MC não é bandido, e liberdade para Oruam”, declarou Silvana.
O deputado federal Henrique Vieira (Psol) pontuou que a criminalização do funk é um projeto da extrema direita. “A lógica dessa cultura que é elitista, racista, preconceituosa, hoje mira o seu canhão contra o rap, o trap, o funk, o hip-hop e as manifestações da favela, da periferia e da juventude negra. Todas as leis que estão criminalizando o rap, o trap e o funk vem da extrema direita. É importante dizer isso. E tem um detalhe, a extrema direita descobriu que o ódio mobiliza as pessoas, que o ódio mobiliza as redes, que o ódio gera lucro e que o ódio gera voto”, disse o parlamentar.
A mesa foi composta pela presidente da Comissão, Dani Monteiro, pela filósofa Katiuscia Ribeiro, pela DJ Iasmin Turbininha, pelo deputado federal Pastor Henrique Vieira, pelo advogado criminalista Fernando Henrique Cardoso, além de representantes da Defensoria Pública, do Ministério da Cultura e do Ministério da Igualdade Racial.
Perseguição contra o funk
Outros casos de criminalização da cultura funk, contra a DJ Iasmin Turbininha, o DJ Rennan da Penha e MC Poze do Rodo, também foram relembrados na audiência. “Fui intimada à delegacia só por produzir minha arte. Enquanto filmes sobre a favela ganham prêmios, a gente ganha prisão. Estamos há dois anos sem o Rio Parada Funk, sem apoio do governo. A cultura da favela segue sendo silenciada, mas seguimos resistindo”, denunciou Turbininha sobre o episódio de censura que sofreu em 2019.
O cantor Marlon Brendon Coelho, conhecido como MC Poze, permaneceu preso por cinco dias sob acusação de apologia e envolvimento com o tráfico em junho deste ano. No alvará de soltura, o desembargador afasta a necessidade de prisão e afirma que o artista foi tratado de “forma desproporcional, com ampla exposição midiática”. O MC teve shows no Brasil e uma turnê na Europa cancelados por ordem judicial.
Na esteira dos recentes casos, os deputados Dani Monteiro e Henrique Vieira lançaram a campanha “MC Não é Bandido”. Em âmbito estadual, o projeto impede o uso de obras artísticas como prova criminal sem confissão de crime. Prevê ainda a criação de mecanismos que impeçam qualquer tentativa de censura a artistas, além de autorizar o poder público a contratar shows, artistas e eventos que levem a cultura favelada e periférica à população.
Pela campanha, um projeto de lei de teor semelhante também foi proposto pelo Pastor Henrique Vieira a partir da criação do Programa de Prevenção à Censura a Arte e a Cultura. Entre outros pontos, o objetivo é garantir o respeito à liberdade de expressão e exposição da realidade através da arte.